Saúde e Bem-Estar

Fábio Galão, especial para a Gazeta do Povo

Relatos de celebridades com câncer de mama animam quem está em tratamento

Fábio Galão, especial para a Gazeta do Povo
04/10/2019 16:39
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A apresentadora Ana Furtado foi uma das celebridades a compartilhar o tratamento contra o câncer de mama Foto: Divulgação

O diagnóstico de câncer de mama exige um aprendizado que pode ser árduo: conviver com a doença. Além do estigma de um problema de saúde que pode ser fatal, é preciso saber lidar com os efeitos do tratamento, que podem ser temporários (como a queda dos cabelos) ou permanentes (quando é necessário retirar a mama).
“O câncer ainda é um tabu na nossa sociedade. Apesar de a maioria se curar, segue despertando muito medo. E a pessoa com câncer acaba se sentindo dentro de um grupo onde não queria estar. Ela procura no Google ‘pessoas com câncer’ e vê imagens de pessoas fracas, sem cabelo. A autoestima fica abalada: parece que tudo se resume ao câncer, é como se a pessoa perdesse a identidade. No tratamento, mostramos que a pessoa não é o câncer, ela segue sendo quem sempre foi, aquilo é apenas parte da vida dela”, explica Ronny Kurashiki Oliveira, psicólogo clínico do Hospital Erasto Gaertner.

“Estar sem saúde afeta, mas as mulheres muito ligadas à questão da aparência podem ficar muito frustradas. A família e outras pessoas ao redor devem dar espaço para a paciente mostrar o que é sofrimento para ela. O que é importante para ela pode não ser importante para outra pessoa. Não adianta dizer ‘o cabelo cresce de novo’ se é algo que para ela tem muita importância. Não pode minimizar, temos que achar maneiras de ajudar a pessoa a lidar com esse sofrimento”, afirma Oliveira.

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Depoimentos na internet

Com a internet, é possível ter acesso a milhares de dados e depoimentos sobre o câncer de mama, difusão de informações potencializada pelas redes sociais. São conteúdos, entretanto, para serem utilizados com cautela, tanto no que diz respeito a prognósticos da doença quanto à atitude a ser mantida diante dela.
“As pessoas têm mais acesso à informação, conseguem saber mais e debater sobre o tratamento. O que alertamos é para ter cuidado com o que você escuta. Sempre vem alguém para contar uma história, do que aconteceu com ela, com um tio, um amigo, e às vezes é o relato de uma experiência muito sofrida. Porém, quem não sofre tanto no tratamento muitas vezes não se expõe, porque está bem, vivendo sua vida, então não compartilha sua experiência. Nenhum câncer é igual ao outro e os efeitos variam muito de uma pessoa para outra, não é porque o tratamento foi muito difícil para alguém que vai ser para você”, argumenta o psicólogo.
“Se você usa demais as mídias sociais, acaba se isolando, sendo que o objetivo é ter mais contato com outras pessoas. Para o caso de uma paciente pode ser algo positivo, porque ela se informa e pode participar mais do próprio tratamento. Agora, quando é algo do tipo, ‘eu li e vai acontecer isso comigo, nem vou procurar tratamento’, é negativo”, adverte Oliveira.

Rede de apoio

Como enfatizado pelo psicólogo do Hospital Erasto Gaertner, é uma caminhada que não deve ser solitária. Além do apoio de família e amigos, pacientes em todo o Brasil encontram respaldo em ONGs e associações que auxiliam mulheres com câncer de mama.
Essas entidades oferecem assistência jurídica e psicológica e exames, mas também ajudam na recuperação da autoestima. Entre outros serviços, mantêm bancos de lenços e perucas para pacientes que sofrem com a queda de cabelos e disponibilizam banco de sutiãs e micropigmentação de aréola para as que precisam remover a mama.
Macarcy Engelbert, presidente da Associação das Amigas da Mama, de Curitiba, destaca que a estética é uma questão sensível, pela pressão que a população feminina sofre em nome de padrões de beleza.
“O mais difícil quando elas recebem a notícia é o medo da morte. Ainda existe o conceito de que, se tem câncer, vai morrer. Depois, o pior é perder o cabelo. Na associação, fazemos empréstimo de perucas e muitas mulheres nos procuram quando raspam a cabeça. Elas chegam muito fragilizadas, até mais porque vão perder o cabelo do que pelo tratamento. Ficam piores do que quando receberam o diagnóstico. Isso acontece porque a sociedade coloca o cabelo como a moldura, nós vemos propagandas de xampu, homens olhando para mulheres de cabelo comprido. Existe uma ideia de que a mulher de cabelo curto ou careca é feia. E também o rosto fica inchado, caem sobrancelhas, os cílios. Se a mulher não estiver bem preparada e com pessoas em volta dela apoiando, fica muito difícil”, relata.
A voluntária descreve outros obstáculos comuns para quem enfrenta o câncer de mama:

