Saúde e Bem-Estar

por Mariana Ceccon, Especial para a Gazeta do Povo

Psicanalista francês defende tratamento de Alzheimer sem medicamentos

por Mariana Ceccon, Especial para a Gazeta do Povo
20/05/2019 08:00
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O psicanalista francês André Jean-Pierre Francis Chevance defende uma abordagem mais leve para o assunto, afirmando que a doença pode ser encarada como uma chance do paciente reviver. Foto: Bigstock.

Receber um diagnóstico de Alzheimer na família pode representar, para muitos, um dos momentos mais críticos a serem vividos. Com naturalidade, no entanto, o psicanalista francês André Jean-Pierre Francis Chevance defende uma abordagem mais leve para o assunto, afirmando que a doença pode ser encarada como uma chance do paciente reviver, em seus últimos anos de vida, os seus momentos mais felizes.
Essa postura foi construída a partir de quase três décadas de experiência em atendimento psicológico, além de um mestrado em psicologia clínica e patológica e um doutorado em psicopatologia fundamental e psicanálise, todos cursados em Paris.
Psicanalista André Chevance acredita que terapias não medicamentosas são melhor caminho para tratamento de Alzheimer. Foto: Divulgação/PUC Maringá
Psicanalista André Chevance acredita que terapias não medicamentosas são melhor caminho para tratamento de Alzheimer. Foto: Divulgação/PUC Maringá

Seu currículo dá autoridade para que o médico afirme, com todas as letras, que melhor do que um tratamento medicamentoso, a solução para o Alzheimer é respeitar a história e memórias do paciente. “Temos que entender porque ele quer voltar naquela memória ou naquela fase de sua vida”, declara o especialista.

Em visita ao Brasil, o psicanalista foi convidado a palestrar semana passada, no campus Maringá da PUCPR para estudantes e corpo docente. A intenção foi capacitar novos psicólogos e cuidadores, apresentando uma nova versão sobre a doença e qualidade de vida.
Segundo ele, em 2011, a Comissão de Transparência da Alta Autoridade de Saude (Haute Autorité de Santé) Francesa, reconheceu que quatro drogas muito usadas na doença de Alzheimer não trazem progresso algum para os pacientes: o donepezil, a rivastigmina, a galantamina e a memantina. “Eles expõem a efeitos indesejáveis de uma gravidade desproporcional à sua eficácia mínima e temporária. Tratamentos prolongados não têm eficácia comprovada e são perigosos. Ensaios clínicos mostraram, de fato, uma mortalidade mais alta sob as drogas de Alzheimer do que o placebo. A causa da morte tem sido frequentemente cardiovascular”, sustenta o psicanalista.
Aproveitando a ocasião da vinda ao país, André Chevance contou em entrevista exclusiva ao Viver Bem, que uma das abordagens mais tradicionais que utiliza ao lidar com novos pacientes e cuidadores é questionar qual seria a forma como prefeririam morrer. Ele garante que, ao final da conversa, muitos acabam “escolhendo” o Alzheimer como a melhor forma para terminar seus dias.
Porque optar por um tratamento não medicamentoso?
A questão fundamental para mim é olhar a doença de uma maneira diferente da convencional. Na França existe certa dificuldade de se acessar remédios para esse tratamento utilizando a estrutura da seguridade social. As pessoas não podem pagar por eles e também nem sempre significa que o paciente vai ter um resultado positivo usando medicação.  Mais do que isso, muitos deles acabam tendo efeitos colaterais graves, uma doença renal, por exemplo. Para mim é mais importante atuar com a história de vida desse paciente e entender sua situação, oferecendo conforto.

Em todos esses anos de palestras e atendimento clínico, sempre me fazem as mesmas duas questões. A primeira é se o Alzheimer é hereditário e a segunda é se estamos perto de um medicamento para curar a doença. E eu percebi que o uso da medicação está muito mais ligado a uma preocupação da família do que a um desejo do paciente. Porque o medo da família vem ao associar as regressões que o paciente faz ao passado, com alucinações. E alucinações são vistas como psicose. Aí entra a medicação… Por medo.

