Saúde e Bem-Estar

Flávia Alves, especial para a Gazeta do Povo

Um terço dos adolescentes experimenta cigarro antes dos 12 anos

Flávia Alves, especial para a Gazeta do Povo
31/05/2018 08:00
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Dois estudos —  um da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e outro da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) — mostra que um terço dos jovens brasileiros experimentam cigarro antes dos 12 anos: 30% dos jovens de 13 a 15 anos entrevistados para o levantamento já tinham experimentado tabaco.
O alerta é importante neste Dia Mundial Sem Tabaco, data lembrada nesta quinta-feira (31), e  que tem como intenção alertar a população para os malefícios do fumo.

Danos reais e imediatos

Se para os fumantes adultos os efeitos crônicos mais nocivos do cigarro vêm com o tempo de consumo, para os adolescentes o perigo é real e imediato.

“O cérebro ainda está em formação até o fim da adolescência, entre 18 e 20 anos de idade. Por isso quando estes adolescentes se expõem ao fumo ou qualquer outro tipo de droga isso pode ter uma influência ao longo de toda a vida”, alerta a médica Vanessa Rizelio, neurologista do Instituto de Neurologia de Curitiba (INC).

Segundo ela, existem estudo que apontam que fumar neste período torna o indivíduo mais suscetível a desenvolver problemas de memória, dificuldade de atenção, depressão, ansiedade e transtornos de humor durante a fase adulta.

Riscos para todo o corpo

Além dos danos ao desenvolvimento cerebral, a pediatra Myrna Campagnoli, diretora médica do Laboratório Frischmann Aisengart,  enumera outros riscos do tabagismo precoce. “Todo organismo está em desenvolvimento. Em alguns casos vemos até mesmo o crescimento ser prejudicado pelo fumo, comprometendo a estatura final. Mas há também outros problemas, como o agravamento de bronquites e a antecipação do aparecimento de alguns tipos de câncer”, alerta.
Sobre o câncer, o médico Elias Cosmo de Araújo Júnior, oncologista clínico do Instituto de Hematologia e Oncologia (IHOC)/Grupo Oncoclínicas, alerta que esta exposição precoce pode inclusive mudar o perfil de ocorrência desta doença. “Sabemos que há tipos de câncer muito incidentes em pacientes com mais de 30 anos de hábito de fumo. Se esta pessoa começou a fumar aos 14, este câncer, que comumente aparece em torno dos 60 a 70 anos de idade, tem chances de surgir antes dos 50 anos”, explica.
O que se sabe até agora sobre o que causaria ou não câncer? Médicos relacionam alguns fatores. Foto: Bigstock
O que se sabe até agora sobre o que causaria ou não câncer? Médicos relacionam alguns fatores. Foto: Bigstock
Outra grave consequência desta exposição é a própria dependência. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a maior parte dos fumantes se torna dependente até os 19 anos. E com a dependência, vêm todos os malefícios. “A Organização Mundial da Saúde (OMS) projeta que em 2020 serão mais de 10 milhões de mortes em todo o mundo ligadas ao consumo das substâncias presentes no cigarro”, alerta o José Carlos Moura Jorge, médico do Hospital Marcelino Champagnat, apontando como principais as doenças cardiovasculares (como infarto, acidente vascular cerebral e trombose), as doenças pulmonares obstrutivas crônicas (DPOCs) e, claro, o próprio câncer.

Mais vulneráveis

Um dos motivos que contribuem para esta vulnerabilidade seria a própria adolescência, conforme explica a psicóloga Graziela Sapienza, professora do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). “A adolescência em si já é um fator, pois é uma época de mudanças hormonais e em que o adolescente precisa assumir novas demandas sociais. Muitas vezes ele não dá conta e acaba ficando mais vulnerável e também mais suscetível a experimentar”, justifica.
O sentimento de invencibilidade traz também aos adolescentes um comportamento mais arriscado diante dos perigos. “Eles não conseguem enxergar com clareza os riscos, acham que os malefícios não se aplicam a eles ou que têm muito tempo pela frente para pensar nisto”, explica a psicóloga.

