Saúde e Bem-Estar

Carolina Kirchner Furquim, especial para a Gazeta do Povo

Refrigerante causa dependência química e psicológica e afeta o fígado

Carolina Kirchner Furquim, especial para a Gazeta do Povo
29/06/2018 12:00
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Pesquisa comprovou que consumo excessivo da bebida pode levar ao vício. Foto: Ashley Kirk/Unsplash.

Há alguns anos, a jovem inglesa Zoe Cross, então com 18 anos, foi hospitalizada por estar com o organismo debilitado em função do alto consumo de Coca-Cola. Sua ingestão diária era de cerca de 8,4 litros (o equivalente a 24 latas). Com o organismo enfraquecido, ela teve uma infecção agravada e ouviu dos médicos que, em pouco tempo, seu fígado – um órgão de altíssima resistência – pararia de funcionar. Essa é apenas uma entre uma infinidade de pessoas que desafiaram a saúde física e mental em nome do vício no refrigerante.
Quando o desejo por uma Coca-Cola ultrapassa o simples prazer ou uma alternativa para matar a sede e passa a ser uma necessidade, é importante acender o alerta. Com o vício instalado, o consumo fica difícil de ser controlado. “A Coca-Cola é, sim, capaz de causar dependência química e psicológica. A cafeína atinge o sistema nervoso, deixando a pessoa mais agitada, enquanto o açúcar desencadeia um efeito energético. Com o tempo, toda essa energia é gasta e o que fica é uma certa indisposição, que passa a exigir um novo estímulo”, explica Telma Gebara, nutricionista, professora do curso de Nutrição da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), especialista em nutrição clínica e mestre em psicologia.
O consumo exagerado tem uma série de repercussões na saúde. O elevado teor de açúcar no organismo pode comprometer o esmalte dos dentes, levando a alterações de cor e textura, além de desgastes e erosões. Obesidade e doenças crônicas, como o diabetes, também podem derivar do consumo sem cautela.

Vício comprovado

Uma pesquisa realizada pela Universidade de Ioannina, na Grécia, analisou pacientes que ingeriam de dois a nove litros de Coca-Cola por dia, e os resultados sugeriram que o consumo excessivo da bebida pode levar a um quadro de baixa concentração de potássio no sangue, chamado hipocalemia.
Segundo os pesquisadores, isso pode ocasionar, entre outros problemas, fraqueza muscular em diferentes graus (até mesmo paralisia). Os vilões seriam três componentes do refrigerante: glicose, frutose e cafeína.
Uma das pesquisadas, que bebia até três litros por dia, relatou fadiga, vômitos frequentes e perda de apetite. Os exames apontaram, ainda, um bloqueio no coração – a hipocalemia crônica pode levar a alterações nos batimentos cardíacos. Todos os avaliados apresentaram uma recuperação rápida após eliminar o consumo da bebida e passar pelo tratamento indicado.
E há, sim, uma relação de dependência em muitos casos: como qualquer outro vício, pode causar compulsão, negação e até mesmo vergonha de admiti-lo. Não é difícil encontrar uma série de depoimentos na internet de pessoas que sentem alterações bruscas de humor e disposição na ausência da bebida.

Consumo cai, mas ainda é alto

Apesar de o consumo de refrigerantes estar caindo — no Brasil, segundo pesquisa divulgada este mês pelo Ministério da Saúde mostra que a ingestão de refrigerantes e bebidas açucaradas caiu 52,8% desde 2007 — a  Coca-Cola ainda é o refrigerante mais consumido no mundo.
A marca, cujo valor de mercado é estimado em US$ 142 bilhões, é um caso de sucesso absoluto, com um poder de permanência na sociedade ao longo dos anos praticamente incomparável. Duas a cada oito pessoas consomem Coca-Cola no mundo todos os dias – o refrigerante representa 78% das 1,7 bilhões de unidades de bebidas que ostentam a marca The Coca-Cola Company comercializadas em 24 horas no planeta. O Brasil, a quarta maior operação do grupo, registrou em 2012 um consumo total anual de 11,5 bilhões de litros da Coca-Cola tradicional e suas variações.

