Turismo

O que dizem os brasileiros que trocaram o Brasil pelo Uruguai

Rafael Costa
26/07/2017 18:55
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O Uruguai, na visão dos brasileiros que moram por lá, está longe de ser a "Suíça" da América do Sul (Foto: Bigstock)

Na primeira semana de julho, um novo acordo sobre residência permanente entre o Brasil e o Uruguai foi publicado no Diário Oficial da União. O documento tornou oficial a simplificação dos trâmites para a imigração entre os dois países, embora o Uruguai já viesse facilitando a chegada de imigrantes há algum tempo, como parte de uma política para compensar o recém-revertido saldo imigratório e a taxa decrescente de fecundidade no país.
Há quase três anos, uma lei uruguaia descomplicou os pedidos de residência para cidadãos dos membros do Mercosul e associados. “Os brasileiros que quiserem morar no Uruguai, já desde outubro de 2014, podem acessar à residência no país de uma maneira simples, rápida, sem custo, num processo administrativo simplificado no âmbito do Ministério das Relações Exteriores do Uruguai”, informou ao Viver Bem a embaixada do país no Brasil.
O chamado parece ter sido ouvido: o número de pedidos de residência vem crescendo — foram quase 6 mil em 2015 e mais de 8 mil no ano passado. Para 2017, a estimativa do governo uruguaio no início do ano era atender a 18 mil pedidos. Destes, cerca de 18% são de brasileiros, de acordo com dados divulgados para a imprensa do país.
Os números são tímidos para se falar em um fenômeno migratório — a população de imigrantes no Uruguai não é considerada significativa por estudiosos de lá. Mas não é difícil notar este interesse crescente ao visitar blogs e grupos no Facebook relacionados ao Uruguai. Há sempre alguém sondando, querendo saber se é ali mesmo a “Suíça” da América do Sul e se lá está a oportunidade para deixar as decepções com o Brasil para trás. É mesmo uma boa ideia fugir para lá?
Encantamento
Há um ano e oito meses vivendo na capital uruguaia, a atriz curitibana Lia Machado diz que é realmente fácil ser seduzido pelo país. A começar pelos 22 quilômetros de orla da “rambla” de Montevidéu, um local de passeios, atividade física e consumo de mate — o pessoal carrega a cuia para cima e para baixo, no calor ou no frio. “É uma cidade muito bonita e os uruguaios tratam os turistas brasileiros muito bem. Quem vai, se apaixona”, conta.
“Recém-chegada” em comparação aos outros brasileiros que conheceu no país, ela ainda fala com encantamento dos atributos pelos quais o Uruguai ficou conhecido: as paisagens do interior, o litoral fascinante, a vida cultural rica, as carnes de primeira, o Carnaval de 40 dias, a sensação de segurança, o ritmo diferente de Montevidéu, uma cidade mais tranquila do que nossas grandes capitais, no entanto cosmopolita.
“Vale muito a pena conhecer como turista”, recomenda Lia. E morar? “Depende.”
(Foto: Arquivo pessoal)
(Foto: Arquivo pessoal)
Dureza
A primeira coisa que um imigrante vivendo em Montevidéu dirá a respeito dos desafios de se estabelecer no país provavelmente terá a ver com as despesas. Um estudo da revista “The Economist” publicado em março colocou a capital uruguaia como a 62.ª cidade com maior custo de vida do mundo — a mais cara da América Latina (São Paulo ficou na 78.ª posição e o Rio de Janeiro, na 86.ª).
Na percepção de quem está lá, pesam principalmente o aluguel e alimentação. Além do padrão de vida alto, há dificuldade para empreender e uma reação xenófoba crescente, conforme explicou ao jornal uruguaio “El País” a diretora da Organização Internacional de Migração (OIM) no Uruguai, Alba Goycoechea, em junho.
A exemplo de outras medidas consideradas progressistas que, aliás, contribuíram para dar maior visibilidade ao país durante a presidência de José Mujica (2010–2015), o “convite” feito aos estrangeiros não é unanimidade entre os uruguaios.
Expectativas
Lia se mudou para Montevidéu com o marido, Roberto, que foi transferido para lá por uma empresa siderúrgica brasileira. Diz que vivem uma vida confortável, mas modesta.
A atriz conta ter encontrado em Montevidéu uma cena teatral empolgante e um povo interessado no que ela tinha a mostrar sobre a cultura brasileira — hoje, ela dá aulas de forró. Sua filha, de 20 anos, chegou lá em fevereiro de 2016 e não demorou a achar trabalho, mesmo sem falar espanhol.
Mas Lia reconhece que a mudança, para a família, não é para sempre e que a escolha também não é para todo mundo. “Tudo depende do que você quer e do que está disposto a sacrificar”, diz.
Para ilustrar, ela compara as expectativas de um mochileiro que busca o país à procura de experiência cultural, disposto a ganhar o suficiente apenas para comer e dividir o aluguel com amigos, com as de alguém que pensa em refazer a vida em outro país depois dos 40, 50 anos.
O primeiro poderá não ter maiores dificuldades de achar seu lugar. Já o segundo pode penar para conseguir mesmo uma vaga de baixa qualificação — principalmente se não falar o espanhol (outra dificuldade que pode surpreender quem pensa em ir para lá apenas se virando no portunhol).
