Saúde e Bem-Estar

Anna Sens, especial para a Gazeta do Povo

Injeção para controlar diabete tem sido usada para emagrecer

Anna Sens, especial para a Gazeta do Povo
29/05/2019 16:40
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A substância foi desenvolvida para o tratamento de pacientes diabéticos, pois é um análogo ao hormônio e melhora a doença crônica. Foto: Bigstock.

Quando o médico nutrólogo da administradora V.S., 38, indicou que um remédio à base de liraglutida em seu tratamento para emagrecer, ela ficou receosa.
É que liraglutida é um composto ativo utilizado para o tratamento de diabetes tipo 2, aplicado em injeções diárias pela manhã. Sua função no organismo é imitar o hormônio GLP-1, liberado pelo intestino após a ingestão de alimentos.
De acordo com o professor de endocrinologia da Universidade Federal do Paraná, Henrique Suplicy, o GLP-1 possui as funções de baixar a glicose (mas não a altera quando ela está normal); e reduzir as sensações de fome e saciedade.
O efeito do hormônio dura dois minutos. Quando ingerida, a liraglutida cumpre essas funções no lugar do GLP-1, mas com efeito mais duradouro, de um dia.

“É uma substância que inicialmente foi desenvolvida no tratamento de pacientes diabéticos, pois é um análogo ao hormônio e melhora a doença. Acontece que depois de um certo tempo de estudos e pesquisa, mostrou-se que a liraglutida também favorece a redução de peso corporal”, explica o endocrinologista, vinculado à Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Partindo desse princípio, pesquisadores passaram a aumentar a dose do remédio até encontrar a ideal para o tratamento de obesidade. “Para diabetes, entende-se que é até 1.8 miligramas. Para tratar a obesidade, a dose mais efetiva é de 3 miligramas”, diz. 
Suplicy participou desses testes com a liraglutida: foram cerca de 5 mil pessoas não diabéticas tomando o princípio ativo por um período de 3 anos. De acordo com o médico, não houve complicações. “Uma dúvida que as pessoas têm é se vão desenvolver diabetes ao usar liraglutida, mas isso não vai acontecer. Também não baixa a glicose. Testamos e ninguém teve hipoglicemia”, ele explica.
Como efeito colateral, o endocrinologista cita a náusea, devido a sensação contínua de saciedade. Ele também atenta à necessidade de um acompanhamento profissional ao ingerir qualquer medicação.

V.S. injetou o remédio por 6 meses e obteve resultado: aliado à uma dieta de 900 calorias, foi de 87 para 70 quilos e não teve nenhuma reação adversa. Depois deste período, parou de injetar a liraglutida, mas não retornou ao peso inicial.  

Indicação 
No Brasil, o medicamento tem três nomes comerciais, todos produzidos pelo laboratório Novo Nordisk: Victoza (1.8 mg), Saxenda (3 mg) e Xultophy (este é liraglutida + insulina degludeca, sendo, portanto, diferente).
Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), apenas o Saxenda é diretamente indicado para tratar casos de obesidade. Ainda assim, o tratamento sempre começa em uma dose mais baixa, portanto o paciente não terá problemas se utilizar menos que 3 miligramas.
Na bula do Saxenda consta que as indicações para perda de peso são apenas em casos de obesidade (com IMC acima de 30); ou de sobrepeso (IMC acima de 27, mas neste caso só quando este é aliado à problemas de saúde relacionados ao peso, como hipertensão, diabetes, depressão e outras doenças).
Ainda é indicado que a liraglutida só seja inserida na vida do paciente se uma dieta hipocalórica e aumento de exercícios físicos não forem suficientes para a diminuição de peso. “As pessoas procuram dieta, remédio e cirurgia mágicos, mas isso não existe”, diz o presidente da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia), Durval Ribas Filho. 

Ele complementa: “O tratamento da obesidade está sempre inserido dentro de uma pirâmide. Tem uma base, que é a mudança de estilo de vida, com nutroterapia e atividades físicas. Se não há alteração, exige mudanças cognitivas e comportamentais, obtidas com terapia. Só depois entra a farmacoterapia, com remédios. Se ainda não for resolvido, indica-se a cirurgia bariátrica e/ou metabólica”.

O nutrólogo explica que a obesidade é uma doença crônica, e exige um tratamento contínuo, sempre com acompanhamento médico. Sobre a liraglutida, Durval Ribas Filho ainda afirma que “se a pessoa não é diabética ou obesa, não deve tomar de jeito nenhum”.
Em nota, a Abran reforça que “procurar um atalho para perder peso, sem os cuidados necessários, e, principalmente, sem o acompanhamento de um profissional, não é um bom caminho”, seja por meio de medicamentos ou dietas ‘milagrosas’.
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