Como se livrar da bebida 

Para quem experimenta qualquer tipo de dependência, se livrar do vício não é uma tarefa fácil. Nesse contexto, vale conversar com a família (muitas vezes também envolvida) e expor a situação.
Outras medidas, segundo Telma, incluem manter o refrigerante longe (não incluir na lista de compras, por exemplo); encontrar alternativas para o dia a dia (como água, sucos, chás gelados, águas gaseificadas e saborizadas); estabelecer objetivos curtos; cuidar com os estímulos (alimentos muito salgados ou muito doces aumentam a vontade de refrigerante); preferir sempre água para se hidratar no calor; e fazer exercícios físicos (uma das maneiras mais efetivas de liberar a ansiedade).

“Crianças nunca devem ser apresentadas ao refrigerante, uma vez que a infância pode representar a porta de entrada para problemas de dependência no futuro. Ajuda especializada, em alguns casos, pode ser essencial”, assinala a nutricionista.

Outro lado

A The Coca-Cola Company há anos enfrenta acusações de que a Coca-Cola é prejudicial à saúde dos consumidores. A resposta oficial da empresa afirma que todos os produtos comercializados não contêm qualquer substância nociva à saúde e todos os ingredientes são testados e analisados criteriosamente, o que exclui a menor possibilidade de fazerem mal ao organismo. No Brasil, os produtos são fiscalizados pelos órgãos competentes, que garantem sua segurança.
Cientificamente, não há nada que comprove que a composição da Coca-Cola realmente faça mal à saúde. O problema maior do consumo excessivo e prolongado, especialmente entre os viciados na bebida, reside na altíssima carga de cafeína e açúcar ingerida. A versão Zero do refrigerante, livre de açúcar e calorias, não representa uma opção mais saudável, uma vez que não possui qualquer benefício nutricional, não colabora para um melhor funcionamento do organismo e não hidrata de forma eficaz (assim como a Coca normal). Além disso, a Coca Zero tem boa concentração de aditivos químicos – permitidos e avaliados por entidades científicas, segundo a própria empresa.
Açúcar e cafeína
A Coca-Cola Brasil afirma que o açúcar é um ingrediente importante para o sabor único da Coca-Cola e que, consumir regularmente alimentos e bebidas saborosas não é o mesmo que ser viciado neles. A empresa reconhece, entretanto, que muito açúcar não é bom para ninguém. “Uma parte importante de um estilo de vida equilibrado é consumir uma variedade de alimentos e bebidas com moderação. Como todos os alimentos e bebidas, refrigerantes com açúcar podem ser consumidos, desde que não seja em excesso”, esclarece a Coca-Cola Brasil em seu site oficial.
A cafeína, uma substância reconhecida pelos seus efeitos psicoestimulantes e que pode levar à dependência física e tolerância à droga, segundo o Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), é, de acordo com a Coca-Cola Brasil, um estimulante suave. “Todos os dias, milhões de pessoas desfrutam de bebidas com cafeína, incluindo café, chás e refrigerantes. As pessoas muitas vezes se surpreendem quando descobrem que uma lata de Coca-Cola contém muito menos cafeína do que a mesma quantidade de café”, diz a empresa.
Uma lata de Coca-Cola de 350ml tem, aproximadamente, 35mg de cafeína. A quantidade de cafeína aproximada encontrada em uma lata do refrigerante equivale, segundo a empresa, a menos da metade das 72mg encontradas em uma xícara de 60ml de café expresso e das 50mg encontradas em uma xícara de 60ml de café coado. A Unifesp informa que o uso crônico dessa substância (350mg ao dia, ou 10 latas de Coca-Cola) provoca dependência física e tolerância à droga. Na retirada, pode surgir uma síndrome de abstinência caracterizada por dores de cabeça, nervosismo, irritação, ansiedade e insônia.
Muito sódio?
Não é incomum ouvir que a Coca Zero é até mesmo “pior” que a Coca-Cola normal pela alta quantidade de sódio presente na formulação. A Coca-Cola Brasil esclarece, contudo, que a quantidade de sódio presente em uma lata (49mg) equivale a apenas 2% do total diário recomendado. Na comparação, essa quantidade equivale a 12% do sódio presente em um sachê de 1g de sal. Bebidas com até 80 mg de sódio por porção de 200 ml são consideradas de “baixo teor de sódio” pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa (Resolução RDC n.º 54, de 12 de novembro de 2012).
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