As (más) companhias

Além disso, a influência das companhias é fundamental neste processo. “Eles precisam se sentir parte do grupo, por isso se eles interagem com outros adolescentes que fumam a probabilidade de que fumem também é muito maior”, argumenta. E a influência nem sempre é restrita às amizades: muitas vezes o mau exemplo está dentro da própria casa.
Neste sentido, uma pesquisa coordenada por Moura Jorge e feita por estudantes da Escola de Medicina da PUCPR mostra esta influência. O estudo, realizado com 1.759 alunos do ensino fundamental das escolas públicas de Curitiba, apontou que 69% dos adolescentes que fumavam tinham um familiar tabagista e 88% tinham pelo menos um amigo fumante.
young teenage female learning the smoking habit
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Segundo a psicóloga, mais que o sentimento de pertencimento há outros fatores que contribuem para que este adolescente venha a experimentar e que se torne um dependente quando está rodeado de fumantes. “A facilidade de acesso é um deles”, aponta, falando sobre o fato de muitos pais que fumam manterem seus cigarros soltos pela casa.
Outro fator é a falta de “moral” para cobrar dos filhos. “Como os pais vão dizer para os filhos que o cigarro faz mal se eles mesmos fazem uso?”, alerta o cardiologista.
Mas há também muito desconhecimento envolvido. “Já vi casos em que os pais deram de presente para seus filhos narguilés, pois achavam que ele era inofensivo” conta a pediatra Myrna.

Nada inofensivos

Sobre estes produtos (como os narguilés), aliás, todos os médicos são unânimes em dizer que eles muitas vezes são a grande porta de entrada para o tabagismo e que, ao contrário do que se possa pensar, fazem tanto mal (ou até mais) que o cigarro tradicional.

“Há ainda um grande mito de que os narguilés não fazem mal porque têm água, o que não é verdade. Eles, inclusive, não possuem filtro, o que faz com que a absorção das substâncias tóxicas seja ainda maior”, aponta a pediatra.

Ela alerta ainda que quando o assunto é tabaco, não há níveis seguros de consumo. Ou seja: qualquer quantidade pode causar danos irreversíveis e fatais.

Mais informação, menos fumantes

A saída, então, para diminuir o número de adolescentes fumantes, passa necessariamente pela informação, dizem categoricamente os especialistas. “Antes de mais nada, é preciso informar sobre o fumo e suas consequências, trazer informação para estes jovens”, diz a psicóloga, que afirma que o momento correto de começar a falar sobre o tema é até mesmo antes da adolescência.

“Não acho necessário falar antes de a criança perguntar, do nada, até para não despertar uma curiosidade desnecessariamente. Mas quando houver perguntas é importante conversar de uma forma aberta”, aconselha.

Sobre este trabalho de conscientização, aliás, o médico cardiologista defende que ele deve fazer parte não só da agenda das famílias, mas das instituições e do setor público como um todo. “É preciso haver uma mobilização das escolas e das entidades para levar a informação para os adolescentes, pois só ela é capaz de diminuir a incidência do tabagismo”, diz ele.
O médico cita como exemplo de ação concreta o levantamento que coordenou sobre o perfil dos jovens fumantes em Curitiba. “A pesquisa foi aplicada durante alguns anos nas escolas públicas e neste período foram feitas várias ações e campanhas de conscientização, que acreditamos terem sido capazes de diminuir a incidência entre os jovens. Em 2003, por exemplo, segundo os dados, o número de fumantes nesta amostra era de 20%, aproximadamente. Em 2006 caiu para 14% e quando fechamos a pesquisa, em 2010, já era de 5,6%. É uma vitória”, comemora.

Tratamento direcionado

E não basta oferecer a informação já existente, que atualmente foca no público fumante como um todo. Ela deve falar a língua dos jovens, dizem os médicos. “A comunicação deve ser orientada para estes jovens, pensada neles”, sugere Myrna.
Da mesma forma deve ser o tratamento, alerta Graziela, atentando para o fato de que ele pode ser muito mais difícil em adolescentes do que entre os adultos, de uma forma geral. “O tratamento se baseia numa abordagem cognitivo-comportamental, que vai analisar o nível de motivação e capacidade de envolvimento para poder abandonar o vício. Como na maior parte das vezes estes jovens não reconhecem ao menos que são dependentes, tudo fica mais complicado”, lamenta, dizendo ainda que em alguns casos, dependendo do grau de dependência, pode até mesmo ser necessário o uso de medicamentos para auxiliar.
Mesmo assim, ela orienta aos pais que invistam sempre na orientação e no relacionamento com os filhos. “É papel dos pais nesta fase, não podemos esquecer, orientar e deixar claros para os adolescentes os malefícios. É, ao meu ver, o mínimo e o máximo que podem fazer.”
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