Turismo

O que a prefeitura de Amsterdã faz para incentivar o bom comportamento dos turistas

Christopher F. Schuetze, New York Times
19/10/2018 17:00
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Medidas da prefeitura querem combater a "má conduta geral" dos turistas na cidade. Foto: Red Morley Hewitt/Unsplash

Não são muitos os destinos de férias populares que se preocupam com o problema do turista errado, investindo tempo e dinheiro para tentar solucioná-lo.
Mas esse é o desafio que cada vez mais afeta Amsterdã, cidade onde o número de visitantes subiu mais de 60% na última década, fomentado pelas promoções de companhias aéreas de baixo custo, acomodações baratas e a facilidade de viajar por uma Europa sem fronteiras.
Com seus canais centenários, centro histórico vibrante e cenário artístico em ascensão, a cidade se orgulha de sua riqueza cultural; apesar disso, há uma percepção geral cada vez mais aguda de que certas pessoas vão ao maior centro do país por causa de interesses escusos, ou seja, a maconha e a prostituição. Ambos são legalizados, mas promovem um comércio que talvez esteja fazendo mais mal do que bem.
Outros destinos também enfrentam um número insano de visitantes, como as Ilhas Galápagos, Dubrovnik, na Croácia, e Veneza. Todos se preocupam com o turismo excessivo incentivado pela tecnologia, incluindo aplicativos como o Airbnb, geralmente citado como uma das causas do problema.
Veneza, na Itália: restrições para turistas para proteger Patrimônio Mundial. Foto: Visual Hunt
Veneza, na Itália: restrições para turistas para proteger Patrimônio Mundial. Foto: Visual Hunt
Em Amsterdã, porém, não são só os números de turistas que representam uma dificuldade; seu comportamento também deixa muito a desejar.
As autoridades estão tentando resolver a questão. Femke Halsema, a nova prefeita, visitou o bairro da luz vermelha em De Wallen, em julho, um mês após assumir o cargo. Logo depois, seu governo anunciou uma série de medidas para tentar acabar com a má conduta geral.
Entre elas, a aplicação e pagamento de multa de até 140 euros (R$ 596) no local, para quem for pego urinando em público, ficar bêbado ou fazer barulho excessivo (os policiais passarão a andar equipados com a famosa “maquininha”, para facilitar o pagamento com cartão); limpeza pública rigorosa; contratação de “anfitriões” adicionais, ou seguranças que circularão de camiseta laranja, treinados para fornecer informações e lembrar as pessoas das regras, que incluem a proibição de consumo de bebida alcoólica na rua e tirar fotos das prostitutas.
Talvez mais importante seja o fato de a Prefeitura também estar apostando em uma campanha publicitária para tentar convencer os visitantes a respeitar a cidade e suas regras.
Iain Mills, de 24 anos, que recentemente esteve em Amsterdã com um grupo de amigos, é o tipo de turista que o governo tem em mente: depois de sair de Londres no meio da manhã em um voo a preço promocional, o britânico já estava bebendo cerveja em um terraço ao longo do canal no início da tarde.
“A conveniência da viagem é um dos atrativos, sem dúvida. Não é a minha primeira vez na cidade, e também não será a última”, diz o rapaz.

