“É uma agressão ao adolescente ter que acordar muito cedo para ir à escola”, diz pediatra
Maria Miqueletto, especial para a Gazeta do Povo
21/03/2019 07:00
Acordar muito cedo agride a natureza dos adolescentes, diz especialista. Foto: Bigstock.
É de consenso geral que é preciso no mínimo oito horas de sono por dia para ter uma rotina saudável. Mas o que nem todos se atentam é que as crianças, do primeiro ano ao fim da adolescência, têm demandas ainda maiores de sono. A quantidade ideal varia de acordo com a idade.
“O sono tem uma função reparadora no organismo. Do ponto de vista do desenvolvimento ele tem relação com segmentação de memória e aprendizagem, além do que, durante as fases do sono é que ocorre uma produção maior de hormônio do crescimento”, explica Antônio Carlos Farias, médico, pesquisador do Instituto Pequeno Príncipe e professor de pediatria da Universidade Positivo.
O GH é o único hormônio sono dependente, mas é importante frisar que ele não necessita apenas das horas dormidas, mas igualmente da qualidade do sono.
Antônio reitera que “o sono é primordial, assim como a alimentação” e, por isso, deve-se ter o mesmo cuidado. Ele aponta ainda que a má qualidade de sono pode gerar problemas comportamentais na criança.
O especialista, que também é neurologista infantil no Hospital Pequeno Príncipe, afirma que não é incomum atender crianças que estão com dificuldades de aprendizagem, desatenção na escola ou mudanças de humor relacionadas aos hábitos de sono.
“Muitas crianças quando melhoram a qualidade de sono, melhoram também aspectos comportamentais e acadêmicos”, diz Antônio Carlos Farias, médico, pesquisador do Instituto Pequeno Príncipe e professor de pediatria da Universidade Positivo.
Mas então quantas horas são necessárias?
Cada pessoa tem uma necessidade de sono diferente. Na infância, a variabilidade é ainda maior, explica Gustavo Antônio Moreira, pediatra e pesquisador do Instituto do Sono da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
A criança recém nascida atinge 16 horas de sono e deve chegar ao padrão de 8 horas até os 18 anos. A quantidade de horas necessárias variada de acordo com o amadurecimento do cérebro. Quanto mais imaturo, mais horas de sono.
É normal que a criança durma muito durante o dia nos primeiros anos de vida. É só a partir dos três meses que ela começa a distinguir o dia da noite, por exemplo.
Ao longo do tempo as sonecas vão diminuindo: com um ano de idade são duas sonecas durante o dia, no fim do segundo ano de idade já tem apenas uma soneca diurna. Todas as horas de sono em um período de 24 horas entram na soma total.
A variação das horas de sono só se torna um problema quando tem consequências para a criança. “O melhor jeito de ver se a criança está dormindo bem é observar como ela está durante o dia”, indica Gustavo. O padrão da infância será seguido durante a vida toda – uma criança que dorme pouco sempre vai dormir pouco, por exemplo.
Confira as diretrizes da The American Academy of Pediatrics (AAP)
Bebê de 4 a 12 meses: 12 a 16 horas de sono
Criança pequena de 1 a 2 anos: 11 a 14 horas de sono
Idade pré-escolar, de 3 a 5 anos: 10 a 13 horas de sono
Idade escolar, de 6 a 12 anos: 9 a 12 horas de sono
Adolescência, de 13 a 18 anos: 8 a 10 horas de sono
Sono de qualidade
Não basta dormir todas as horas necessárias, é preciso ter qualidade de sono. Para isso, os pais devem cuidar do que os especialistas chamam de “higiene do sono”.
Ambiente isento de luz e barulho, sem eletrônicos por perto, colchão confortável e temperatura ideal são alguns fatores essenciais. Até aquela luz indireta que parece inofensiva pode atrapalhar a criança.
A cama deve servir exclusivamente para dormir — ela não deve ler, estudar, comer, assistir tevê ou fazer qualquer outra atividade nela.
Isso tudo porque o sono precisa ter todas as suas fases. A neurofisiologista, especialista em Medicina do Sono e pediatra da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Hospital das Clínicas (HC) Ana Chrystina de Souza Crippa explica que um recém-nascido, por exemplo, deve tem 50% de sono REM, que é o período em que se consolida a informação e há a recarga de energia.
Já um adulto, a título de comparação, tem 20% de sono REM. “É nesse momento que a pessoa troca a bateria, precisa disso para ficar atento, para raciocinar, para equilibrar o humor”, enfatiza.
Soneca às claras
Há aspectos específicos aos quais os pais devem ficar atentos. Ao dormir no período da noite, a criança precisa estar no escuro. Mas nas sonecas ao longo do dia, é bom estar em contato com a luz solar. A luz ativa a glândula pineal, que começa a produzir melatonina a partir do nono mês e modula os padrões de sono.
O pediatra Antônio Carlos Farias explica que os problemas de sono na infância estão mais relacionados aos maus hábitos da família do que a doenças. “Com uma rotina familiar inadequada – como televisão no quarto, alimentação tardia e outros — não há uma boa higiene do sono para ela [criança]”. O médico alerta que existem, sim, patologias que atingem a população infantil, mas é um padrão restrito e de pouca incidência.
As consequências dos maus hábitos de sono
Maus hábitos de sono podem alterar o comportamento das crianças e adolescentes. A especialista conta que a criança pode ficar mais agitada, irritada, não lidar bem com frustrações e chegar até a depressão crônica.
“Já vi casos que o comportamento foi confundido com outras patologias, mas a criança só estava muito agitada por falta de sono”, relembra Ana.
Entre os sinais de uma má higiene do sono estão excesso de movimento durante a noite, ronco, sudorese e despertar noturno. Se houver continuidade nos sintomas, é importante procurar um profissional para investigar. Muita sonolência durante o dia também é anormal em crianças acima dos quatro anos.
No entanto, Antônio alerta para o respeito às fases da criança. Na adolescência, quando o jovem passa por um estirão de crescimento, ele tem um aumento na demanda energética. Nesse período pode haver um descompasso entre a rotina social e a necessidade biológica do adolescente.
“No Brasil você ver um adolescente acordar 6 horas da manhã para ir para a escola é uma agressão contra ele. A natureza dele tem uma demanda maior de sono”, diz o pediatra Antônio Carlos Farias.
O ritual antes de dormir
A criança aprende um hábito para dormir. Esse ritual é importante, pois logo no primeiro ano de vida ela escolhe um “objeto de transição”, aquilo que a ajuda a dormir, e o mantêm por muito tempo.
Ana explica que o ideal é treinar a criança — fazer a higienização da boca, colocá-la no berço e deixá-la dormir sozinha. “Se você [pai e mãe] criar outro hábito, ela sempre vai querer que reproduza aquele hábito”, alerta.
A especialista indica não ter eletrônicos no quarto e não fazer exercícios ou comer alimentos energéticos (como café e comidas gordurosas) depois das 20 horas. A dica geral é não ter nenhum elemento estimulante pelo menos uma hora antes de dormir.