“Com a evolução da medicina, há menos enjoos durante o tratamento, mas ainda tem, porque isso depende do organismo e da quimioterapia. Fica com muita fraqueza, a cabeça fica a mil por hora, mas o corpo não colabora. A gente esquece muita coisa também. Tem coisas que eu não lembro da época do meu tratamento que eu sei que aconteceram apenas porque meu marido e meu filho me contaram. Pode acontecer também das unhas descolarem, das pontas dos dedos ficarem sensíveis.”

Juceney da Caz, presidente da associação Mão Amiga, de Francisco Beltrão (Sudoeste do Paraná), entidade que oferece o mesmo apoio, acredita que, apesar do receio natural, a doença está sendo encarada de outra forma.
“As mulheres com câncer de mama estão muito corajosas, com uma expectativa muito boa. Aquele medo que existia não tem mais. A medicina evoluiu muito, os medicamentos e os tratamentos estão muito avançados”, argumenta.

“Um grande professor”

Nos últimos anos, mulheres famosas colocaram o câncer de mama em evidência na mídia ao divulgarem que estavam com a doença, enfatizando a necessidade da prevenção.
Um dos primeiros relatos no Brasil foi da atriz Patrícia Pillar, que anunciou em 2002 que estava com câncer no seio esquerdo. Outras celebridades brasileiras e estrangeiras que tiveram a doença foram as atrizes Joana Fomm, Jane Fonda, Brigitte Bardot e Kathy Bates e as cantoras Elba Ramalho, Kylie Minogue e Sheryl Crow.
Em maio de 2018, a apresentadora Ana Furtado divulgou que também estava com a doença e que havia passado por cirurgia. Nas redes sociais, disse que percebeu o nódulo durante o autoexame e postou informações sobre os ciclos do tratamento. Em um congresso sobre câncer no início do mês passado, Ana divulgou que agora está fazendo terapia hormonal.
“Naquele momento (do diagnóstico), eu morri e renasci como se fosse uma mágica. Não sei como, não me desesperei, eu sempre acreditei na possibilidade da cura, mas por muito tempo, por pelo menos duas semanas desde que recebi o meu diagnóstico, eu me perguntava: ‘Por que eu? Logo eu? Eu me alimento direito, faço tanto esporte, nunca usei drogas, sou uma pessoa boa, eu tenho um bom karma. Isso é um castigo! Por que eu?'”, disse, na ocasião.

“Foi quando me fiz outra pergunta: ‘Por que não eu?’. E a partir daí eu consegui entender vários propósitos novos para a minha vida: entendi que o câncer é uma ameaça, mas não é o fim; o câncer não é o vilão, ele pode ser um grande professor.” – Ana Furtado, apresentadora. 

Macarcy Engelbert acredita que relatos como o de Ana Furtado estimulam outras mulheres que enfrentam a doença.
“Pessoas famosas que passam pelo tratamento viram exemplos. Quando uma mulher recebe o diagnóstico, ela pensa: ‘Por que eu? O que eu fiz de errado? O que deixei de fazer?’. Quando aparece uma pessoa famosa com a doença, a mulher entende que não acontece só com ela: pode acontecer com qualquer uma, rica ou pobre, mais nova ou idosa”.
No caso da Ana Furtado, ela expôs tudo que passou durante o tratamento e as pessoas acompanharam. Quando dá certo, a mulher com câncer de mama fica motivada: “Se ela conseguiu, por que eu também não vou conseguir?”, explica Engelbert.
Juceney da Caz concorda: “Há muitos depoimentos em redes sociais, as pessoas têm acesso a eles e isso estimula a ter coragem no tratamento. As mulheres gostam de assistir a esses vídeos e ver que a história teve um final feliz. É um apoio, uma fonte de esperança”.
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