Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Tatuadora cria projeto para recobrir cicatrizes de automutilação sem custo

Amanda Milléo
06/09/2019 08:00
Thumbnail

Heloise Sutil, tatuadora de 20 anos, é a idealizadora do projeto Meu Recomeço, que tatua gratuitamente pessoas que sofreram com a automutilação. (Foto: Arquivo / Gazeta do Povo).

Cerca de 20% dos adolescentes, no Brasil e no mundo, sofrem com a automutilação. Esse número, divulgado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, não foi visto pela tatuadora Heloise Helena Sutil apenas como uma estatística, mas como uma oportunidade de ajudar ao próximo.
Inspirada em projetos que promovem tatuagens gratuitas às mulheres que passaram pelo câncer de mama, a moradora de Curitiba decidiu que também criaria um movimento semelhante, mas voltado às vítimas da automutilação. Em agosto deste ano, Heloise criou o projeto “Meu Recomeço“.
Projeto "Meu Recomeço" visa recobrir cicatrizes de automutilação gratuitamente. (Foto: Arquivo / Gazeta do Povo).
Projeto "Meu Recomeço" visa recobrir cicatrizes de automutilação gratuitamente. (Foto: Arquivo / Gazeta do Povo).
“As tatuagens feitas em mulheres vítimas do câncer de mama são mais realistas, que é algo com que eu não trabalho. Mas eu também queria ajudar e pensei em pessoas que têm cicatrizes de automutilação porque conheço várias pessoas que sofreram com isso, com depressão e ansiedade”, explicou Heloise, de 20 anos.
A jovem tatuadora separou a agenda do estúdio para que conseguisse atender uma pessoa por semana e divulgou a ideia aos seus seguidores e amigos nas redes sociais.

“Eu fiz um post no Facebook e no Instagram falando sobre o início do projeto e  tive uma repercussão inimaginável. Muitas pessoas de todo o Brasil me mandaram mensagem. Eu fiquei muito triste por não poder atendê-los em um primeiro momento. Mas meu noivo, que é programador, teve a ideia de fazer um site que reunisse todas as pessoas que precisam do atendimento e para recrutarmos tatuadores dispostos a fazer esse trabalho gratuito [em outras partes do país]”, relata Heloise. 

Agora, o projeto já conta com dois mil cadastros de pessoas interessadas em receberem a tatuagem, mas pouquíssimos tatuadores disponíveis. “Todos os dias recebo mensagens de como participar do projeto para que as cicatrizes não apareçam mais, então com certeza mais e mais pessoas farão o cadastro”, diz.

Quem tiver o interesse em ser um tatuador colaborador ou em receber a tatuagem, basta se cadastrar no site do Meu Recomeço: www.meurecomecotattoo.com.br. A tatuagem é gratuita. 

Heloise Sutil, tatuadora de 20 anos, é a idealizadora do projeto Meu Recomeço, que tatua gratuitamente pessoas que sofreram com a automutilação. (Foto: Arquivo / Gazeta do Povo).
Heloise Sutil, tatuadora de 20 anos, é a idealizadora do projeto Meu Recomeço, que tatua gratuitamente pessoas que sofreram com a automutilação. (Foto: Arquivo / Gazeta do Povo).

Emoções à flor da pele

Dar às pessoas que a procuram um novo significado às cicatrizes é algo que pegou Heloise de surpresa. “As histórias me emocionaram muito. Algumas me marcaram demais e eu me emocionei várias vezes. Principalmente porque as pessoas ainda tem cicatrizes não só na pele, mas na alma. É complicado lidar e conversar sobre isso”, diz a tatuadora.
A tatuadora relembra dos relatos de clientes que não usavam há anos camisetas de manga curta, apenas de manga longa; e os que não queriam mais ter de ficar explicando à estranhos o que eram as cicatrizes nos braços, pernas ou pulsos:

“As pessoas me dizem que não aguentam mais que perguntem a elas ‘o que é isso no seu braço?’. A tatuagem, principalmente quando não é uma cicatriz muito profunda, consegue cobrir tudo. As pessoas sabem que tem uma cicatriz ali, e elas dizem isso: ‘eu vou saber que tem uma cicatriz porque faz parte da minha história. Mas eu vou entender também que eu superei isso e que eu consegui transformar o que era dor em arte”, relata Heloise. 

“Eu olho meu braço agora e não sinto mais tristeza”

A estudante Milena Cordeiro, de 19 anos, foi uma das primeiras a receber a tatuagem do projeto Meu Recomeço. A sua história com a depressão vem desde muito cedo, nos primeiros anos da infância.
“Lido com isso a minha inteira, mas depois dos 13 anos comecei a sofrer muito bullying no colégio. Nessa época também comecei a me automutilar. Desenvolvi bipolaridade e borderline, que é um transtorno de personalidade. Fiquei internada duas vezes, mas cada dia mais aprendo a lidar com isso”, relata a jovem.
Pior que olhar para as cicatrizes no braço, e lembrar do passado, é ter que explicar aos olhos de curiosos o que são as marcas. “Já sofri preconceito de as pessoas olharem e depois falarem que é coisa de pessoa ridícula”, diz.
Agora, com a tatuagem, Milena espera um novo futuro. “Vai mudar muita coisa, porque eu não vou ficar olhando para o meu braço e sentir a tristeza ou ficar relembrando tudo que passei. Vou ver outra coisa”, diz.
Milena Cordeiro, 19 anos, foi uma das primeiras clientes do projeto Meu Recomeço. Foto: Arquivo / Gazeta do Povo.
Milena Cordeiro, 19 anos, foi uma das primeiras clientes do projeto Meu Recomeço. Foto: Arquivo / Gazeta do Povo.

Onde buscar ajuda?

Quem estiver passando por dificuldades e não sabe bem como conversar com amigos, familiares ou pessoas mais próximas, pode entrar em contato com diferentes canais do Centro de Valorização da Vida (CVV). A partir do telefone 188 — disponível em todo o território nacional –, o interessado pode entrar em contato a qualquer hora, em qualquer localidade do país, com pessoas capacitadas para ouvi-lo.
Quem preferir, pode entrar em contato via chat, Skype ou e-mail, através do site do CVV: www.cvv.org.br. Por telefone, o interessado pode ligar no número 188, ou diretamente no posto da sua região.
Quer ajudar? O CVV está sempre em busca de voluntários. Saiba mais aqui.
LEIA TAMBÉM