Saúde e Bem-Estar

Redação, colaborou Maria Isabel Miqueletto

Realidade virtual passa a ser usada no tratamento de experiências traumáticas

Redação, colaborou Maria Isabel Miqueletto
16/08/2017 08:00
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Foto: nan palmero / VisualHunt

A realidade virtual está cada vez mais presente no cinema, nos jogos digitais e, agora, na medicina. Duas universidades brasileiras introduziram a VR (virtual reality, em inglês) no tratamento de pacientes que sofrem do transtorno do estresse pós-traumático,  e os resultados são surpreendentes e animadores.
Em Curitiba, a psicóloga Nataly Martinelly utiliza a VR no tratamento de pacientes com Síndrome do Pânico, Medo de voar, medo de injeções e agulhas, medo de animais, de dirigir, falar em público, agorafobia, entre outras condições. Como o acompanhamento do nível de estresse é feito durante todas as sessões, o tratamento pode ser dinamizado, de acordo com o que cada pessoa precisa.
No tratamento tradicional deste transtorno, pela terapia cognitivo-comportamental, o paciente é estimulado a relembrar o acontecimento que gerou o estresse – seja um acidente, um assalto ou uma experiência de alguma forma traumática. Narrando o que aconteceu, o que viu e sentiu, ele consegue processar o fato de uma maneira diferente. Neste momento, mesclado aos equipamentos de realidade virtual, a pessoa tem uma imersão completa na cena, e não depende apenas da memória.
“A vantagem é que o terapeuta consegue trabalhar com maior controle o que está sendo processado pelo paciente. Conseguimos criar uma situação mais realista, onde o cérebro compra a ideia de que a experiência está acontecendo de novo”, explica Christian Kristensen, professor titular do programa de pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
Por exemplo, se a experiência traumática foi um assalto em um banco, a realidade virtual recria uma agência bancária que, geralmente, é um ambiente que tem características semelhantes. Em um determinado momento, o assalto acontece, e esse é o evento traumático estudado pelos pesquisadores da PUCRS.
A terapia normal tem resultados semelhantes, mas a realidade virtual facilita. Às vezes a pessoa não tem uma boa capacidade de imaginação, mas quando você mostra é muito mais fácil e prático”, complementa Paula Ventura, professora associada do Instituto de Psicologia e da pós-graduação do Instituto de Psiquiatia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora de um projeto que também utiliza a tecnologia no Laboratório de Trauma e Medo da universidade.
O paciente tratado pela equipe de Ventura é um motorista de ônibus. Sua situação traumática foi o atropelamento de um pedestre. Foram 16 semanas de tratamento e, ao final, ele conseguiu voltar ao trabalho. Com o sucesso deste caso e devido à problemas técnicos, a equipe optou por focar em um trauma mais comum: o medo de avião. “O programa tem agora oito semanas, em seis das quais utilizamos a realidade virtual”, afirma a professora.
Embora a realidade virtual não sirva como substituta da terapia, é um instrumento que auxilia no tratamento. Passado esse momento de exposição à realidade virtual, começa o período de reestruturação cognitiva do paciente – quando ele define como perceberá o evento traumático, ainda com receio ou como algo superado.

Os cuidados e dificuldades no tratamento

A realidade virtual consiste em uma interface que reproduz, com efeitos visuais e sonoros realistas, um cenário totalmente virtual. Ela oferece uma imersão profunda em uma cena criada por computador. Em termos práticos, o usuário vê o ambiente em 360º, através de óculos específicos, onde pode “andar” e “interagir” com os personagens.
Ventura reforça a importância do terapeuta, que deve estar preparado para a situação. “Temos que tomar muito cuidado com a apresentação dos cenários, porque podemos traumatizar a pessoa ainda mais e piorar o seu medo”. Durante todo o tratamento, é importante a pessoa sentir que está no controle da situação.
A ideia de que não falar sobre o assunto é o melhor remédio está equivocada. Para Ventura, essa é uma das dificuldades no tratamento dos pacientes. “Evitar falar do assunto e ter contato com as memória faz com que a situação se mantenha. Através da imaginação ou da realidade virtual o acontecimento se repete até que o indivíduo consiga falar das cenas de jeito apenas desagradável, mas não traumático”, reforça.
Conseguir tirar licença do trabalho é outro aspecto complicado do transtorno. “A pessoa não consegue trabalhar, mas, como não tem nenhum machucado físico, fica difícil conseguir a licença, mesmo estando incapacitado para a função”, pontua Ventura.
Prática é comum em outros países
Nos Estados Unidos, a incorporação da tecnologia em casos de trauma já é comum, em especial no tratamento de veteranos de guerra e vítimas do atentado no World Trade Center, além de casos de pacientes com medo de aranha e altura. “Existe um ‘Iraque e Afeganistão virtuais’ que conta até com o cheiro da fumaça para ajudar a despertar as memórias dos pacientes”, enfatiza Ventura.
A introdução da tecnologia em tratamentos médicos no Brasil ainda está em fase inicial, mas Ventura acredita que a tendência é a prática se popularizar cada vez mais. “Nós vemos que, apesar de tudo, todos têm celular e Internet. Com o desenvolvimento de aplicativos para os smartphones, o uso vai aumentando. Acho que o futuro vai ser esse, estamos investindo muito nessa ideia”.
“Se conseguirmos melhorar as técnicas de exposição, como a realidade virtual, e se ela se tornar mais comum, imaginamos que não haveria outra possibilidade além de difundir seu uso”, reforça Kristensen. “O ciclo natural é baratear a tecnologia e tornar isso comum”. Para o psicólogo, o próximo passo é criar um ambiente que recrie a violência interpessoal e urbana, como assaltos que ocorrem na rua.
Como identificar o transtorno
O transtorno se caracteriza pela ocorrência de um evento traumático que produz um conjunto de sinais e sintomas, como pesadelos, dificuldade para sentir prazer e se concentrar, culpa pelo acontecimento, insônia, hipervigilância, além de alterações no pensamento, no humor e na vida social. Outra característica é a repulsa por pessoas, lugares e coisas relacionadas ao trauma.
Se os sintomas se mantiverem por mais de um mês e provocarem sofrimento, o indicado é procurar tratamento médico.

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