Uma alucinação mnésique (alucinação que se relaciona com a memória) não é uma alucinação como de uma pessoa psicótica. Se a pessoa com Alzheimer tomar medicamentos para alucinação como se fosse um psicótico pode ter muitos prejuízos à sua saúde, e absolutamente querer trazer de volta o paciente para a realidade do aqui e agora não seria aconselhável.
Sua tese é de que não há uma crise psicótica nos pacientes e sim uma volta ao passado?
O primeiro sintoma do Alzheimer é o esquecimento. E o esquecimento por si só é uma forma de mecanismo de defesa. A pessoa tende a sair da realidade onde está, uma situação de sofrimento, próxima ao fim de sua vida, e tende a reviver os seus momentos de maior felicidade, o que eu chamo de seus paraísos perdidos.

Comumente vi muitas mulheres com Alzheimer que remontam ao tempo em que seus filhos eram pequenos, porque aquela era uma fase feliz de suas vidas. Outros voltam à infância, para uma época em que não havia nem problemas, nem preocupações. Homens, em geral, acabam revivendo os seus trabalhos, quando tinham um prestígio social.

Claro que existem também as pessoas que, por alguns traumas, acabam remetendo a memórias fortes e impactantes em sua vida. Aí temos que tratar o trauma com a terapia, para além do Alzheimer. É o caso de uma paciente minha que tem a doença, mas constantemente lembra-se do genocídio armênio que viveu quando era criança. Ela não consegue esquecer esse momento quando perdeu toda a sua família. Isso mostra o quão importante é trabalhar com a história de vida de um paciente com a doença.
O papel da família e do cuidador, quando nota essa regressão, costuma ser o de trazer o paciente de volta a realidade.
Não acredito que isso seja positivo sob nenhum aspecto. Precisamos entender porque o paciente está indo para aquele lugar de sua vida — e respeitar isso. Forçar a pessoa a voltar a sua era e ao momento presente pode causar duas coisas: a primeira delas é a agressividade, que não é um sintoma da doença em si, mas sim uma reação. Quando forçamos alguém a voltar ao presente a pessoa pode ficar desconfiada, não acreditar e irritar-se por achar que estão mentindo para ela. A segunda reação possível é a pessoa ser obrigada a se deparar com a sua realidade, se ver já em um momento mais avançado de velhice e sofrendo com a doença e entrar em um estado de tristeza e depressão.

O mecanismo de regressão é uma forma de a pessoa se distanciar o máximo possível de sua morte. É uma fuga dessa angústia. Então para entender a realidade a pessoa paga um preço muito alto. Ninguém me convenceu ainda de que existe um lado positivo em forçar alguém a isso.

Qual é o caminho indicado então?
Eu chamo alguns pacientes de “Alzheimer bem sucedido”, que é quando a pessoa está vivendo seus últimos anos resgatando coisas positivas. Tenho uma paciente que sempre faz uma caminhada no mesmo lugar, mas todo dia ela redescobre coisas bonitas naquele espaço, coisas que já tinha visto no dia anterior. Mas isso é um momento de felicidade, porque ela vê algo positivo diariamente.  Mas para que o paciente chegue a esse momento de tranquilidade é necessário que quem os acompanhe, um cuidador ou a família, esteja atento e educado para perceber isso. Veja o caso de uma idosa, por exemplo, que volta a seus momentos de infância e vê na própria filha o reflexo de sua mãe. Eu considero isso um presente, porque as mães são o nosso primeiro objeto de amor e afeição, então é natural que isso ocorra. O que nós queremos é que o paciente seja respeitado dentro do que ele decidir e que os cuidadores trabalhem com a questão da felicidade.
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