Saúde e Bem-Estar

Camila Kosachenco, Agência RBS

Perda de olfato pode ser sinal precoce da doença de Alzheimer

Camila Kosachenco, Agência RBS
07/08/2019 13:00
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Foi conseguido associar pacientes com Alzheimer à anosmia (perda total do olfato) e pessoas com comprometimento cognitivo leve com hiposmia (perda menos significativa do sentido). Foto: Bigstock.

Quem resiste ao cheirinho de pão recém-saído do forno? Ou ao perfume inconfundível de um café passado na hora? Ou ainda àquele aroma de churrasco que costuma invadir as casas gaúchas aos domingos?
O que está por trás de tantos estímulos são inúmeros receptores olfativos que, além de aguçarem nossa gula, ainda serviram, no decorrer da nossa evolução, para proteger de possíveis ameaças.
Muito mais do que nos dizer que uma comidinha deliciosa está a nossa espera, o olfato tem a missão de ajudar a identificar alimentos tóxicos ou ambientes perigosos – como o cheiro de gás vazando.
O sentido também assume papel importante nas interações sociais: nossos odores corporais são importantes nas relações entre mãe e bebê (com 30 semanas de gestação, o feto já consegue sentir o cheiro do líquido amniótico dentro do ventre) e impactam a escolha dos parceiros.

Além disso tudo, nosso faro tem relação estreita com o cérebro. Perfumes e odores estão conectados com a memória. Não à toa, problemas olfativos podem ser um primeiro indicativo de doenças neurológicas como Alzheimer e Parkinson.

Mas, enquanto alguns animais são capazes de seguir pelo cheiro a caça, no ser humano esse é um sentido que pode ser considerado de segunda categoria. Raramente tem o mesmo desenvolvimento da visão e da audição. Talvez por isso, a gente acabe dando menos atenção a ele. Que tal conhecer mais sobre o olfato?

1) Os bastidores do show

Para narizes com tudo em cima, o mecanismo é mais ou menos assim: o aroma (estímulo químico) ingressa pelas narinas, chega no teto da cavidade nasal e leva um estímulo ao nervo olfatório. Esse, por sua vez, transforma o estímulo químico em elétrico, que ruma direto para o cérebro, identificando, assim, o cheiro. Qualquer obstrução nesse trajeto pode trazer problemas olfativos.
“É preciso avaliar desde a passagem do ar até a parte neurológica. Pode ter defeito em vários locais”, diz Renato Roithmann, otorrinolaringologista do Hospital Moinhos de Vento.
Na maioria das vezes, explica o médico, o problema é transitório e está relacionado a doenças inflamatórias do nariz, como gripes, sinusites e rinite alérgica, que obstruem a passagem do ar.

Contudo, há situações em que a capacidade de identificar cheiros torna-se irreversível, como pode acontecer com pessoas vítimas de traumatismos na face ou craniano.

Quem fica temporária ou definitivamente sem a capacidade de sentir cheiro pode sofrer perda de apetite e precisa tomar alguns cuidados.
Como é o olfato que nos comunica se uma comida já passou do ponto ou se o gás está vazando, por exemplo, convém não estocar muitos alimentos e ter alarmes específicos para sinalizar possíveis vazamentos.

2) Como a visão e a audição

Com o passar dos anos, nossa capacidade de farejar também vai diminuindo. Roithmann afirma que cerca de 2% da população abaixo dos 65 anos tem algum problema de olfato. Passando os 80, esse porcentual sobe para mais de 75%, em razão do declínio dos receptores olfatórios e cerebrais.

“Assim como a audição e a visão, ocorre um certo grau de perda do olfato com o passar dos anos. Isso é variável entre as pessoas e dependerá da predisposição genética. Não existem, contudo, aparelhos específicos para a melhora do olfato, como há aparelhos de audição e óculos”, diz o otorrino.

3) O cheiro da emoção

Ligado ao sistema límbico, o olfato é o único dos cinco sentidos que tem conexão direta com essa parte do cérebro responsável por gerenciar nossas emoções. Como as nossas memórias dependem das emoções, a relação é inevitável.
“Coisas muito objetivas, racionais, a gente compreende, mas não lembra. As emocionais podemos não compreender, mas lembramos”, diz Orpheu Cairolli, mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e doutorando de neurociência aplicada à perfumaria.
Essa ligação explica por que, muitas vezes, lembramos de situações ou pessoas depois de uma simples fungada – ou fazemos associações ainda mais complexas.

“Uma vez fizemos uma experiência com um perfume de uma marca famosa no qual a flor de base era lírio. Uma das pessoas fez um relato assustador dizendo: “Para mim, tem cheiro de morte””, comenta Cairolli.

Atualmente, ele conduz pesquisas que avaliam a alteração dos batimentos cardíacos como resposta aos estímulos olfativos e a relação que os cheiros provocam: relaxamento ou excitação.

