Turismo

Como as vinícolas familiares do Uruguai estão se preparando para hospedar turistas

Katia Michelle
13/11/2018 14:39
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Os Caminhos do Vinho, no Uruguai, é uma associação que reúne 25 vinícolas familiares e que, aos poucos, se preparam para receber turistas. Foto: Katia Michelle/Gazeta do Povo

Quando você acorda em meio a um vinhedo, não é só a paisagem que vê da janela que pode transformar a sua visão de mundo. Há história ali. Desde a habitação até onde a vista alcança é possível construir uma narrativa que vai além do turismo habitual.
Embarcar na Associação de Turismo Enológico Caminhos do Vinho, no Uruguai, é prova disso. São 25 vinícolas familiares que, aos poucos, investem também em pousadas. Uma viagem que reúne a tradição e o afinco das novas gerações para transformar o terreno bonito e fértil por natureza em rentável. Acolhedor já é.
E não são apenas os amantes de vinhos que se encantam com esse roteiro. Embora degustar e conhecer as bebidas produzidas por cada uma das vinícolas seja uma experiência enriquecedora para enófilos de plantão, o diferencial está em conhecer como cada empresa surgiu e se mantém em um mundo cada vez mais plural e tecnológico quando o assunto é (também) vinhos.
A recém inaugurada Pousada Pizzorno. Foto: Katia Michelle/Gazeta do Povo
A recém inaugurada Pousada Pizzorno. Foto: Katia Michelle/Gazeta do Povo
A Bodega Pizzorno, por exemplo, é pioneira na estratégia de fazer com que o turista viva a história, mesclando tradição e modernidade. Acaba de inaugurar a primeira pousada das vinícolas associadas aos Caminhos do Vinho. São poucas vagas numa acomodação intimista construída onde foi a casa dos fundadores. “Estamos no local onde foi a sala do meu avô”, conta, orgulhoso, Francisco Pizzorno, 25 anos, jovem da quarta geração da família que resolveu assumir e modernizar o processo da vinícola.
Isso inclui estar aberto a novas demandas turísticas. Na área de 26 hectares, onde são plantados 11 tipos de uvas, ele acompanha de perto a transformação e cuida para que as mudanças não atropelem a história da família. Apesar de moderna, a pousada guarda o clima acolhedor do interior do Uruguai. Nos três quartos, as varandas se abrem para as plantações das uvas que resultam em 180 mil garrafas por ano.
Foto: Katia Michelle/Gazeta do Povo
Foto: Katia Michelle/Gazeta do Povo
Um produto precioso que ganha cada vez mais espaço no mundo: 60% da produção é exportada, sendo que 25% chega ao Brasil e o restante desembarca em países como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e até China. Um mercado cada vez mais desafiador, segundo conta Francisco. Para degustar as preciosidades, eles recebem turistas (com hospedagem ou não) para um tour pelas plantações e processo de produção e também oferecem jantares e almoços para grupos que reservam o local. Dica: prove o Tannat feito por maceração carbônica, um dos diferenciais da casa.

Hospedagem em toneis: em breve uma realidade

No ritmo da Pizzorno, outras vinícolas estão de olho nos turistas que querem mais do que degustar vinhos. A Spinoglio, por exemplo, em breve vai transformar os quatro toneis de concreto desativados – cada um com capacidade de 50 mil litros – em quartos e banheiros. Um projeto ousado, assinado por Alejandra Bruzonne. Casada com Diego Spinoglio, herdeiro da vinícola, ela é responsável pela maior parte dos projetos da região, sempre respeitando as características originais das construções.
Os toneis gigantes vão abrigar dois quartos cada um e uma das vantagens será a vista para os 34 hectares da vinícola, que aposta em cinco variedades de uva. A proposta é que, a partir do ano que vem, turistas já possam se hospedar por lá. Enquanto isso, além das degustações e almoços com reserva, na região adquirida pela família Spignoglio em 1961, também é possível fazer eventos, como casamentos e festas.
Foto: Katia Michelle/Gazeta do Povo
Foto: Katia Michelle/Gazeta do Povo
Os vinhos produzidos ali também chamam a atenção pela qualidade ímpar. A mais recente criação é o blend Valle das Lágrimas, em homenagem ao acidente de avião que aconteceu nos Andes, entre o Chile e Argentina, e que teve como sobrevivente o filho de Carlos Paes Villaró, idealizador do Museu Casapueblo, uma das construções ícones do Uruguai.

