Saúde e Bem-Estar

Jessica Maes, especial para a Gazeta do Povo

Terapia pela internet é regulamentada e suscita debates: funciona?

Jessica Maes, especial para a Gazeta do Povo
10/12/2018 17:00
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Regulamentação da prática da terapia online gera discussões e divide profissionais. Foto: Bigstock

A possibilidade de atendimento psicológico online já é realidade no Brasil. Chamadas de vídeo, troca de mensagens de áudio ou de texto são algumas das novas formas de realizar terapia. A prática pode ser a solução para quem tem vontade de buscar o tratamento, mas – seja por vergonha, falta de profissionais na cidade ou algum problema de mobilidade – estava adiando a decisão. Para que o tratamento traga resultados semelhantes aos encontros presenciais, alguns cuidados são necessários, tanto pelo profissional quanto pelo paciente.
Vale ressaltar que o tratamento psicológico pela internet tem gerado debates e dividido a opinião dos profissionais da área. Para alguns, a prática possibilita o acolhimento de pessoas que não têm acesso ao serviço presencial e também beneficia pacientes com alguma limitação ou algum tipo de fobia social. Por outro lado, há quem opine que o vínculo psicoterapêutico seria prejudicado nos atendimentos não presenciais e que muitos elementos se perdem quando o contato é exclusivamente eletrônico.
Atendimento psicológico online pode beneficiar pessoas com problemas de mobilidade ou algum tipo de fobia. Foto: Bigstock
Atendimento psicológico online pode beneficiar pessoas com problemas de mobilidade ou algum tipo de fobia. Foto: Bigstock
Quando é indicado
A presidente da Comissão de Orientação e Fiscalização do Conselho Regional de Psicologia do Paraná, Ludiana Cardozo Rodrigues explica que a possibilidade de realizar o atendimento remoto se mostra especialmente importante em alguns casos. O primeiro é o de pessoas que estão em tratamento e acabam precisando mudar de cidade. Com a sessão online, não é preciso trocar de psicólogo para dar continuidade ao trabalho que já vinha sendo realizado. Outra situação é a de pessoas que têm algum tipo de fobia social, que não se sentem seguras para sair de casa e procurar ajuda. Em ambos os exemplos, o paciente estaria praticamente impossibilitado de buscar a ajuda daquele profissional de outra maneira.
“O atendimento online pode possibilitar o acolhimento de pessoas que não têm acesso ao serviço presencial – o que no Brasil é uma realidade”, aponta o professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Paulo Annunziata Lopes. Há duas décadas, seguindo os moldes permitidos pelo CFP, ele realiza atendimentos por vias eletrônicas no Janus – Laboratório de Estudos de Psicologia e Tecnologias da Informação e Comunicação e na Clínica Psicológica Ana Maria Poppovic, ambas do curso de Psicologia da PUC-SP.
Com todo esse tempo de experiência, o pesquisador já se deparou com diversos casos em que, por exemplo, o paciente mora em um pequeno município onde não há nenhum psicólogo – ou existem apenas um ou dois para atender à cidade inteira. “Ainda que tenha um psicólogo, por ser uma cidade muito pequena, todo mundo fica sabendo quem vai ao consultório, as pessoas comentam. Isso atrapalha a privacidade do cliente”, diz. “Tem sido muito gratificante poder ajudar pessoas que, de outra forma, não teriam nenhum acesso ao atendimento psicológico”.
O canal de atendimento eletrônico da instituição surgiu espontaneamente, quando foi disponibilizado, ainda nos anos 1990, um endereço de e-mail para que as pessoas pudessem tirar dúvidas sobre o trabalho da clínica-escola. Desde então, o grupo de pesquisa assistiu de camarote às mudanças tecnológicas que afetam diretamente a vida da população. O debate, para o professor, mudou de natureza. “Não tem como não integrar o uso de tecnologias à psicologia. A tecnologia está totalmente implicada na nossa vida. A discussão antes era se faríamos; agora é como faremos”, afirma.
