Turismo

De mochila nas costas, curitibano mostra como viajar muito gastando bem pouco

Guilherme Grandi
19/02/2018 17:00
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O jornalista passou três meses em uma imersão na cultura dos países do extremo oriente da Ásia. Foto: Ike Weber/acervo pessoal | Picasa

Albergue, transporte público, comida simples do dia a dia e praticamente nada de souvenirs. A viagem de mochilão do jornalista curitibano Ike Weber pelo extremo oriente da Ásia é tudo aquilo que a maioria dos turistas de férias jamais fará. Ele retornou recentemente de uma jornada de três meses pela Coreia do Sul, Coreia do Norte, Taiwan e China, em uma viagem que custou pouco mais de R$ 12 mil.
As viagens dele são sempre assim: gastando muito pouco se comparado a outros roteiros, e com o mínimo possível de programas turísticos. “Eu fico sempre em albergue, como comida de rua, de supermercado ou restaurante bem simples, sempre uso transporte público e não compro nada de lembrancinhas”, conta ele ao explicar ao Viver Bem como é o orçamento de um mochileiro.
Ike Weber tem uma meta de gastar no máximo US$ 30 por dia (em torno de R$ 97 pelo câmbio atual) com tudo isso. No entanto, a viagem ao extremo oriente passou um pouco e foi a US$ 40, “mas nada muito fora do que eu poderia gastar, já que lá tudo é mais caro”, completa.
Viajar de mochilão também é se desprender de malas cheias e muitas roupas, ter uma boa dose de paciência, esforço e vontade de conhecer mais do que apenas o que está nos guias turísticos. A aventura começa já na partida, com a escolha de voos mais longos e baratos. “Os meus trajetos duraram em torno de 50 horas, com muitas escalas, o dobro do tempo que levaria em voos diretos”, explica Ike Weber. Afinal, o extremo oriente fica do outro lado do mundo.
A capital de Taiwan, Taipei, é uma pujante metrópole com a natureza preservada nas proximidades. Foto: Ike Weber/acervo pessoal
A capital de Taiwan, Taipei, é uma pujante metrópole com a natureza preservada nas proximidades. Foto: Ike Weber/acervo pessoal

