Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Psicose depois da maconha: os reais efeitos da substância no organismo

Amanda Milléo
30/11/2019 08:00
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Quadros de psicose, esquizofrenia, ansiedade e depressão podem acometer pessoas que fazem uso da maconha Foto: Bigstock.

Ao contrário do que possa parecer pela representação da maconha em filmes e séries, a planta não gera sempre uma sensação de calma e apatia entre os usuários.
Há relatos, conforme os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, de pessoas que desenvolvem sintomas importantes depois do consumo da maconha. Como, por exemplo:
  • Ansiedade;
  • Depressão;
  • Pânico;
  • Medo;
  • Problemas de memória e aprendizado;
  • Quadros psicóticos;
  • Desenvolvimento de esquizofrenia.
  • Coordenação motora afetada;
  • Alteração na capacidade de julgamento;
  • Efeitos paranoicos;
  • Dependência, entre usuários frequentes;
  • Uso precoce, por crianças ou adolescentes, gera alteração no desenvolvimento cerebral;
  • Problemas respiratórios.
Muitos desses quadros aparecem após o uso contínuo da planta e em altas doses, conforme explica a psicóloga Flavia Serebrenic, mestre e doutora em Dependência Química. Dependem ainda de uma predisposição do usuário, especialmente no caso da psicose e esquizofrenia.
“Depende da quantidade [fumada ou ingerida], frequência [de uso], composição da droga (quanto maior a porcentagem de THC, maiores os riscos) e das características de cada pessoa. Outra variável é a idade de início do uso. Estudos mostram que quanto mais cedo a pessoa começar, maiores os prejuízos”, explica a psicóloga, que também é pesquisadora do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria, do hospital das Clínicas da USP, em São Paulo. 

Efeitos colaterais 

Nem todo mundo que fizer uso da maconha desenvolverá todos os efeitos listados acima, mas o risco de que eles apareçam aumenta. Conforme explica o médico psiquiatra Ricardo Assmé, especialista em Dependência Química, os malefícios da maconha para a saúde humana estão mais documentados que os benefícios.
Assmé cita um dos estudos clássicos sobre o tema, divulgado em 1987 pela revista científica Lancet. Ao acompanhar 50 mil pessoas, durante 15 anos, os pesquisadores na Suécia perceberam que pessoas que começavam a fumar maconha precocemente tinham um risco 3,7 vezes maior de receber o diagnóstico de esquizofrenia mais tarde na vida.

“Conforme a frequência e a quantidade de THC [um dos princípios ativos da planta] presente na maconha, você vai aumentando as chances [de efeitos colaterais]. Há outros sete estudos, feitos na Austrália, Inglaterra, Alemanha, Nova Zelândia, que alertam para até 11 vezes mais chance [de desenvolver esquizofrenia após o consumo da maconha]”, reforça o psiquiatra, que também é diretor secretário da Associação Paranaense de Psiquiatria.

Pessoas com casos de esquizofrenia na família devem ficar mais alertas, pois o risco aumenta caso haja uma predisposição genética. O problema é que nem sempre há um histórico familiar que indique a predisposição, e o usuário da droga fica à mercê da sorte. “Mesmo sem casos na família [de esquizofrenia], ela pode desenvolver até episódios agudo de psicose”, completa o psiquiatra. 

“Nossa preocupação é que projetos de legalização da maconha diminuem a percepção de risco, e aumentam o consumo. Isso notamos em vários locais do mundo. Por exemplo, no estado do Colorado [Estados Unidos]. Depois da legalização, a população passou de 4.7 para 10.8 fumantes com 12 anos ou mais”, diz. 

Ansiedade e depressão

Os principais problemas de saúde relacionados ao uso da maconha acometem o sistema nervoso central, com o aumento no risco de doenças como esquizofrenia, ansiedade e depressão. Isso não significa que sejam os únicos.
“Tem problema respiratório também, porque a maconha tem muito alcatrão, que favorece quadros de rinite alérgica, asma, chance de alergia. Além disso, interfere na gestação, reduzindo o crescimento fetal, na formação do esôfago e estômago da criança. Entre os jovens, trazem prejuízos de execução, afetando a atenção, memória recente. Tudo isso é bastante conhecido”, explica o psiquiatra Ricardo Assmé.
Entre os jovens usuários, há especialistas que defendem o surgimento da síndrome amotivacional. Com o uso frequente, esses adolescentes tendem a desenvolver sintomas de apatia e conformismo, que prejudicam a capacidade de organização do pensamento, de planejamento, de tomada de decisão.

“Isso é bem clinicamente evidente. Existem também um aumento de 7,3 vezes na chance de a pessoa ter um transtorno de personalidade. A pessoa passa a se sentir um pouco paranoica, distante da realidade. [A maconha] também faz pânico, depressão, ansiedade social. Pessoas com diagnóstico de bipolaridade têm dificuldade de estabilizar o humor se fumar maconha. É tão problemática ou mais que o álcool”, explica Assmé. 

História repetida

Para Marco Antônio Bessa, médico psiquiatra e chefe do ambulatório de dependências químicas da infância e adolescência do hospital das Clínicas da UFPR, em Curitiba, o consumo da maconha se assemelha ao uso do cigarro normal – e os efeitos negativos aparecem, e continuarão a aparecer, da mesma forma. 
“Quando a pessoa compra a maconha, ela não sabe qual é a concentração de THC que existe naquela amostra. Da mesma forma que a nicotina no tabaco foi aumentada para gerar uma dependência, os produtos de maconha também aumentam a concentração do THC. Amostras de 1960 mostravam uma concentração de 2%. Aqui no Brasil, hoje, já vemos amostras com 12%. E a resina em cigarros eletrônicos pode chegar a 20% de THC”, explica o médico.
Quem acredita na inocência da maconha, segundo Bessa, não percebe o aspecto psiquiátrico da droga. “Mas mesmo os mais fãs não podem negar que a maconha tenha efeitos. A gente vive em um mundo em que as funções cognitivas são cada vez mais exigidas. Quem fuma regularmente tem prejuízo grande nessa capacidade de planejamento, do raciocínio abstrato”, completa.

Maconha ingerida

Quando misturada tal qual ingrediente em alguma receita, a planta também traz os mesmos efeitos ao organismo e, pior, tem uma duração maior.
“Se a pessoa ingere em forma de bolo, cookie, bolacha, a maconha demora mais tempo até ser absorvida. O efeito demora a aparecer, mas é mais duradouro. Do ponto de vista psiquiátrico, é mais grave, porque dura mais. Não existe consumo saudável, sem risco, da maconha”, reforça o psiquiatra.
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