Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

“É tetra!”: perfil no Instagram relata com bom humor desafios de um tetraplégico

Amanda Milléo
14/03/2019 11:00
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O perfil criado no Instagram ajudará na divulgação da tetraplegia e para angariar recursos financeiros para o tratamento (Foto: Camilla Tavares / arquivo pessoal)

É tetra!”, dizia Camilla Quesada Tavares, de 29 anos, e Abrahão Ítalo Moraes Silva, 32, sempre que algo dava certo na vida. Desde junho do ano passado, porém, o jargão futebolístico carrega um significado muito maior na vida do casal, do que a conquista brasileira na Copa do Mundo de 1994.

Em um acidente de carro no centro de Ponta Grossa (PR), Ítalo (como o jovem é mais conhecido pelos amigos) teve a quinta vértebra da região cervical fraturada, o que o levou a duas cirurgias, 30 dias em coma, e o diagnóstico de que estava tetraplégico.

Desde o acidente, Ítalo passou por uma traqueostomia, passou 30 dias sedado, sofreu com pneumonia, edema pulmonar, insuficiência renal aguda, duas sessões de hemodiálise e sobreviveu a duas paradas cardiorrespiratórias. Ao lado dele, a esposa Camilla (Foto: Camilla Tavares / arquivo pessoal)
Desde o acidente, Ítalo passou por uma traqueostomia, passou 30 dias sedado, sofreu com pneumonia, edema pulmonar, insuficiência renal aguda, duas sessões de hemodiálise e sobreviveu a duas paradas cardiorrespiratórias. Ao lado dele, a esposa Camilla (Foto: Camilla Tavares / arquivo pessoal)
O termo “tetraplégico” assusta principalmente porque a primeira imagem que vem à mente é de alguém acamado e impossibilitado de fazer qualquer movimento, ou dependente. Isso, no entanto, não reflete a realidade, conforme explica Tavares, jornalista e professora universitária, que desde o acidente buscou todas as informações possíveis sobre a condição.
“Nas lesões medulares, cada lesão é uma. E não tem como saber, nem os médicos, nem ninguém, o quanto foi afetado de início. Nas lesões completas, o paciente não tem sensibilidade e nem movimento abaixo da lesão. Nos pacientes com lesões incompletas, que é o caso do Ítalo, há aqueles que andam e quase nem parecem que sofreram alguma coisa. Tudo depende de onde a lesão acometeu a medula”, relata a jornalista.
Depois das muitas sessões de terapia, Ítalo consegue escrever com a ajuda de dispositivos (Foto: Camilla Tavares / arquivo pessoal)
Depois das muitas sessões de terapia, Ítalo consegue escrever com a ajuda de dispositivos (Foto: Camilla Tavares / arquivo pessoal)
O Ítalo, hoje, não caminha, mas consegue ficar em pé. Ele também se alimenta e escreve sozinho, com auxílio de órteses e outros equipamentos adaptados, mexe no celular e consegue se locomover por meio de cadeiras de rodas mais leves. Essa evolução foi possível graças às terapias (fisioterapia, terapia ocupacional) que o jovem tem feito nos últimos seis meses, todos os dias (seja na clínica, cinco vezes por semana, ou em casa).
Conforme lembra Tavares, os médicos só conseguirão ter um diagnóstico mais fechado daquilo que foi acometido (e das perspectivas de futuro) a partir do segundo ano da lesão. Nesse meio tempo, todos os procedimentos, terapias e fisioterapias que o paciente puder fazer são bem-vindos para acelerar a reabilitação. Tudo isso, porém, exige investimento — nem sempre coberto pelo plano de saúde — e dessa necessidade surgiu a ideia de aproveitar o alcance das redes sociais.

É tetra!

Diante da necessidade em buscar recursos financeiros, e de diminuir o estigma da tetraplegia, Camilla e Ítalo decidiram explicar ao mundo como a vida deles mudou a partir de um perfil no Instagram. E, na hora de escolher o nome, a ironia falou mais alto: “É tetra!”. 
“Eu fiquei muito receoso de fazer [o perfil] pela exposição mesmo. Mas conversei bastante com a Camilla, ela foi me mostrando a importância que o Instagram teria. A ideia era levar ao público como é a lesão medular e como ela atinge a pessoa. E a vaquinha [o casal também criou uma vaquinha online para arrecadar fundos para os tratamentos] vai possibilitar que eu continue fazendo o tratamento, para me recuperar o máximo possível”, relata Ítalo, que é bacharel em Direito e jornalista.
Desde setembro de 2018, Ítalo tem sessões de fisioterapia diariamente, que possibilitaram a ele ficar em pé e readquirir alguns movimentos (Foto: Camilla Tavares / arquivo pessoal)
Desde setembro de 2018, Ítalo tem sessões de fisioterapia diariamente, que possibilitaram a ele ficar em pé e readquirir alguns movimentos (Foto: Camilla Tavares / arquivo pessoal)
Sem ar de superação, Camilla completa que o jargão ajudaria a deixar os relatos do casal — muitos bastante sérios — mais leves. “Só queríamos que as pessoas vissem que não é o fim do mundo e que não precisa ficar com dó. Não é esse o foco. A realidade não precisa ser tão pesada quanto a palavra transmite”, diz. 
O abalo emocional, segundo Ítalo, acompanha o jovem todos os dias. Embora no começo não quisesse se autointitular como tetraplégico, hoje ele sabe que o lado psicológico precisa ser exercitado e reabilitado diariamente, tanto quanto o físico.

“Eu não sei dizer se em algum momento você chega a aceitar. É um trabalho diário. Tem momentos que você fica mais para baixo, se questiona e tem momentos mais tranquilos. Eu acho que pela gravidade de tudo, eu tenho conseguido lidar bem. Antes da lesão, eu costumava falar para a Camilla, para os meus amigos, que não conseguiria viver em uma cadeira de rodas. Sempre fui uma pessoa muito ativa, gostava de sair, caminhar e me ver assim, de repente, é complicado”, relata Ítalo. 

Mas o apoio que os amigos, familiares e mesmo desconhecidos demonstraram através do perfil “É tetra!” aliviou a batalha do casal. No perfil do Instagram há mais de mil seguidores e, desde o primeiro dia em que a vaquinha online foi ao ar, no dia 10 de março, eles já arrecadaram R$ 18 mil. A meta é atingir R$ 78 mil até maio desse ano.
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