4) Irmão do paladar

Todo mundo já passou por aqueles dias em que o nariz está tão entupido que a comida chega a perder a graça. Isso acontece porque o olfato e o paladar são sentidos “irmãos” por assim dizer: um complementa o outro. A ferramenta que faz a mágica acontecer são os receptores de cada sentido, que atuam em conjunto.
“Por conta disso, você poderia pensar que a maior parte dos sabores depende do olfato”, diz Cairolli, que também é professor das faculdades Oswaldo Cruz e Santa Marcelina, ambas de São Paulo.

O especialista lembra que nosso paladar só está apto a identificar cinco sabores: doce, salgado, amargo, azedo e umami (gosto salgado associado ao glutamato monossódico, percebido em alimentos como queijo parmesão, cogumelos, peixes e carnes). Logo, todas as demais respostas que temos são provenientes do nariz.

“Testem em casa: fechem o nariz e coloquem uma pitada de canela na ponta da língua para ver o que sentem. Não terá gosto nenhum”, sugere.

5) A relação com doenças neurológicas

De acordo com o pesquisador do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul Lucas Schilling, neurologista do Hospital São Lucas da PUCRS, trabalhos recentes mostram que, antes de problemas como Alzheimer e Parkinson se manifestarem, os pacientes já apresentavam alterações olfativas.
“São doenças causadas por proteínas tóxicas que comprometeriam o bulbo olfatório, região onde chegam as vias olfatórias”, justifica Schilling.
Em seu trabalho de mestrado, a farmacêutica e perfumista Letícia Wehrmann avaliou o olfato de um grupo com diagnóstico de Alzheimer, de outro que tinha comprometimento cognitivo leve e, por fim, de indivíduos sem problemas de memória. Com ajuda de Schilling e de uma neuropsicóloga, ela evidenciou alguns aspectos importantes:
Foi conseguido associar pacientes com Alzheimer à anosmia (perda total do olfato) e pessoas com comprometimento cognitivo leve com hiposmia (perda menos significativa do sentido).
a perda do olfato pode ser um indicativo precoce, pois ele tende a decair entre 10 e 15 anos antes dos primeiros sintomas de Alzheimer surgirem.Foto: Bigstock.
a perda do olfato pode ser um indicativo precoce, pois ele tende a decair entre 10 e 15 anos antes dos primeiros sintomas de Alzheimer surgirem.Foto: Bigstock.
Para chegar aos resultados, ela utilizou canetas específicas para testes de olfato. O experimento foi dividido em três fases: uma em que o limiar do sentido é testado, outro que buscou diferenciar aromas e o último que relacionava um cheiro a um determinado item.
“Essa última foi a avaliação que ficou mais afetada em função da perda de memória”, diz Letícia.

A associação facilita o diagnóstico da doença. Segundo a pesquisadora, a perda do olfato pode ser um indicativo precoce, pois ele tende a decair entre 10 e 15 anos antes dos primeiros sintomas de Alzheimer surgirem.

6) Diferenças culturais

Preferências por determinados aromas podem mudar conforme o país. “No Brasil, a lavanda é associada com limpeza, pois muitos sabonetes antigos a utilizavam. Também tem um aspecto mais feminino por aqui. Na Europa, ela é totalmente masculina”, conta Letícia Wehrmann.
“Outro exemplo: aqui, é difícil alguém gostar do pinho, pois associamos com produto de limpeza. Na Europa, eles usam até na perfumaria”, diz ela.

7) Aroma da paixão

Esqueça os aplicativos de relacionamento ou a compatibilidade dos signos para encontrar o par perfeito. De acordo com um estudo realizado na Suíça, para determinar o match ideal é preciso ver a pessoa – ou melhor, cheirá-la.
Conduzido pelo biólogo Claus Wedekind, que é professor da University of Lausanne e pesquisa questões como evolução humana e seleção natural e sexual, o famoso “T-shirt experiment”, divulgado na década de 1990, disse que a escolha dos parceiros poderia considerar os genes imunológicos de cada pessoa, característica que era percebida através dos odores corporais.
Para demonstrar sua teoria, o time fez o seguinte experimento: coletou o DNA de 49 mulheres e de 44 homens para análise dos genes. À ala masculina foi dada a orientação de vestir uma camiseta por duas noites consecutivas.
Eles também deveriam evitar produtos de higiene e ambientes com muito cheiro para manter o aroma da roupa neutro. Às mulheres, foi dada a única recomendação de utilizar spray nasal para evitar infecções no órgão, o que poderia comprometer o teste.
Depois, seis peças de roupa usadas pelos homens foram passadas para as mulheres cheirarem e avaliarem os seguintes quesitos: intensidade, prazer e sensualidade.

Os resultados mostraram que mulheres que não tomavam contraceptivos (ou seja, que talvez estivessem dispostas a engravidar) preferiram as roupas de homens com genes diferentes dos seus. Em termos de evolução, a combinação de genes diferentes garantiria uma vantagem imunológica maior.

