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Pesquisa da SBIm com a Avaaz mostra desconhecimento da população brasileira com relação às vacinas Foto: Bigstock.
Pesquisa da SBIm com a Avaaz mostra desconhecimento da população brasileira com relação às vacinas Foto: Bigstock.| Foto:

No primeiro ano do projeto Saúde Sem Fake News, o Ministério da Saúde recebeu 12 mil dúvidas da população, sendo as principais relacionadas às vacinas. Causam autismo? Geram as doenças que se dizem proteger? Fazem mais mal que bem? Na maior parte dos casos, as informações eram mentiras, boatos ou fake news — criadas justamente para confundir o leitor.

A disseminação dessas fake news ocorre onde se sabe que elas vão atingir um número considerável de pessoas: nas redes sociais. Grupos no Facebook, no WhatsApp, Pinterest e Youtube se destacam.

Embora as plataformas tentem controlar (Facebook, por exemplo, prometeu reduzir o alcance de páginas e grupos antivacinação no começo de 2019), nem sempre dão conta da enxurrada de informações.

Diante desse cenário, a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), ao lado da rede global de campanhas de mobilização social Avaaz, lançaram o questionamento em uma pesquisa:

“As fake news estão nos deixando doentes?”. A resposta? Sim, bastante.

O sarampo, doença considerada eliminada do Brasil em 2016, voltou em números assustadores. Em 2018, foram 10 mil casos notificados. O ano de 2019 nem acabou e os doentes ultrapassam os 10,4 mil, com 14 mortes, conforme o último boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde.

“A partir do momento em que trabalhamos com baixas coberturas vacinais, com certeza a desinformação impacta nisso. Sabemos que não é apenas um motivo que leva à diminuição das coberturas, mas a desinformação estimula para que a pessoa não se vacine ou a seu filho”, explica Juarez Cunha, médico pediatra presidente da SBIm, e da Vigilância em Saúde da Secretaria de Saúde de Porto Alegre (RS). 

45% não acham as vacinas totalmente seguras

Na tentativa de entender como pensava e onde se informava a população brasileira quando o assunto é vacinação, a pesquisa da SBIm em conjunto com a Avaaz entrevistou duas mil pessoas, acima de 16 anos, entre os dias 19 e 22 de setembro desse ano. Todas as regiões do país foram contempladas na amostra.

Dos resultados, 54% afirmaram considerar as vacinas totalmente seguras, porém 45% disseram ter alguma insegurança e outros 39% admitiram estarem hesitantes com relação aos imunizantes. 

Embora a maioria (68%) se informe via mídias tradicionais, como rádio, TV e jornais, 48% dos entrevistados disseram obter as informações sobre as vacinas nas redes sociais. Apenas 41% lembraram dos médicos e outros profissionais de saúde.

“Entre as pessoas que se informam nas redes sociais, o problema é mais severo. As pessoas dentro das redes são as que mais desconfiam das vacinas. Perguntamos a elas se achavam que as vacinas eram seguras e 59% das pessoas que achavam totalmente inseguras recebiam notícias negativas pelas redes sociais. Então você vê que é impossível não associar com as redes sociais”, explica Nana Queiroz, coordenadora das campanhas da Avaaz Brasil.

Zero vacina

13% admitiram terem deixado de se vacinar, ou de vacinar uma criança que estava sob seus cuidados. Isso representa 21 milhões de brasileiros, com 16 anos ou mais, ou o suficiente para trazer uma doença erradicada de volta. 

Dos motivos: 38% apontaram esquecimento ou falta de planejamento; 31% não acharam que a vacina era necessária; 27% não tinham informações suficientes; 24% tiveram medo de ter algum efeito colateral grave, entre outros argumentos.

“Há boa possibilidade de as vacinas causarem efeitos colaterais graves”

A maioria dos entrevistados (67%) acreditam em pelo menos uma informação falsa, sendo a principal, apontada por 24%: Há boa possibilidade de as vacinas causarem efeitos colaterais graves.

Outros 20% acham que as vacinas causam as doenças que deveriam proteger, enquanto que 19% acreditam que mulheres grávidas não possam se vacinar. Algumas vacinas, de fato, não são indicadas a esse público, mas há um calendário vacinal próprio para as mulheres gestantes, que pode ser consultado aqui.

Vacinas incentivando comportamento sexual entre os jovens foi mais uma afirmação errada apontada por 18% dos entrevistados, e 17% das pessoas acreditam na crença que há tratamentos alternativos tão ou mais eficazes que as vacinas.

Há ainda 14% que creem em teorias conspiratórias, como “o governo usa vacinas como método de esterilização forçada da população pobre” e 13% acham que pegar a doença seria uma proteção melhor que a vacinação.