Ruas superlotadas

Mascha ten Bruggencate é parte da administração; é sua a tarefa de fazer com que as novas medidas sejam obedecidas. Para ela, qualquer campanha que se faça deve ter início em um lugar, no mínimo, óbvio. “O bairro da luz vermelha é símbolo do problema”, diz ela.
Em uma noite de sábado recente, Stoofsteeg, viela da região cheia de “vitrines” para os prostíbulos, estava tão lotada de turistas espiando a mulherada, que para andar 45 metros o pessoal estava levando quinze minutos, na base do empurra. Um casal com o filho no carrinho desistiu antes de chegar à metade.
O governo de Amsterdam está tentando resolver um problema: turistas demais. Foto: Jasper Junien/NYT
O governo de Amsterdam está tentando resolver um problema: turistas demais. Foto: Jasper Junien/NYT
No ano passado, 20 milhões de turistas visitaram Amsterdã. Segundo cálculos da prefeitura, durante os horários de pico no fim de semana, até seis mil pessoas por hora passam pelo tal beco – ou pelo menos tentam.
Os moradores reclamam que não há policiamento suficiente para garantir a segurança de todos e que De Wallen agora fica tão superlotado que as ambulâncias têm dificuldade em chegar aos feridos e/ou doentes. O ombudsman local, Arre Zuurmond, descreveu a cena como “uma selva urbana sem lei” em entrevista concedida ao jornal “Trouw”, publicada em julho. As prostitutas, por sua vez, reclamam que o excesso de curiosos afasta os clientes.
O headhunter Pim van Burk, 33 anos, mora no andar de cima de um dos bordéis do trecho e garante que o barulho não o incomoda, mas que o excesso de gente dificulta a chegada em casa. Para tentar solucionar o problema, acabou instalando uma segunda campainha na bicicleta. “Assim o pessoal pensa que tem mais de uma e sai da frente”, explica.

Taxas e restrições

Várias medidas para melhorar a experiência da visita a Amsterdã começaram a ser instauradas em 2016, ano em que o governo municipal reconheceu oficialmente o lado negativo da avalanche turística: as chamadas “beer bikes”, por exemplo – estruturas quadradonas que levam várias pessoas pelas ruas para beber cerveja (um tipo de pub sob rodas) –, ficaram proibidas de circular no centro e um acordo foi fechado com o Airbnb para a cobrança de uma taxa turística. As autoridades também tentaram limitar o número de ônibus de turismo estacionados no centro.
Porém, as novas medidas vão mais longe: além do estabelecimento de multas e o maior número de fiscais nas ruas, a campanha publicitária tem como alvo homens britânicos e holandeses entre 18-34 anos. Membros desses grupos demográficos tendem a ir à cidade para se divertir, e respondem por uma grande parte do público nas noites de sexta e sábado.
As propagandas usam imagens comentadas para lembrar os visitantes que beber e cantar alto é perfeitamente legal dentro de um bar, mas incorrerá em multas pesadas se ocorrer no meio da rua. Além disso, a prefeitura promete atingir de jeito a carteira de quem exibir um comportamento reprovável, urinando em público e/ou sujando a cidade.
A cidade recebeu mais de 20 milhões de turistas no anos passado. Foto: Jasper Juinen/NYT
A cidade recebeu mais de 20 milhões de turistas no anos passado. Foto: Jasper Juinen/NYT
“Não queremos meter o dedo no nariz de ninguém porque sabemos que é contraproducente; melhor é ensinar ao público como desfrutar da liberdade a que tem acesso“, explica Camiel Verhey, responsável pela campanha da agência WaveMaker.
A maioria dos comerciais circula on-line, concentrados em sites específicos, voltados para a reserva de voos, opções de acomodação ou consulta sobre o tempo e o clima. A campanha também usa espaço do Facebook e Instagram, além da tecnologia de geo-marca – que utiliza o GPS para mostrar a localização do dono do celular – para enviar mensagens a esses grupos assim que seus integrantes vão se aproximando do centro da cidade.
Os jovens que a iniciativa pretende atingir geralmente viajam com o dinheiro contado; por isso, as autoridades torcem para que os lembretes sobre as multas salgadas e a fiscalização in loco ajudem a melhorar o comportamento deles.
E também apoiam uma abordagem mais natural, menos sofisticada, chamada “Eu vivo aqui”, movimento organizado por moradores de De Wallen que fazem questão de colocar pôsteres nas ruas, entrar em contato com os turistas e conscientizá-los de que nem todo mundo está ali para beber e festejar.
“Muitas vezes é simples; o turista realmente não percebe que tem gente de verdade morando ali“, afirma Edwin Schölvinck, um dos organizadores do grupo e antigo morador do bairro.
E embora reconheça que alguns turistas precisam se comportar melhor, admite que não quer que deixem de visitar o bairro. “Eu gosto dos visitantes e da ideia de que tem gente disposta a pagar para vir até aqui se divertir.”
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