Turismo

Com a estratégia certa, dá para usar milhas e viajar “de graça” pelo mundo

Rafael Costa
10/07/2017 10:40
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Vicente Frare faz ao menos uma viagem por ano no Brasil e ao exterior usando milhas. Foto: Acervo pessoal

A lógica é simples: você faz viagens e compras, ganha pontos, junta vários deles e depois troca por mais viagens e compras. Mas a verdade é que, na prática, não é tão fácil assim desfrutar de maiores vantagens dos programas de fidelidade das companhias aéreas (leia-se “viajar de graça”). O sistema cresceu nos últimos anos e as fontes para os pontos aumentaram, mas a quantidade de milhas necessárias para resgatar passagens também subiu. Mas é preciso tempo e dedicação para multiplicá-las.
“Só prestando atenção e usando as artimanhas é que a coisa funciona de verdade”, ensina Vicente Frare, editor do site de viagens TravelVince. O curitibano faz ao menos uma viagem por ano no Brasil e ao exterior usando milhas — em 2017, já passou por Indonésia, Nova Zelândia, Inglaterra e França, e ainda vai a Portugal no fim do ano. Mas reconhece: “dá muito trabalho”.
Tiago Trindade, gerente comercial do site de venda e compra de milhas aéreas Central Milhas, tem uma avaliação parecida. “Quem quer viajar tem que ficar atento e ler bastante. Há muitos detalhes e macetes para usar bem as milhas”, diz. “Mas tem muitas estratégias que, se bem aplicadas, permitem que as pessoas consigam viajar para muitos lugares do mundo de uma forma muito barata.”
Um método eficiente de acúmulo de milhas envolve desde mudanças de hábitos nas finanças pessoais, como o uso do cartão de crédito para concentrar gastos, até o monitoramento constante de promoções e um bocado de matemática. O Viver Bem conversou com Frare e especialistas do mercado de programas de fidelidade para descobrir como tirar o melhor proveito deste sistema.
Veja as principais orientações:
1. Entre no jogo
Faça o cadastro em um programa de fidelidade e comece a juntar pontos, mesmo que você ainda não entenda muito bem como eles podem beneficiá-lo no futuro. A recomendação parece óbvia, mas a avaliação do setor é que os brasileiros ainda exploram pouco este mercado. A Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização (ABEMF) estima que a penetração dos programas de fidelidade no Brasil está em torno de 8% a 10% da população.
“Em mercados maduros, ela chega a 45%”, diz Roberto Medeiros, presidente da associação.
Não é um privilégio para quem viaja. “Antigamente, os programas de fidelidade eram basicamente para quem voava numa determinada companhia e resgatava. Hoje, esta é só mais uma fonte”, explica Medeiros, referindo-se o fato de que apenas 13% dos pontos emitidos no primeiro semestre de 2017 no setor de fidelidade vieram de viagens (no sentido oposto,  77% dos pontos foram trocados por passagens aéreas).
As principais fontes para o acúmulo são o varejo, por meio de programas de fidelidade de coalizão como o Dotz, e os cartões de crédito. “Hoje em dia, consegue-se ganhar milhas com tudo, desde o posto de gasolina até gastos com farmácia”, diz Max Oliveira, fundador da empresa de compra e vendas de milhas MaxMilhas.
2. Pague no crédito
O cartão de crédito é a principal ferramenta para acumular pontos hoje. Cada banco tem seu programa. Por exemplo: os pontos gerados nos cartões de crédito do Banco do Brasil e Bradesco vão para o programa Livelo. No caso do Santander, Esfera. É preciso descobrir se o seu cartão de crédito é elegível para estes programas e ativar o cadastro. A concentração de gastos no cartão é uma orientação básica para turbinar pontos sem gastar mais no dia a dia. “Você acumula os pontos usando o cartão para comprar um pão, para pagar boletos, para supermercado”, explica Frare. Neste caso, também é fundamental entender como funciona o acúmulo de pontos em seu cartão — eles podem gerar desde uma até mais de duas milhas por dólar gasto. Alguns têm metas mensais de gastos que podem multiplicar os pontos. “Os clientes devem procurar cartões de crédito que pontuam mais”, sugere Tiago Trindade, da Central Milhas.
3. Escolha a companhia aérea
Se o objetivo final é viajar com milhas, a recomendação é descobrir que companhia tem os voos mais interessantes nas rotas que você quer fazer. É para o programa de fidelidade desta empresa — Smiles (Gol), Multiplus (Latam), Amigo (Avianca) ou TudoAzul (Azul) — que você vai querer transferir os pontos acumulados no cartão de crédito, explica Max Oliveira. Na hora de comprar passagens, também vale a pena optar pela mesma companhia se a diferença de preços for pequena. Pulverizar milhas em vários programas geralmente significa perder boa parte delas, porque os pontos acabam vencendo antes de atingirem valores suficientes para o resgate de passagens. “Um [dos segredos] é escolher uma companhia ou aliança de companhias e tentar voar sempre com a mesma. Às vezes uma diferença pequena de tarifa não compensa trocar de aliança”, sugere Frare.