“Saúde” à venda

Uma vez descoberto o que acham, e como se informam, a pesquisa decidiu olhar para o conteúdo que era compartilhado e usado como fonte de informação. Conteúdos postados entre 2016 e 2019 fizeram parte do banco de dados criado para a pesquisa, o que resultou em:

  • 30 artigos compartilhados em plataformas como Youtube, Facebook, WhatsApp, além da própria web;
  • 67 páginas e 33 grupos no Facebook, que resultou em um total de 3.344 postagens antivacinação;
  • 69 vídeos antivacinação no Youtube, todos com mais de 10 mil visualizações cada, totalizando 9,2 milhões de visualizações e 40 mil comentários;
  • 1.613 links de artigos antivacinas publicados em sites.

“Fomos descobrir quais são as fake news e os interesses dessas pessoas que disseminam. Vimos que há fortes indícios de pessoas lucrando. São sites de notícias naturais que vendem um chá natural, um produto alternativo. Se uma pessoa entra em uma página conspiracionista, ela sabe onde está. Mas quando é uma página de notícias naturais, pregando uma vida saudável, e a ela é vendido um produto natural ao mesmo tempo em que se critica as vacinas, ela está sendo enganada”, explica a coordenadora das campanhas da Avaaz, Nana Queiroz.

Metade dos conteúdos analisados vinha de sites norte-americanos, segundo Queiroz. Eram traduções literais ou inspiradas e citando uma fonte de informação dos Estados Unidos. O site Natural News, por exemplo, era a fonte de três a cada 10 avaliados.

“No Facebook, a página do Natural News já foi bloqueada, assim como no Youtube e Google, para reduzir o alcance. Mas quando você vê, há uma tradução da mesma página, do mesmo conteúdo, que alcança milhões de pessoas, com milhões de interações”, reforça. 

Das desinformações antivacinação mais encontradas no universo da pesquisa, destacam-se:

  • Casos reais e raros de efeitos colaterais graves, ou morte, depois da vacinação.
  • Vacinas obrigatórias seriam um plano secreto e maligno de uma ?nova ordem mundial? de dominação.
  • Vacinas causariam autismo.
  • Metais nocivos, como mercúrio, estariam presentes nas vacinas em alta dosagem.
  • Vacinas seriam uma tentativa de controle da população mundial, o que teria sido confessado por Bill Gates, criador da empresa Microsoft.
  • Vacinas prejudicariam o corpo, enquanto terapias e produtos naturais seriam a verdadeira maneira de prevenir doenças.
  • Elites e médicos não vacinariam seus filhos.
  • Doenças já estariam diminuindo a incidência antes das vacinas.
  • Médicos que teriam confessado ?a verdade? sobre como as vacinas são realmente perigosas.

O que fazer?

Das soluções, há a culpa que recaí sobre as plataformas de redes sociais, conforme lembra Nana Queiroz, da Avaaz, mas sem esquecer da responsabilidade de cada cidadão: não compartilhar informações que pareçam falsas ou com um objetivo escuso.

“O brasileiro, na dúvida, compartilha. A regra tem que ser o contrário: na dúvida, NÃO compartilha. Só encaminha a mensagem se tiver certeza que vem de uma fonte crível e correta. Compartilhar sem saber faz com que os boatos colaborem com a crise. Parece pouco, repassar a informação, mas é uma questão de vida ou morte e essa responsabilidade está também nas nossas mãos”, explica a coordenadora.

A fonte a que Nana se refere não é quem encaminhou a mensagem, mas quem gerou aquele conteúdo. Então, não importa se foi sua tia querida ou o primo universitário que mandou no grupo o recado de que a vacina da gripe mata velhinhos. Importa quem escreveu aquela mensagem pela primeira vez, e por quê. 

Está na dúvida? Busque esses lugares:

– Sites ou portais de notícias confiáveis, como mídias tradicionais;

– Sites de entidades de saúde, como Ministério da Saúde, Anvisa, e de sociedades médicas, como a Sociedade Brasileira de Imunizações e a Sociedade Brasileira de Pediatria;

Sites de checagem de informações, como o Boatos.org, Agência Lupa, Fato ou Fake e o Saúde Sem Fake News, do Ministério da Saúde.

Médicos responsáveis

De acordo com Juarez Cunha, médico pediatra da SBim, a responsabilidade contra as fake news recaí também sobre os médicos e profissionais da saúde que, ao invés de escutar e argumentar, acabam julgando os pacientes em dúvida.

“Não adianta você [médico] falar em uma linguagem técnica, que as pessoas não vão entender. Tem que deixar elas colocarem as dúvidas, ter o espaço de elas falarem e o médico saber responder e se fazer entender. E temos que levar o conhecimento a todos os profissionais da saúde”, reforça Juarez.

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