Saúde e Bem-Estar

Jéssica Maes, especial para Gazeta do Povo

Aumento de casos no Paraná traz uma dúvida: quando tomar a vacina contra a febre amarela?

Jéssica Maes, especial para Gazeta do Povo
16/02/2019 07:00
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Em casos mais agudos, a febre amarela evolui rapidamente e pode ser fatal para quem não tomou a vacina. Foto: Bigstock

O boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) na última quinta-feira (14), trouxe um aumento no número de casos confirmados de febre amarela no Paraná. Ao todo, desde julho de 2018, foram confirmados quatro casos autóctones (de contaminação local) no estado: um em Antonina, no litoral, sendo que a contaminação teria acontecido em Guaraqueçaba, dois em Adrianópolis, na Região Metropolitana de Curitiba, e um sem a localização confirmada.
Os números podem parecer tímidos, mas são dignos de atenção. Desde 2015, o Paraná não apresentava qualquer caso confirmado da doença. Porém, dados os surtos que aconteceram no país entre 2016 e 2017 e entre 2017 e 2018, já era esperado que a doença chegasse ao estado. Assim, está em curso uma estratégia de intensificação da vacinação da população em todo o país para evitar que a doença se espalhe.
Desenvolvida na década de 1930, a vacina contra a febre amarela (antiamarílica) protege completamente contra a doença, faz efeito em cerca de dez dias e tem aplicação única – basta recebê-la uma vez para ficar imunizado pela vida toda.

A vacina é recomendada para todas as pessoas entre nove meses e 59 anos de idade, salvo algumas exceções: gestantes, mulheres que amamentam bebês menores de seis meses de idade e pessoas acima de 60 anos de idade precisam de prescrição médica para poderem receber a dose. A vacina é contraindicada para pessoas com sistema imunológico enfraquecido, histórico de reação alérgica grave ou doença febril aguda.

Todos os municípios paranaenses dispõe da vacina antiamarílica nas unidades de saúde, de acordo com a Sesa. A secretaria informou, ainda, que está havendo “uma resposta satisfatória na procura de vacinas por todo o estado” e que há doses suficientes para imunizar toda a população-alvo. “Não percam a oportunidade de receber a vacina. Se houver dúvidas, busque a unidade de saúde”, aconselha o superintendente interino de Vigilância em Saúde da Sesa-PR, João Luís Crivellaro. Ele ressalta que a única forma de evitar a doença e romper a cadeia de transmissão é a imunização.
Neste sábado (16) cinco unidades de saúde em Curitiba estarão abertas durante a manhã para ampliar a imunização para os moradores da cidade. São elas: Eucaliptos (Alto Boqueirão), Moradias Santa Rita (Tatuquara), Rio Bonito (Campo do Santana), Santos Andrade (Campo Comprido) e Santa Quitéria (Santa Quitéria). De segunda a sexta-feira, 110 postos de saúde ofertam a vacina na capital.
Vacinas poderão custar a metade do preço nas farmácias, se aprovada a proposta da Anvisa (Foto: Bigstock)
Vacinas poderão custar a metade do preço nas farmácias, se aprovada a proposta da Anvisa (Foto: Bigstock)
“A febre amarela tem uma taxa de letalidade de cerca de 30% e é uma doença grave – muito mais que dengue, chikungunya ou zika. Mas, diferentemente destas, a gente tem uma vacina extremamente segura e eficaz”, destaca o diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri.

Alerta para o organismo

A vacina contra a febre amarela atua “alertando” o sistema imune e fazendo com que ele produza defesas e torne o organismo imune ao vírus. Ela utiliza um vírus vivo, mas atenuado. Ao invés de causar a doença, esse exemplar menos agressivo pode ser detectado pelo sistema imunológico em uma proporção suficiente para que o corpo possa gerar uma resposta imune. “Essa resposta imune acaba protegendo você desse vírus atenuado e do parental, mais virulento”, explica a pesquisadora titular do laboratório de Virologia Molecular da Fiocruz Paraná, Claudia Nunes Duarte dos Santos.
Ao contrário de outras vacinas, como a da gripe, o vírus da febre amarela precisa estar vivo e se replicar no organismo para que o sistema imune consiga enxergá-lo e responda a tempo de maneira eficiente e duradoura. Esse intervalo entre a aplicação da dose vacinal e a construção da resposta imunológica demora cerca de dez dias – ou seja, é o período necessário para que ela “faça efeito”.

A barreira criada pelo corpo é tão resistente e até hoje o vírus sofreu tão poucas mudanças, que não é necessário tomar a vacina mais de uma vez. No Brasil, a vacina antiamarílica é fornecida pelo Bio-Manguinhos/Fiocruz, maior produtor mundial e um dos poucos laboratórios do mundo autorizados a produzi-la.

A recomendação do Ministério da Saúde é de que todos os que se encaixem no perfil recomendado procurem um posto de saúde para receberem uma dose, mas isso se torna ainda mais essencial para aqueles que planejam praticar ecoturismo, visitar o litoral ou áreas de mata. Isso porque o vírus está em seu ciclo silvestre, em que é transmitido pelos mosquitos dos gêneros Haemagogus e o Sabethes, que vivem nas florestas ou à beira de rios – a febre amarela urbana foi erradicada em 1942 e é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti (o mesmo da dengue).

