Saúde e Bem-Estar

New York Times

Por que minhas mãos estão sempre geladas?

New York Times
04/01/2017 09:00
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O ditado “mão fria, coração quente” pode me descrever com precisão se incluir também “pé frio”. Todo outono, mesmo antes que as folhas comecem a cair, inicio uma pesquisa anual para achar a melhor maneira de evitar que minhas mãos e pés congelem durante o inverno.
Meu estoque de luvas e botas poderia abastecer uma loja e inclui o que é indicado como os artigos mais quentes, mas até agora nenhum produto foi protetor o suficiente. Como o conselho popular “mude-se para um lugar onde o clima seja melhor” não se encaixa nos meus interesses, a busca continua.
Posso ou não ter uma versão do fenômeno de Raynaud, mas certamente simpatizo com aqueles que o têm. Descrito pela primeira vez em 1862 por um estudante de medicina francês chamado Maurice Raynaud, ele se caracteriza por espasmos induzidos pelo frio nos pequenos vasos sanguíneos, que interrompem o fluxo do sangue para as extremidades, geralmente os dedos das mãos e dos pés, mas às vezes também as pontas das orelhas e do nariz.
Na melhor das hipóteses, é um distúrbio patriótico: as áreas afetadas normalmente ficam brancas quando os vasos em colapso cortaram o fluxo de sangue e acabam azuladas por falta de sangue rico em oxigênio, para então voltarem à cor vermelha quando o fluxo sanguíneo é gradualmente restaurado com o reaquecimento.
Normalmente, o sangue flui na direção do núcleo do corpo para controlar a perda de calor quando a pessoa é exposta ao frio, mas essa reação é exagerada nas extremidades dos portadores do fenômeno de Raynaud, muitas vezes chamado de síndrome ou mal de Raynaud. Os pequenos vasos que irrigam a pele dos dedos da mão e do pé, orelhas e nariz reagem ao frio, desenvolvendo os espasmos que reduzem ou desligam completamente o fluxo para estas áreas.
Não é necessário tempo frio para provocar o quadro. Entrar em uma sala com ar condicionado para escapar do calor do verão também pode desencadeá-lo.
A mesma reação pode ocorrer quando uma pessoa com o mal de Raynaud está sob estresse e o corpo sofre o tipo de reação “fugir ou lutar” que protege os animais em perigo, levando o sangue para os tecidos necessários para a sobrevivência.
Em uma revisão recente sobre esse mal no New England Journal of Medicine, dois professores da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins, Fredrick M. Wigley e Nicholas A. Flavahan, relataram que o Raynaud afeta entre 3% e 5% da população. Ele ocorre de duas formas: a primária, que é mais comum e não tem nenhuma causa subjacente conhecida, e a secundária, na qual está associado a outro transtorno, normalmente uma doença do tecido conjuntivo ou autoimune, como esclerodermia, artrite reumatoide ou síndrome de Sjogren. As pessoas que trabalham com certas substâncias químicas, como o cloreto de vinil, ou ferramentas vibratórias como uma britadeira também são suscetíveis ao mal de Raynaud secundário.
A síndrome de Raynaud primária normalmente começa relativamente cedo na vida, entre as idades de 15 e 30 e até metade desses indivíduos têm um parente de primeiro grau – pai, irmão ou filho – que também tem o transtorno. As mulheres são mais frequentemente afetadas do que os homens.
Mesmo sendo desconfortável, a síndrome primária não é perigosa nem tão grave quanto a secundária, que normalmente se inicia mais tarde, em geral começando após 35 ou 40 anos. Em raros casos graves em que o fluxo sanguíneo diminui cronicamente, a secundária pode resultar em úlceras de pele e até mesmo gangrena, que necessita de cirurgia.
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Um médico pode diferenciar os dois colocando uma gota de óleo na pele da base da unha e examinando a área em um microscópio. A presença de capilares alargados ou malformados nessa área, a prega ungueal, indica uma doença do tecido conjuntivo subjacente. Dois exames de sangue, o teste de anticorpos antinucleares e a velocidade de sedimentação de eritrócitos, podem auxiliar no diagnóstico de uma causa subjacente da síndrome, que então pode ser tratada.
O mal de Raynaud afeta partes do corpo que têm um padrão circulatório característico: alta densidade de conexões diretas entre arteríolas, ou os pequenos vasos que saem das artérias e se ramificam, e vênulas, ou pequenas veias. Essas conexões, chamadas anastomoses arteriovenosas, regem a circulação nas superfícies sem pelos do corpo, ignorando os capilares que normalmente trazem sangue para a pele, explicou Flavahan no ano passado em Nature Reviews: Rheumatology.
Quando portadores do mal de Raynaud são expostas ao frio ou estão sob estresse, a constrição normal induzida pelo sistema nervoso das arteríolas nessas anastomoses é reforçada e temporariamente pode cortar o fluxo de sangue para as partes afetadas, levando-as ao branqueamento, à sensação de frio e à insensibilidade. Quando as áreas são reaquecidas e o espasmo acaba, o fluxo sanguíneo reinicia, muitas vezes causando formigamento ou latejar.
Não existe cura para a síndrome de Raynaud, e remédios embasados por evidências científicas sólidas são poucos, mas existem medidas bem estabelecidas que podem minimizar seus efeitos. A mais importante delas é se manter aquecido. Para mim isso significa usar várias camadas de isolamento, especialmente em meus braços e pernas, para que qualquer calor extra possa ser transferido para minhas mãos e pés. É um truque que aprendi ao patinar no gelo e esquiar, e que adotei para andar de bicicleta e caminhar nos invernos de Nova York. Usar chapéu, cachecol e uma jaqueta resistente ao vento também ajuda bastante.
Luvas inteiriças mantêm as mãos mais quentes que as tradicionais. Guardo as minhas sobre o radiador e as botas sob ele quando não as uso. Meus braços curtos encontraram sua finalidade, permitindo-me proteger ainda mais minhas mãos puxando as mangas por cima delas. Neste inverno vou tentar luvas aquecidas, com baterias recarregáveis que duram muito mais que aquecedores químicos. Mantenho também um par de luvas ao lado do freezer para quando preciso manusear alimentos congelados. Algumas pessoas chegam até mesmo a usar luvas para dormir e, entre o outono e meados da primavera, eu vou para a cama de meia.
Embora não existam medicamentos aprovados para tratar a síndrome de Raynaud, bloqueadores de canais de cálcio, normalmente usados para tratar pressão alta, podem ser úteis. Eles dilatam pequenos vasos sanguíneos, relaxando a musculatura lisa em torno deles.