O outro lado: eficiência e vínculo terapêutico
No Brasil, ainda existem poucos estudos sobre as possibilidades e limitações do atendimento psicológico online. Há profissionais que sustentam que o vínculo psicoterapêutico seria prejudicado nos atendimentos não presenciais, que não há o comprometimento de ir até um lugar específico e que muitos elementos se perdem quando o contato é exclusivamente eletrônico. No caso de mensagens de texto ou e-mails, não existem os gestos, expressões ou o tom de voz. As mensagens de áudio e videoconferências incluem mais nuances, mas, ainda assim, não são sinônimas do atendimento presencial.
“Há críticas no sentido de que o atendimento virtual não alcança algumas coisas que o presencial alcança, o que é verdade. Mas, por outro lado, o atendimento virtual abre possibilidades para pessoas que tenham alguma limitação (estão viajando, doentes ou não podem se locomover até o consultório)”, diz a conselheira do CFP Rosane Granzotto.
Para alguns profissionais, o vínculo seria prejudicado com o atendimento à distância. Foto: Bigstock
Para alguns profissionais, o vínculo seria prejudicado com o atendimento à distância. Foto: Bigstock
Lopes, que viu a gênese do atendimento via internet em âmbito nacional, reforça que essas limitações realmente existem e que essa modalidade não se presta a qualquer situação. “[No caso dos e-mails] a gente tinha experiência de pegar o texto escrito por um paciente e pedir para diferentes terapeutas lerem e, às vezes, o texto parecia totalmente diferente”, lembra. “Hoje, o atendimento é majoritariamente feito por videoconferência, então a gente tem mais elementos para trabalhar: o cliente nos vê e a gente vê o cliente. Embora não seja comparável a estar frente a frente com uma pessoa, já é um grande avanço em relação ao atendimento assíncrono (não simultâneo) via texto”.
Aliada a uma revisão da literatura científica sobre o tema, em sua tese de doutorado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maria Adélia Pieta realizou um estudo comparativo entre o tratamento psicanalítico via Skype e o presencial. Nele, dois grupos de 12 pessoas cada fizeram psicoterapia por três meses, sendo que um dos grupos foi atendido apenas por videoconferência e outro apenas pessoalmente. Por meio de questionários aplicados periodicamente, foram avaliados o progresso do tratamento e a relação terapêutica entre paciente e psicólogo.
“Ao final comparamos os resultados e foram bastante semelhantes”, conta Maria Adélia. A afirmação vale tanto para a impressão que os pacientes tiveram do tratamento quanto para percepção dos profissionais. “Isso é relevante porque mostra que pacientes podem se beneficiar da psicoterapia via videoconferência tanto quanto podem se beneficiar por tratamentos presenciais”.
Rosane salienta que o atendimento online é apenas uma opção e que não é obrigatório que os profissionais o ofereçam. Caso o psicólogo acredite que sua técnica não pode ser adaptada, ele não precisa disponibilizar esse serviço. “Essa é só mais uma forma de oferecer um trabalho, que não vai substituir as outras. É uma forma de se comunicar, que não tem a força da presença física, mas não deixa de ser real”, conclui.
Cuidados para pacientes e profissionais
A transposição do ambiente presencial para o ambiente online não é algo simples. “O setting terapêutico – o espaço onde o atendimento acontece – é totalmente diferente. Ele não é somente ‘controlado’ pelo psicólogo, como é o consultório”, diz Lopes. No consultório, cabe ao psicólogo garantir que aquele espaço seja privativo, protegido de interferências, que o som não vaze para os espaços adjacentes e outras particularidades. Já no trabalho online, essa configuração fica dividida entre a sala de atendimento e a sala que o cliente vai escolher.
Por isso, é preciso que haja uma orientação da parte dos profissionais para garantir que o atendimento aconteça em um espaço seguro – o que pode incluir até mesmo uma sessão de ambientação, com instruções técnicas para que o paciente ou cliente aprenda a usar ferramentas como, por exemplo, o Skype ou um antivírus. Também deve-se garantir o sigilo das informações trocadas durante as sessões.