8) Vivendo do nariz

“Cheire a vida e vá interpretando (os aromas) com calma”, recomenda a farmacêutica Letícia Peres Oliveira, gerente de pesquisa e desenvolvimento da marca de cosméticos QOD.
Com nove anos de trabalho na área, ela diz que foram necessários cursos e muito treinamento para que hoje ela consiga identificar notas sutis em amaciantes de roupas, por exemplo. Na empresa, cuida da formulação de produtos e de como as fragrâncias se comportam.
Na prática, a missão de Letícia é conceber um produto desde que ele é apenas uma ideia. Ela participa de reuniões com a diretoria e o marketing da empresa para debater a “cara” que a novidade vai ter.
Com base nessas informações, cria o perfil do produto e o envia para o fornecedor de fragrâncias. Deles é que vêm as sugestões de cheiros. Letícia testa todos eles nas bases dos produtos para ver como se comportam, verifica suas quantidades exatas e, em seguida, as amostras são testadas por toda a equipe para avaliação das fragrâncias.
“Na hora de avaliá-las, não consideramos a opinião de uma única pessoa, porque isso envolve gostos e memórias olfativas”, diz ela. Após muita discussão, o time bate o martelo e, enfim, o cosmético entra na linha de produção.

9) Sentido desligado

Tamara Caspary, 72 anos, vê-se obrigada a pedir ajuda para uma empregada quando suspeita que alguma comida da geladeira possa estar estragada. Com sinusite crônica e pólipos no nariz, a aposentada não sente odores.
“O clima de Porto Alegre não ajuda muito. Quando viajo para lugares secos, o olfato volta”, relata.
Para se adaptar a Porto Alegre, ela maneira no perfume – ou pede a opinião de alguém próximo para não cair no exagero – e não arreda o pé da cozinha enquanto prepara algo: “Você tem de introduzir mudanças na vida. Não deixo panela no fogo porque pode queimar e eu não sentir o cheiro”, diz.

10) Como treinar seu olfato

O sentido pode ser aguçado de 30% a 50%. O treinamento deve ser diário, estendendo-se de de três meses a um ano, diz o otorrinolaringologista Renato Roithmann.
Orpheu Cairolli sugere um treino simples e prazeroso, feito em casa mesmo: “A maneira mais agradável, por exemplo, é prestar atenção no cheiro dos alimentos como café, frutas, temperos, condimentos. Depois, preste atenção nos produtos de limpeza, nos produtos de higiene pessoal, no seus próprios perfumes e maquiagens”, diz ele.

Mas nem só de aromas agradáveis deve ser o treinamento. Cairolli recomenda observar cheiros ruins, que ajudam a desenvolver a capacidade de identificar vazamentos de gás e esgotos ou alimentos queimando. Na rua, vale conhecer desde o asfalto até a grama molhada.

Cuidar do olfato é fundamental para preservá-lo. Para isso, a recomendação básica é manter bons hábitos alimentares e de atividades físicas. Fora isso, evitar a exposição prolongada a odores tóxicos, como a fumaça do cigarro. Fugir do uso excessivo de descongestionantes nasais também é uma boa dica. Em vez desses produtos, use soro fisiológico para hidratar o nariz.
Alteração no hálito pode indicar problemas de saúde, como diabetes descompensado (Foto: Bigstock)
Alteração no hálito pode indicar problemas de saúde, como diabetes descompensado (Foto: Bigstock)

Nós também produzimos odores

Hálito – Também chamado de halitose, o popular mau hálito afeta cerca de 50 milhões de brasileiros, conforme dados da Associação Brasileira de Halitose (ABHA). Embora não seja uma doença, pode ser o indicativo de que algo não vai bem – diabetes, problemas renais ou hepáticos e até mesmo constipação. Hábitos de alimentação inadequados (como longos períodos sem comer), falta de higiene e pouca produção de saliva costumam ser a causa. Para resolver, recomenda-se uso de fio dental, raspador de língua e, claro, creme dental.
Suor – O suor não tem cheiro, mas a umidade que provoca pode favorecer a colonização de bactérias ou fungos da pele – que proliferam e emitem gases odoríferos, explica a dermatologista Sylvia Ypiranga, Assessora do Departamento de Cosmiatria da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). A solução é utilizar substâncias antitranspirantes ou mesmo a aplicação de toxina botulínica por um médico. Também podem ser prescritos antibióticos.
Gases – Nome formal para os populares puns, os gases são um produto da fermentação dos alimentos, que ocorre no intestino grosso. Essa fermentação é feita por bactérias aeróbicas, que precisam de oxigênio e produzem gás carbônico, e por bactérias anaeróbicas, que produzem metano, explica Ronaldo Salles, membro titular e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Coloproctologia. Fora isso, a fermentação de certos alimentos resulta em substâncias malcheirosas que se unem aos gases inodoros (nitrogênio, gás carbônico, oxigênio, hidrogênio e metano). Por exemplo: a fermentação de proteína gera enxofre e sulfetos de hidrogênio e carbono, e a gordura gera ácidos graxos, por isso, carnes e ovos causam os gases mais malcheirosos.
Genitais – Algumas bactérias locais produzem odor em geral. Secreções também podem ter algum tipo de cheiro. No entanto, alerta o médico ginecologista Valentino Magno, é preciso desconfiar quando o odor estiver diferente do habitual, exagerado ou acompanhado de coceira. Nesses casos, a recomendação é procurar um médico.
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