No trem

E quem quiser se hospedar num vagão de trem, em breve também poderá fazê-lo na Vinícola Bouza. O vagão fica no meio da vinícola entre os vinhedos, o restaurante e o museu de carros antigos. São 150 exemplares, entre carros e motos, que se alternam na exposição permanente.
Foto: Katia Michelle/Gazeta do Povo
Foto: Katia Michelle/Gazeta do Povo
Com ampla estrutura, a Vinícola Bouza recebe grupos de visitantes para degustação e almoço todos os dias. Como a estrutura é grande, uma das maiores do Caminho dos Vinhos, aliás, não é preciso reservar com antecedência. As visitas incluem conhecer todo o moderno processo de fabricação da bebida, que conta até com laboratório próprio e controle de qualidade de cada um dos vinhos engarrafados ali.
Manuel Bouza, da segunda geração da família a assumir o empreendimento, conta que a ideia de ampliar as visitas para que os turistas possam se hospedar no local é antiga, mas que será colocada em prática no próximo ano.
E mesmo sem estrutura de hospedagem, algumas vinícolas são tão peculiares, que caso o visitante queira ficar para conhecer um pouco mais o local, pode se surpreender com a recepção e até se hospedar na casa da família. Reinaldo de Lucca, diretor da vinícola De Lucca conta que alguns turistas já dormiram na propriedade. Uma das mais antigas do país, a vinícola foi fundada em 1945 e hoje produz 250 mil garrafas por ano.
A degustação e as visitas na casa são feitas apenas com reservas, e valem cada minuto passado ao lado de Reinaldo. É ele quem conduz o visitante a um passeio pela história dos vinhedos e fala da importância da experiência de passear pelas plantações. “O mais excitante por aqui é visitar os vinhedos e não as adegas. As adegas não dizem nada sobre o vinho”, diz.
Personagem peculiar no país no meio, ele costuma dizer que tomar um vinho é como uma boa conversa. “Você precisa lembrar do que foi falado. O vinho é como uma pessoa. Se ela não te toca, não tem nada a oferecer”, diz.
Não pergunte para ele coisas básicas, como o valor da garrafa, pois para Reinaldo o valor está na experiência. E, conselho de quem esteve lá: mergulhe nessa história e faça a degustação na companhia dele. É inesquecível.

Caminho dos vinhos

Mesmo que a hospedagem ainda não esteja nos planos das vinícolas que integram a associação Caminho dos Vinhos, vale a pena conhecer cada uma delas. A partir de Montevidéu, as vinícolas ficam cerca de meia hora de carro. Em um dia, dá para conhecer duas ou três, mas reserve um tempo generoso para cada uma delas, pois as visitas são quase sempre comandadas pelos familiares, com muita história para contar.
As degustações em cada uma delas custam de 35 a 90 dólares, em média (R$ 130 a R$ 340). Depende da quantidade de vinhos, dos acompanhamentos ou se o almoço está incluído ou não. A maioria faz um passeio também pela produção dos vinhos. São vinhos produzidos em barricas de carvalho francês e americanos ou em modernos toneis.
Foto: Katia Michelle/Gazeta do Povo
Foto: Katia Michelle/Gazeta do Povo
A qualidade é excepcional e experiência de degustar os vinhos nos locais onde as próprias uvas são plantadas é inesquecível. E mesmo as que não tem tradição familiar, como é o caso da vinícola Alto de La Ballena, tem peculiaridades para oferecer.
A vinícola fica numa região entre o campo e mar, o que deixa os vinhos mais frescos e leves. Paula Pivel, que administra o local conta que a terra foi comprada em 2000 depois que ela e o marido fizeram uma extensa pesquisa para realizar o sonho de montar a empresa. São eles que conduzem os visitantes pelas paisagens exuberantes do local e preparam as carnes servidas no almoço de degustação, realizado sempre com reservas.

Dicas

Para conhecer as 25 pousadas que fazem parte da Caminhos do Vinho, dá para ficar hospedado em Montevidéu e ir de carro todos os dias para as regiões de Canelones, Maldonado e Rivera.
A própria associação oferece convênio com transportes (carros ou vans). O passeio com os motoristas são uma atração à parte. Eles arranham o português e estão sempre bem dispostos contar todas as peculiaridades da região.
Foto: Katia Michelle/Gazeta do Povo
Foto: Katia Michelle/Gazeta do Povo
É possível ir de carro alugado ou próprio. As estradas são muito confortáveis e com boa estrutura e há poucos pedágios. O problema é que a tolerância ao álcool é zero para os motoristas, então quem estiver dirigindo não vai poder aproveitar as degustações.
Sempre que for agendar, peça para ser atendido pelos proprietários da vinícola. Essa é uma viagem particular em que cada detalhe de prosa  transporta o visitante para além da degustação.
Aproveite para estender os caminhos também para pontos turísticos próximos, como o Museu Casapueblo e Punta de Leste.
Conheça as 25 associadas aqui e monte seu próprio roteiro.
*A jornalista viajou a convite da Associação Os Caminhos do Vinho.
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