Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

THC versus CBD: quais são os efeitos da maconha para a saúde

Amanda Milléo
29/11/2019 13:00
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Maconha medicinal? Por que os médicos psiquiatras não querem o nome da maconha envolvido na discussão do canabidiol? Foto: Bigstock.

Em 2019, a maconha tem sido tema frequente de discussão no Brasil quando o assunto é saúde. Isso porque há duas propostas envolvendo a planta (Cannabis sativa, a variedade mais conhecida) em discussão na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão regulador dos medicamentos e alimentos no Brasil.
A primeira trata da regulamentação do plantio controlado da planta, para fins medicinais e de pesquisa científica. E a segunda visa o registro e o monitoramento de medicamentos feitos à base de substâncias dessa planta.
Durante a reunião da Diretoria Colegiada da agência, dois diretores pediram vista das propostas e novas discussões ainda estão por vir antes que uma decisão seja tomada.

Maconha medicinal?

O debate assusta uma classe específica dos médicos, os psiquiatras, por uma questão de nomenclatura.
Para eles, a maconha não deve ser associada a algo medicinal, conforme explica Ricardo Assmé, médico psiquiatra, especialista em dependência química e diretor secretário da Associação Paranaense de Psiquiatria.

“Quando se fala em maconha medicinal, isso não existe. É o mesmo que comparar ao veneno da cobra. Pode ser que tenha uma substância no veneno da cobra que pode ser muito boa para a saúde humana. Mas não vamos falar em ‘veneno de cobra medicinal'”, explica.

A comparação a que Assmé se refere está relacionada aos princípios ativos da maconha. Embora a planta carregue milhares deles, os dois mais conhecidos e discutidos atualmente são o THC (tetrahidrocanabinol) e o CBD (canabidiol).
“São mais de três mil substâncias liberadas durante a queima do fumo, como no tabaco. Esses princípios ativos podem causar mudanças no sistema nervoso central. O THC, por exemplo, está mais relacionado aos quadros psicóticos. Já o canabidiol tem quadros mais físicos, como enjoo, náusea, dor de cabeça e tontura”, explica Marco Antônio Bessa, médico psiquiatra e chefe do ambulatório de dependências químicas da infância e adolescência do hospital das Clínicas da UFPR, em Curitiba.

THC e quadros psicóticos

O surgimento dos principais sintomas negativos associados ao consumo da maconha tem comoprincipal culpado, conforme a literatura médica e os especialistas, é a quantidade de THC presente na planta.
“O princípio psicoativo da maconha é o THC. É o que traz a confusão mental, a euforia, tudo o que o usuário busca. O canabidiol e outros princípios não são psicoativos”, reforça o Assmé.
Isso não significa que o THC deva ser totalmente descartado. De acordo com a psicóloga Flavia Serebrenic, mestre e doutora em Dependência Química, tanto o THC quanto o CDB têm propriedades que impactam à saúde.
Embora o THC esteja mais associado aos efeitos deletérios, ele tem sintomas que beneficiam pacientes em tratamento oncológico e quimioterápico, por exemplo.

“Existem estudos sobre o uso medicinal da maconha, que usam um preparado com uma porcentagem menor de THC. O THC aumenta o apetite, reduz náusea, dor, inflamação e problemas de controle dos músculos. O CDB também auxilia na dor e na inflamação, além de controlar diferentes tipos de epilepsia, e possivelmente trata problemas mentais e até dependências”, explica a também pesquisadora do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria, do hospital das Clínicas da USP, em São Paulo.

Canabidiol “medicinal”

Com relação ao CBD, a discussão muda de figura — mas os efeitos da substância ainda são cercados de críticas. Em estudos recentes, o canabidiol se mostrou promissor no tratamento da esquizofrenia, na melhora da qualidade de vida de pacientes com epilepsia resistente, além de possivelmente colaborar com o tratamento da ansiedade, dos vícios e até mesmo da depressão

Ainda assim, os especialistas olham aos dados com cautela, visto que são estudos com poucos participantes e resultados questionáveis.

“Tanto que o FDA (agência reguladora norte-americana dos medicamentos e alimentos), que é o órgão que controla a liberação das drogas, não liberou tratamento algum com o CBD, nem mesmo para [o tratamento da] convulsão. Está sendo liberado para alguns casos, mas não pode ser considerado um remédio milagroso”, explica Marco Antônio Bessa, médico psiquiatra.

No site do FDA, a agência reforça a angústia dos médicos ao avisar que as informações disponíveis sobre o CBD são bastante limitadas. Por exemplo, não se sabe ainda qual é a real ação desse princípio ativo no organismo humano, e os impactos no fígado após uma exposição prolongada à substância.

“Não tem comprovação alguma mais específica que [o canabidiol] sirva para essas indicações. Se ficar comprovado, não tem problema algum [que o paciente faça uso]. Mas a campanha pela legalização quer que a substância seja liberada sem passar pelos testes científicos”, completa Bessa, que também é conselheiro do Conselho Regional de Medicina, seção Paraná (CRM-PR).

Um editorial da revista científica norte-americana JAMA (Journal of American Medical Association), de 2015, reforça a necessidade de mais estudos envolvendo não só os princípios ativos da planta, mas com toda a maconha, antes que se discuta a liberação.

E, mais recentemente, uma meta-análise e revisão sistemática dos estudos envolvendo os canabinoides mostrou que ainda há pouca evidência de que essas substâncias ajudem, de fato, doenças mentais, como depressão, ansiedade, psicose e transtorno pós-traumático. O estudo foi divulgado pela revista científica Lancet Psiquiatria no fim de outubro. 

“Um grande corpo de evidências mostram que o uso da cannabis pode aumentar sintomas de depressão, ansiedade e psicose, e levar a uma dependência. De muitas maneiras, sabemos mais sobre os riscos de longo prazo do uso regular da cannabis do que os benefícios para pessoas com transtornos mentais”, explicou a autora principal do estudo,  Louisa Degenhardt, da Universidade New South Wales, da Austrália, ao site de divulgação científica Medscape. 

Efeitos somados

O fato é que ao fumar um cigarro de maconha (ou ingerirmos qualquer alimento com a planta) a pessoa não está entrando em contato com apenas CBD ou apenas THC, mas uma mistura de ambos e outros milhares de princípios ativos.
As quantidades de cada uma dessas substâncias não são controladas, e assim, os efeitos também não são. Dos principais listados pelos especialistas, destacam-se:
  • Formação de quadros psicóticos, especialmente esquizofrenias;
  • Depressão;
  • Ansiedade;
  • Dificuldade no aprendizado, no registro de informação;
  • Problemas de memória;
  • Coordenação motora afetada;
  • Alteração na capacidade de julgamento;
  • Efeitos paranoicos;
  • Dependência, entre usuários frequentes;
  • Uso precoce, por crianças ou adolescentes, gera alteração no desenvolvimento cerebral, que pode levar a redução do QI (quociente de inteligência).
  • Problemas respiratórios.

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