A jornada

China, Taiwan, Coreia do Norte e Coreia do Sul: os quatro países da porção norte da Ásia formam uma combinação única de desenvolvimento, iniciativas modernas, natureza e uma cortina de ferro quase intransponível aos mais desavisados. Se chegar lá já é um desafio para boa parte dos turistas, por conta da distância, a língua é outro empecilho que acaba desmotivando uma visitação maior.
“A comunicação em inglês é muito difícil, na Coreia do Norte então nem se fala”, conta Ike Weber ao destacar que, nos outros países, apenas quem trabalha com negócios e multinacionais fala melhor o idioma anglo-saxão. Mas, segundo o viajante, as pessoas se esforçam muito para se comunicar, são solícitas e receptivas.
Ike Weber explica que se impressionou muito com o equilíbrio entre a tecnologia das grandes cidades, a modernidade, e a preservação da natureza. Em Taiwan, por exemplo, a capital Taipei tem uma reserva indígena que fica a apenas 30 quilômetros de distância. “A região onde viviam isolados os índios Atayal, até o final do século XIX, oferece trilhas, cachoeiras e cascatas deslumbrantes. Com a metade do país coberta por floresta e 118 rios catalogados pelo governo, há natureza em qualquer direção da ilha, com oito parques nacionais no país”, conta.
Na Coreia do Sul, ainda há vilarejos que contrastam com a modernidade de Seoul. Foto: Ike Weber/acervo pessoal.
Na Coreia do Sul, ainda há vilarejos que contrastam com a modernidade de Seoul. Foto: Ike Weber/acervo pessoal.
Foi lá que ele viveu algumas experiências curiosas, como circular em trens lotados, andar por becos mal iluminados com residências humildes e entulho acumulado, ou simplesmente passear pelos mercados diurnos e noturnos como um local faz no seu dia a dia. “Circular pelo país também é observar construções populares, diversidades gastronômica, produtos triviais e entretenimento fugaz”, explica ele sem medo de ser assaltado ou correr algum risco por não falar o idioma local.
Aliás, segurança é algo que chamou muito a atenção de Ike Weber ao longo da jornada pelo extremo oriente. “Se formos comparar os continentes, a Ásia em geral é muito mais segura que a América Latina e o Brasil”, conta. Ele diz que circulou pelas cidades asiáticas nos mais variados horários, seja chegando ou saindo de algum lugar, vivenciando manifestações populares e feiras, e vendo pessoas de idade e mulheres andando tranquilamente pelas ruas, sendo que seriam extremamente vulneráveis em outros lugares.
A qualidade de vida em algumas grandes cidades da região também chamou a atenção do viajante, principalmente na China e na Coreia do Sul. “São iniciativas modernas e inteligentes de arquitetura, construções espetaculares e modernas em cidades como Shangai e Seoul, que geram qualidade de vida”, explica ele ao citar o sistema de metrô da capital coreana. São 21 linhas que vão além da região metropolitana, e atendem 25 milhões de pessoas.
O viajante chegou exatamente no Dia da República Popular da China, um feriado muito festivo que dura uma semana. Foto: Ike Weber/acervo pessoal.
O viajante chegou exatamente no Dia da República Popular da China, um feriado muito festivo que dura uma semana. Foto: Ike Weber/acervo pessoal.
Se a modernidade é o caminho para o futuro desta porção do planeta, a cultura mais detalhista e cheia de rituais está aos poucos se perdendo segundo os moradores de algumas localidades. Ike relata que ouviu muitas queixas sobre o ritmo frenético com que a vida está andando, principalmente nas grandes cidades. “Os adolescentes e jovens, depois do ensino fundamental, são massacrados com muitas horas de estudos e intensas tarefas de casa. Não são incomuns os suicídios entre o público de menor idade”, conta.
Talvez a solução aos novos costumes seja olhar um pouco para o passado. Por todos os países em que ele visitou, as referências às religiões budista e taoísta estão fortemente presentes no dia a dia, seja nos templos grandiosos de adoração, ou nos hábitos mais simples dos seus frequentadores. Em Taiwan, por exemplo, “são 15 mil templos que, além de serem espaços espirituais, exercem a função de centros comunitários. Setenta por cento da população se considera budista ou taoísta”, conta.
O país mais fechado do mundo é também o que mais controla os passos de seus moradores, segundo o jornalista. Foto: Ike Weber/acervo pessoal.
O país mais fechado do mundo é também o que mais controla os passos de seus moradores, segundo o jornalista. Foto: Ike Weber/acervo pessoal.