“Muita gente sai desesperada do Brasil achando que aqui vai dar tudo muito certo, com uma visão fantástica sobre Montevidéu e o Uruguai. E às vezes ignoram que, na verdade, é muito difícil”, diz.
Fim do namoro
A blogueira baiana Jamile Cardoso, que morou durante anos no Uruguai e ainda mantém atualizada uma requisitada página de dicas “locais” de turismo sobre o país — “Viver Uruguay” —, também procura pintar um retrato mais realista de lá ao tratar do assunto.
“Diariamente recebo um número imenso de mensagens com planos mirabolantes e muito positivos de mudança, muitas vezes baseados em matérias que usam apenas dados estatísticos que não correspondem à realidade”, conta, por e-mail. “Acho que é necessário responsabilidade [ao tratar do assunto], porque [isso] mexe com a vida de muitas famílias”, diz.
A mesma preocupação está na fala da advogada Adriana Schuh. Ela vive há nove anos em uma cidade chamada Pando, perto do Aeroporto internacional de Carrasco — o maior do país.
Casada com um uruguaio, conta que passou da fase do namoro com o país. “Agora é pura realidade”, diz, antes de se queixar a respeito dos altos preços de aluguel, violência crescente em Montevidéu, escassez de oportunidades, salários baixos e cachos de banana a R$ 12 (ela calcula que um casal precisa de uma renda mínima de R$ 6 mil “para pagar aluguel e gastos básicos para ter uma vida simples” por lá).
Adriana Schuh vive no país vizinho com a família e não demorou a achar emprego, embora tenha ressalvas a quem busca o Uruguai para fazer a vida (Foto: Arquivo pessoal)
Adriana Schuh vive no país vizinho com a família e não demorou a achar emprego, embora tenha ressalvas a quem busca o Uruguai para fazer a vida (Foto: Arquivo pessoal)
Adriana conta que participa do Conselho de Cidadãos Brasileiros que vivem no Uruguai e que tem ouvido episódios alarmantes sobre gente que saiu do Brasil “pensando que poderia fazer a vida e terminou na rua”.
“Quando vejo famílias inteiras pensando em vir tentar a vida aqui, tenho muito medo mesmo, porque a gente que vive aqui sabe das dificuldades”, diz. “Não há emprego, os preços estão caros e as oportunidades cada dia mais escassas, ainda mais para quem é estrangeiro”, conta.
Se você perguntar a ela sobre o que o país tem de melhor para conhecer, vai ouvir sobre “tesouros” que nem sempre estão no radar dos turistas — estâncias, fazendas produtoras de azeitona e azeite de oliva, as cidades de Carmelo, Minas e Salto, as praias do departamento de Rocha, a torta frita, as murgas do Carnaval.
Mas, se a pergunta for sobre ir para o país em busca de uma vida melhor, a resposta pode ser um balde de água fria se suas expectativas forem muito altas. “É preciso algo de responsabilidade na questão de mostrar o que tem, porque realmente o pessoal vem para cá achando que chegará na Suíça da América”, diz.
Brasileiros que vivem no Uruguai reunidos para uma tarde de feijoada (Foto: Arquivo pessoal)
Brasileiros que vivem no Uruguai reunidos para uma tarde de feijoada (Foto: Arquivo pessoal)
De lá para cá
O uruguaio Martín Fabreau Martínez, professor de Antropologia na Universidade da República, em Montevidéu, morou durante anos no Brasil. Ele fez mestrado e doutorado na Universidade Federal de Pernambuco e pôde ver de perto a criação desta imagem idealizada sobre seu país.
“Quando morei no Brasil, até 2015, havia um certo furor com Pepe Mujica e o Uruguai, e a TV Globo [em uma edição do programa “Globo Repórter”] construiu uma imagem do Uruguai como se fosse um mundo feliz, uma pequena Suíça. Paralelamente a isso, Mujica andava pelo mundo dizendo: ‘se aposentou? Vá morar no Uruguai, gaste seu dinheiro lá, é um bom lugar para envelhecer’. Parecia que o Uruguai era um mundo tranquilo, feliz, que só tem pradarias e sol”, conta.
Para Fabreau, no entanto, a realidade de seu país é bem mais complexa do que essa. Ele reconhece que o Uruguai não tem problemas do tamanho da corrupção no Brasil, por exemplo, mas diz que a vida por lá é não é simples — mesmo para um professor universitário como ele.
À exceção de profissões liberais ou empreendimentos comerciais bem-sucedidos, os salários são baixos, e os custos de vida são mesmo altos. Em sua avaliação, as chances para pessoas com níveis mais básicos de educação e competência laboral são ainda mais incertas.
Segundo o professor, o padrão de vida médio no Uruguai está longe do experimentado entre as camadas médias no Brasil. “É preciso ver se [os brasileiros] que vêm decidem ficar ou acabam retornando. Porque, muitas vezes, para um brasileiro acostumado a um determinado um padrão de vida, nem sempre deve ser fácil morar aqui”, explica.
“E me deixe dizer uma coisa: durante muitos anos, antes de todo este colapso que está rolando, o Brasil era a opção de todos nós, para irmos para lá. Porque, às vezes, aqui, a vida é muito puxada.”
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