Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Startup de Israel diz ter a cura do câncer; médicos questionam falta de dados

Amanda Milléo
01/02/2019 19:16
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Pesquisadores de Israel alegam terem encontrado a cura definitiva para o câncer; médicos contestam (Foto: Bigstock)

Uma equipe de cientistas de Israel surpreendeu a comunidade médica ao anunciar ter encontrado a primeira e definitiva cura do câncer. O anúncio foi feito próximo à data de conscientização da doença, o Dia Mundial do Câncer, que se comemora no dia 4 de fevereiro.
Em entrevista ao jornal The Jerusalem Post no fim de janeiro, os pesquisadores – que fazem parte da startup Accelerated Evolution Biotechnologies (AEBI) – estimaram que a nova abordagem estaria disponível em um período máximo de um ano para ser testada em humanos e que traria nenhum, ou poucos, efeitos colaterais aos pacientes.
Além disso, o tratamento duraria poucas semanas, custaria menos que a maioria das abordagens disponíveis atualmente e poderia ser direcionado tanto de forma abrangente (para vários pacientes com diferentes tipos de câncer) quanto com aplicação personalizada.
Tão logo a entrevista de Ilan Morad, CEO da startup, e Dan Aridor, dono da companhia, foi ao ar, a comunidade médica – especialmente aquelas ligadas ao combate ao câncer –
se manifestou, alertando para alguns pontos que os pesquisadores israelenses deixaram de explicar:

Não há nenhum dado divulgado na literatura médica

Leonard Lichtenfeld, vice-diretor médico da Sociedade norte-americana de Câncer, publicou, em um blog dentro do site da entidade médica, que dentre os pontos que devem ser levados em consideração está o fato de que: “essa notícia [da cura do câncer] está baseada em informações limitadas dadas pelos pesquisadores e pela empresa que desenvolve a tecnologia. Aparentemente, o estudo não foi publicado na literatura científica, onde seria submetido à revisão, apoio ou críticas dos pares.”
Os próprios desenvolvedores israelenses alegaram, na entrevista ao jornal local, que não tinham publicado nenhuma informação adicional porque não tinham condições financeiras para a divulgação. Isso, porém, também está sendo contestado pelos médicos:

“Hoje há várias maneiras de divulgar os dados e deixá-los disponíveis à comunidade médica, algumas gratuitamente”, explica Kenneth Gollob, médico imunologista e diretor do grupo de pesquisa em Imuno-Oncologia do A.C. Camargo Câncer Center, de São Paulo. 

Resultados apenas em camundongos e células humanas em laboratório

Ainda é cedo para saber se a descoberta realmente irá mudar o rumo dos tratamentos. Foto: Bigstock
Ainda é cedo para saber se a descoberta realmente irá mudar o rumo dos tratamentos. Foto: Bigstock
Existem centenas de estudos clínicos em diferentes áreas da medicina, mas principalmente na área da oncologia, que chegam à etapa de análise de substâncias e tratamentos em camundongos ou células humanas em laboratórios, mas que não avançam. E esse pode ser apenas mais um exemplo.
De acordo com Kenneth Gollob, médico imunologista, os novos medicamentos ou tratamentos podem não avançar tanto pela diferença na toxicidade quanto pela mudança de eficácia entre os animais/células humanas e pacientes reais.
“No animal, a substância pode ter uma toxicidade pequena, mas no humano pode ser maior. O metabolismo humano é muito diferente do camundongo também, e isso pode gerar uma diferença na eficácia do remédio. Outra questão que pode atrapalhar o avanço é o ambiente biológico do ser humano: às vezes funciona na doença do camundongo, mas não quando chega à doença em humanos”, explica o imunologista.

Pode ser que funcione? Sim

Na dúvida do “e se”, cabe também um olhar positivo sobre o estudo. “Pode ser que isso vire uma coisa espetacular, então não se pode dizer nem sim, vai curar, ou não, não vai curar. Não tem nenhuma maneira de julgar, porque não há informações a respeito”, reforça Kenneth Gollob, médico imunologista.
Do pouco que os pesquisadores israelenses divulgaram sobre a “cura do câncer”, eles alegam que desenvolveram uma espécie de “antibiótico”, baseado na tecnologia SoAP, que faz parte do grupo de tecnologias chamadas de Phase Display, ou exibição de fagos, em tradução livre.
Gollob explica que as tecnologias de “exibição de fagos” não são novas e há várias pesquisas que trabalham com essa abordagem contra o câncer. Há dois tipos delas, as que usam os anticorpos – onde há milhões de combinações de anticorpos que podem se ligar ao alvo de escolha –, e as que geram peptídeos que também se conectam aos alvos, e esse é o tipo usado pelos israelenses. O tratamento tem sido chamado de MuTaTo (multi-target toxin, ou uma toxina multi-alvo).
“O conceito não é novo, mas pode ser que eles tenham adaptado um sistema, modificando-o, algo que os demais médicos não conseguiram fazer ainda. O grande problema é a falta de transparência dos dados. Mas o que todos os estudiosos no mundo estão falando é que tudo ainda é muito incipiente, não podemos colocar um julgamento sobre o possível benefício da pesquisa”, reforça Gollob, imunologista.
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