Macacos: vítimas da infecção e da ignorância

A transmissão da febre amarela se dá somente através dos mosquitos, que são os únicos vetores. Isso significa que primatas acometidos pela doença, humanos ou não, não podem transmiti-la. Apesar disso, macacos acabam sendo vítimas duas vezes: tanto pela infecção quanto pela ignorância. Como a febre amarela silvestre pode causar a morte dos macacos, a população muitas vezes acaba fazendo confusão e acredita que corre risco de ser infectada por eles – o que não ocorre de maneira alguma. São frequentes os casos de macacos que são mortos precisamente por causa da desinformação.
Mosquito transmissor da febre amarela. Foto: Divulgação/Fiocuz
Mosquito transmissor da febre amarela. Foto: Divulgação/Fiocuz
“A gente chama os macacos que ficam doentes de sentinelas, porque eles são os sentinelas para a doença. Na verdade, eles ficam doentes, morrem e são tão vítimas quanto a gente”, afirma a especialista. É como se eles fossem os canários levados para dentro das minas de carvão no século XIX. Especialmente vulneráveis a gases tóxicos, se essas aves morriam, serviam de alerta aos trabalhadores quanto a vazamentos potencialmente letais que são completamente invisíveis e inodoro, como o do monóxido de carbono.
São essas ocorrências da doença em macacos (epizootias) que alertam as autoridades competentes quanto à circulação do vírus. Informada por meio de campanhas educativas, os moradores de regiões de maior risco já sabem que, ao encontrar algum macaco morto, é necessário entrar em contato com o Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Cievs) local para que os agentes venham recolher o animal.

Vigilância epidemiológica

Depois que os macacos são recolhidos e devidamente processados, são testados para verificar as causas da morte. A sede paranaense da Fiocruz é referência e responsável por fazer esse tipo de diagnóstico em toda a região Sul do Brasil. Devido à preparação dos órgãos envolvidos nesse processo, nos casos de febre amarela confirmados em 2019 no leste do Paraná foi possível fazer isso de maneira rápida e eficiente (em um intervalo de quatro dias entre a notificação de dois macacos mortos ao Cievs e a publicação do diagnóstico de febre amarela).

Estudos prévios mostram que o vírus da febre amarela silvestre sempre se alastra de acordo com um mesmo padrão, seguindo o caminho das matas.

Assim, foi possível usar os dados relativos aos surtos anteriores para prever que, nessa nova etapa, o vírus chegaria às regiões Sul e Nordeste do Brasil, que não tinham sido afetadas nos últimos verões. A partir disso, foi definida uma estratégia conjunta entre órgãos como as secretarias de saúde e os laboratórios responsáveis pelo processamento e diagnóstico da doença.
“O segredo de tudo [em saúde], especialmente em epidemiologia, é ter ações conjuntas. Quando tem uma vigilância epidemiológica rápida, o desdobramento da ação é muito rápido. Porém, se houver uma falha na vigilância, é igual a um dominó: todas as peças caem e fica tarde demais para tomar algum tipo de medida. É preciso ter competência instalada, não resolver as crises à medida que elas forem surgindo”, aponta Claudia. Ao final de janeiro, quando o primeiro caso autóctone do Paraná foi confirmado, já havia uma estratégia de intensificação da vacinação em curso no estado.
Um programa de imunização populacional bem estruturado pode acabar sendo vítima do seu próprio sucesso: as doenças desaparecem, os efeitos delas não são mais vistos e há uma falsa impressão de cura eterna. “As pessoas não lembram mais o que é ficar doente porque as vacinas são tão eficientes que elas esquecem que essas doenças existem”, diz a cientista da Fiocruz Paraná.
Por isso, é importante lembrar que a imunização é um trabalho constante e tomar providências para impedir que a cobertura vacinal fique abaixo do necessário. “Há muito a ser feito, como flexibilizar horários de funcionamento de unidades de saúde, avançar na estratégia de comunicação com a população sobre a importância dessas doenças e evitar desabastecimento das doses”, enumera o diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações.
Em Curitiba, algumas unidades de saúde estão aplicando a vacina de febre amarela aos sábados. A lista completa disponível no site da prefeitura: www.curitiba.pr.gov.br.

Sintomas

A febre amarela pode causar sintomas como febre alta e súbita, associada a dor de cabeça, fraqueza, vômitos, dores musculares e nas articulações. Em casos mais severos, o infectado pode apresentar também inflamação no fígado e nos rins, sangramentos na pele e sofre risco de morte.
Doença causa dores extremas e tem sintomas bem diferentes da enxaqueca - às vezes, pode ser confundida com sinusite. Foto: Bigstock.
Doença causa dores extremas e tem sintomas bem diferentes da enxaqueca - às vezes, pode ser confundida com sinusite. Foto: Bigstock.
O superintendente interino de Vigilância em Saúde da Secretaria de Saúde do Paraná, João Luís Crivellaro, explica que é preciso evitar a automedicação porque várias doenças virais que se espalham durante o verão têm sintomas muito parecidos – como dor de cabeça, náusea e vômitos. “Caso haja febre, calafrios, cansaço, dor de cabeça por dois ou três dias, é preciso procurar o serviço de saúde porque a doença pode se agravar e causar as complicações mais graves”.
Em casos mais agudos, a febre amarela evolui rapidamente e pode ser fatal.
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