Da parte do CFP, a orientação é para que todas essas minúcias – qual ferramenta será utilizada, horário e natureza dos atendimentos, duração das sessões, armazenamento de informações, tempo de resposta, honorários, especificações sobre ambientes adequados – constem em um contrato de prestação de serviço, somado a explicações complementares, caso seja necessário.
“O atendimento tem que ser coerente com a ética profissional”, destaca Rosane. “O profissional tem que garantir o sigilo e ser responsável pela avaliação da demanda, vendo se a forma de atendimento que ele está oferecendo é suficiente e adequada ao que o paciente precisa”.
Já do lado dos pacientes, é preciso cuidar da sua privacidade – bloqueando as contas e aparelhos com senhas e usando sempre fones de ouvido, por exemplo – e dispor de um espaço adequado, uma boa conexão de internet (especialmente para videoconferências) e ter tempo disponível para dedicar àquele atendimento.
No entanto, acima de qualquer outro cuidado, é preciso ter certeza de o profissional que está do outro lado é confiável. Para isso, é possível buscar pelo nome do psicólogo no E-Psi, o portal de cadastro obrigatório para quem quer realizar atendimentos via internet. Lá, constam todos aqueles que já foram aprovados pelos conselhos regionais e estão cumprindo a legislação e o código de ética profissional. “Nós vamos fiscalizar o profissional, não interessa em que plataforma ele esteja”, garante a conselheira federal. Até o fechamento desta reportagem, 68 psicólogos tinham sido aprovados pelo CRP-PR para realizar atendimentos virtuais.
Regulamentação
O atendimento psicológico pela internet foi regulamentado pela resolução nº 11/2018 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), aprovada em 11 de novembro. A normativa previu um prazo de 180 dias para adequação dos profissionais e conselhos regionais às novas regras. A medida revoga a resolução nº 11/2012, que impunha certas limitações à prática – um máximo de 20 encontros de orientação psicológica por meios eletrônicos e exigência de que o profissional tivesse um website próprio, cadastrado junto ao CFP e avaliado pelas unidades regionais do conselho.
A nova legislação (baseada em experiências desenvolvidas em países como Estados Unidos, Canadá e Austrália e na sustentação legal oferecida pelo Marco Civil da Internet, de 2014) autoriza o atendimento online integral. Cabe ao profissional escolher qual ferramenta acredita ser mais adequada a sua técnica e a cada caso: chamadas de vídeo, troca de mensagens de áudio ou texto e quaisquer outras que possam vir a surgir no futuro. Para que possam atender usando ferramentas digitais, é obrigatório que os psicólogos se cadastrem no portal E-Psi, criado pelo próprio CFP, no endereço e-psi.cfp.org.br.
Além da prestação de consultas ou atendimentos psicológicos, a resolução também permite que psicólogos atuem virtualmente em processos de seleção de pessoal. Fica vedado o atendimento por esses meios em casos de emergência e desastres e de indivíduos ou grupos em situações de violação de direitos ou de violência. No caso de crianças e adolescentes, é exigido o consentimento de ao menos um responsável legal.
O debate sobre a utilização das tecnologias de informação e comunicação (TICs) na psicologia vem desde o início da década de 1990 – através de telefone ou e-mail, por exemplo. Segundo a presidente da Comissão de Orientação e Fiscalização do Conselho Regional de Psicologia do Paraná, Ludiana Cardozo Rodrigues, essa discussão foi reaquecida recentemente devido a mais possibilidades tecnológicas e porque ficou claro que as normas da resolução de 2012 não estavam sendo cumpridas.
Nesse sentido, a nova normativa responde a uma demanda – de profissionais que gostariam de realizar esse tipo de atendimento – e elimina a necessidade da criação de um site exclusivamente para divulgação do atendimento online, já que a plataforma será escolhida pelo próprio profissional, aumentando sua autonomia.
“Nunca pensamos, de forma alguma, em acabar com a psicoterapia presencial. Não é essa a intenção”, destaca Ludiana. “A gente vê como uma possibilidade para o acolhimento dessas pessoas”.
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