Uma cortina de ferro no caminho

Se as cidades da China, Taiwan e Coreia do Sul chamaram a atenção pela modernidade e acolhimento, foi na Coreia do Norte que Ike Weber viu como pode ser difícil para um turista comum entrar no país. Uma das nações mais fechadas do mundo é também uma das mais controladas até mesmo para quem vive lá. “Só se entra na Coreia do Norte pela China, e sempre em grupos organizados por um operador autorizado de alguma das agências estatais” conta ele.
“Na Coreia do Norte não pode fazer nada sem autorização, e a fiscalização é bastante rígida”, explica o jornalista sobre as mais diversas proibições: só pode tirar fotos se um dos guias deixar, nada de câmeras com lentes de mais de 250 mm, nenhum guia de viagem ou livro sobre o país publicados fora de lá, e ainda é preciso assinar um acordo relacionado à divulgação de imagens, vídeos e textos sobre o país. “Não pude falar que era jornalista, senão nem me deixariam entrar lá”, completa.
Na apresentação para turistas, a propaganda do poderio bélico da Coreia do Norte é exibida com crianças cantando em homenagem ao partido comunista. Foto: Ike Weber/acervo pessoal.
Na apresentação para turistas, a propaganda do poderio bélico da Coreia do Norte é exibida com crianças cantando em homenagem ao partido comunista. Foto: Ike Weber/acervo pessoal.
O controle comunista da Coreia do Norte também “recomenda” que o viajante faça saudações em sinal de respeito aos líderes do país, como o ditador Kim Jong-un ou qualquer membro do governo. “A propaganda estatal para os estrangeiros é impressionante, demorei alguns dias para entender melhor a satisfação que sentem pelo desenvolvimento bélico”, conta ao relatar uma apresentação que o chocou durante a viagem. Ele e o grupo em que estava foram levados a um teatro onde um telão gigantesco mostrava imagens dos armamentos coreanos, e um grupo de crianças entre oito e 10 anos de idade cantava melodias doces na frente.
Apesar de todo o desenvolvimento armamentista, a tecnologia não é exatamente parte da vida dos cidadãos norte-coreanos. Ike explica que “a internet, apesar de existir, não está disponível para pessoas comuns, mas restrita ao governo, diplomatas e a alguns visitantes estrangeiros”. Há um sistema de intranet local, usado nas universidades, mas que não se conecta à rede mundial de computadores.
Diferente do que viu nos outros três países da jornada, ele diz que é difícil separar o que é real daquilo criado para estrangeiro ver, já que os guias normalmente levam os turistas apenas para locais em que os conceitos comunistas são seguidos à risca. “De fato, não se vê miséria em Pyongyang e nem nos arredores, não há moradores de rua e o país parece ser perfeitamente seguro. No entanto, em vilas mais simples e em áreas rurais, a uma distância de três ou quatro horas da capital, mulheres lavam roupas em riachos de águas poluídas”, conta.
O país que se vangloria de suas armas e munições não permite o uso de GPS ou mapas virtuais para quem vem de fora. Nem mesmo registros são permitidos sem autorização dos guias locais. Foto: Ike Weber/acervo pessoal.
O país que se vangloria de suas armas e munições não permite o uso de GPS ou mapas virtuais para quem vem de fora. Nem mesmo registros são permitidos sem autorização dos guias locais. Foto: Ike Weber/acervo pessoal.

O primeiro mochilão

Para as pessoas que querem começar a viajar de mochilão e conhecer roteiros fora dos programas turísticos mais tradicionais, Ike recomenda que não queira fazer tudo de uma só vez em um curto espaço de tempo. É recomendável escolher poucas regiões de um país, e se estender nestes locais por muitos dias. “É completamente o contrário do que as pessoas fazem, de conhecer muitos lugares em poucos dias”, explica.
É preciso também saber diferenciar que tipo de viagem pretende fazer. Se o objetivo é descansar sem se preocupar com nada, um mochilão pode não ser uma boa escolha. Segundo o jornalista, “um roteiro assim, de carregar tudo nas costas, é mais para quem quer explorar os lugares e ter uma experiência mais imersa na cultura local”. Ele conta, ainda, que a verdadeira cultura local está nas cidades mais afastadas, e não na capital. Para Ike Weber, conhecer um país significa visitar diferentes regiões, do litoral ao interior.
E o mais fundamental: se desprender de levar muitas coisas e valores. “Viagens de aventura e de exploração vão pelo conceito minimalista, de ‘menos é mais’. Não precisa levar muita coisa, até porque a gente normalmente já não usa tudo o que leva numa mala”, completa ele.
A expedição pelo extremo oriente foi a terceira viagem de longo prazo realizada por Ike Weber. As outras duas foram pelas Américas, quando viajou do Peru ao Alasca por 11 meses em 2012 (deu origem ao livro “De mochila pelas Américas”), e pela Ásia durante sete meses em 2015. Todas as aventuras estão registradas no blog pessoal dele.
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