4. Não transfira ainda
As companhias aéreas são o destino final dos pontos gerados em programas de fidelidade. Depois de transferi-los para um programa de milhagem, você só tem duas saídas: usá-los para resgatar passagens ou vendê-los em sites de compra e venda de milhas, que não são unanimidade no setor (leia mais abaixo). Por isso, a dica é acumular os pontos nos programas dos cartões de crédito, que funcionam como intermediários: dali, a transferência pode ser feita para qualquer companhia aérea.
Também tem hora certa para fazer isso. São frequentes nos programas de fidelidade das companhias aéreas promoções de bonificação para a transferência de pontos — algumas chegam a oferecer 100%. O resultado é que você pode ter milhas em dobro se esperar o melhor momento para transferir. É assim que muita gente consegue multiplicar suas milhas. “Nunca transfira sem bonificação”, recomenda Tiago Trindade, da Central Milhas. “Toda semana tem alguma promoção.”
A desvantagem deste método é a demora para transferir os pontos do cartão para o programa de milhas, que pode levar alguns dias e fazer o cliente perder alguma promoção de ocasião. Neste caso, uma das opções oferecidas pelas empresas é transferência imediata mediante o pagamento de uma taxa em pontos.
5. Pontos têm validade
Segundo a ABEMF, a taxa de “breakage”, que mede a quantidade de pontos ou milhas expirados, está em torno de 17% no país. Como o acúmulo leva tempo, é fundamental entender a validade dos pontos, que costuma ser entre dois e três anos — cada programa tem suas regras. “Eu tenho uma planilha e anoto na agenda o vencimento de milhas com 6 meses de antecedência para dar tempo de programar alguma coisa caso na correria eu perca o controle”, explica Frare. “Já tive que emitir passagem de um dia para o outro porque as milhas iriam vencer no dia seguinte.” Dependendo do regulamento, uma nova data de validade pode começar a valer quando há transferência dos pontos do cartão de crédito para o programa de milhas aéreas.
6. Não troque por sanduicheira
Alguns dos principais programas de fidelidade usam o sistema de coalizão, em que é possível usar os pontos para trocar por produtos como eletrodomésticos. “Essas compras não compensam”, diz Trindade. “Em geral, eles pedem muitas milhas para um produto que poderia ser comprado por um valor menor do que elas valem.”
Procure um destino e faça simulações para lugares que você gostaria de i, assim dá para ir entendo quanto custam as milhas. Foto: Visualhunt
Procure um destino e faça simulações para lugares que você gostaria de i, assim dá para ir entendo quanto custam as milhas. Foto: Visualhunt
7. Pesquise
Você não precisa se tornar um expert no assunto — tem um monte de gente por aí que já é e compartilha dicas na web. Entre as recomendações de Vicente Frare, Tiago Trindade e Max Oliveira, estão os sites Melhores Destinos, Mestre das Milhas e Passageiro de Primeira. Uma das sugestões de Frare é entrar nos sites das companhias e simular viagens “para começar a ficar familiarizado com o assunto, saber quantas milhas custa cada trecho, o que é promoção, o que é uma ‘passagem de milhas cara’ por exemplo”. No mais, os sites dos programas de fidelidade são bastante autoexplicativos, sugere Roberto Medeiros, presidente da ABEMF. “Eles têm muitos tutoriais e explicações sobre como acumular ou resgatar.”
Compra e venda não é autorizada pelas companhias, mas mercado segue crescendo
Tanto a Central Milhas quanto a MaxMilhas trabalham com um mesmo sistema. Elas servem como intermediárias para pessoas que têm milhas acumuladas e querem vendê-las para quem não tem.
Funciona assim: as empresas pagam adiantado pelas milhas dos usuários que querem vender seus pontos. Eles, então, passam as senhas de seus cartões fidelidade para que as elas emitam passagens para outros clientes — de agências de viagens a pessoas físicas.
Trata-se de um mercado paralelo e não regulamentado, que não é aconselhado pela Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização (ABEMF) — para o presidente da organização, Roberto Medeiros, a operação envolve riscos, porque o dono dos pontos precisa dar sua senha para as empresas. O processo também não é autorizado pelos contratos de adesão dos programas de fidelidade das companhias aéreas.
Mas a prática não é proibida por lei, e este mercado vem crescendo, na avaliação de Tiago Trindade, da Central Milhas, e Max Oliveira, da MaxMilhas.
“O crescimento está muito grande. Venho recebendo muitas cotações grandes. Quando abri, há sete anos, isso não existia”, conta Trindade.
Para Max Oliveira, as companhias aéreas também têm a ganhar com este mercado. “O brasileiro ainda viaja muito pouco. Estamos fazendo as pessoas usarem mais o sistema de fidelidade. As companhias aéreas também têm essa missão.”
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