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Licença-maternidade de 1 ano? A ministra Damares está com a razão
| Foto: Agência Brasil

A discussão sobre investimento na família e na primeira infância padece do mesmo mal de todas as discussões fundamentais para o Brasil: o açodamento de quem não entende do tema mas precisa gritar uma opinião que interdite o debate. Ao lançar uma frase de efeito que chamasse atenção para o que quer discutir, a ministra Damares Alves apanhou mais que após o vídeo do Jesus na Goiabeira. As duas situações são semelhantes porque, nos dois casos, quem gritou sabe o mesmo tanto sobre o assunto, quase nada.

Quando se fala a palavra "licença-maternidade", automaticamente pessoas que jamais estudaram o tema nem sabem do custo-efetividade das políticas implementadas em outros países têm 3 reações automáticas:

1. Vai ser mais difícil para a mulher arrumar emprego.

2. As empresas não têm como arcar com as substituições de funcionárias.

3. Não precisamos discutir isso.

Apesar de bradadas como se axiomas fossem, essas frases são ideologia demais e análise de menos, mais do mesmo que temos visto na elaboração de políticas públicas fracassadas. Para começo de conversa, Damares Alves sequer bateu o martelo em tempo, se é só para mulher, detalhes técnicos. Quis apenas abrir a discussão.

“Eu defendo mais tempo da mãe com a criança em casa. E do pai também. Essa realidade do Brasil agora ainda não é. Podemos lutar por isso? Podemos. Vamos ter resistência? Muita. Mas a gente pode trabalhar.” - declarou a ministra ao jornal Folha de S. Paulo.

Sinceramente, não sei se de quanto tempo a licença deve ser nem qual o impacto financeiro disso, mas a discussão séria precisa ser aberta. Quanto tempo mais vamos esperar para voltar os olhos para aquilo que fará do Brasil um país melhor, que é prioridade para a infância e o fortalecimento das famílias? Alguém tem de começar a tirar do papel e colocar na prática essa história.

Temos a necessidade de discutir como a priorização e valorização da família, garantias constitucionais do Estado brasileiro, são efetivadas na prática. Nossa legislação tem artigos belíssimos falando da proteção à mãe e à criança. Na prática, metade - isso mesmo, 50% - das mulheres que têm filhos são varridas para fora do mercado de trabalho após a licença-maternidade. É o que diz pesquisa da FGV feita no ano passado. Não sabemos se uma mudança no modelo mudaria essa realidade, mas sabemos que o atual modelo tem servido para tirar as mulheres do emprego formal.

A realidade é sempre mais complexa e mais chata que as frases de efeito. A pesquisa, que tem base em casos reais, concluiu que aumentar a licença em 2 meses reduz o abandono do emprego logo após o retorno. Mas, surpresa, com o tempo vem o empate: "Algumas empresas vêm possibilitando às funcionárias estenderem a licença-maternidade por dois meses. Para as que tiram seis meses de licença há uma maior probabilidade de continuarem empregadas seis meses após a licença (uma diferença de 7,5 pontos percentuais), mas esta vantagem é reduzida a zero 12 meses após a licença", conclui a pesquisa da FGV.

Outro ponto importante a levar em conta é a estabilidade das famílias. Todo casal que tem filhos sabe o quanto os primeiros meses do bebê podem ser desafiadores e como as novas gerações têm lidado de maneira diferente com esse estágio. Ontem, quando levantei este tema nas redes sociais, diversos homens manifestaram o desejo de poder ter o privilégio de se dedicar aos filhos e outros contaram histórias lindas de como cuidar dos filhos ajudou no casamento e na afetividade familiar.

Não sei qual o modelo correto de licença-maternidade e licença-paternidade para o Brasil, só sei que hoje temos dados para fazer essa análise, coisa que não existia quando foi elaborada a CLT. Por que evitar o debate?

A licença-maternidade foi um direito instituído pela Consolidação das Leis Trabalhistas, em 1943, atendendo uma sociedade diferente, famílias diferentes e uma lógica de administração pública completamente diferente. "É proibido o trabalho da mulher seis semanas antes e seis semanas depois do parto", diz o original do artigo 392. Em 1967 foi mudado para 4 semanas antes e 8 depois. Então mudaram para 12 semanas de vez diante da confusão causada durante anos pelos casos reais. Nem sempre o tempo do bebê atendia ao que desejava a CLT.

Todas as emendas sucessivas sempre foram feitas seguindo uma lógica de colocar a ideologia antes: a mulher deve isso, a mulher não deve aquilo, o Estado deve isso, o Estado não deve aquilo. Não há problema em utilizar esses conceitos se eles vierem respaldados por dados, o que não foi feito nem na última reforma, em 2002. A licença-paternidade então foi incluída na legislação depois que a esposa de um jornalista convenceu um deputado num restaurante, fato que faz parte do anedotário de Brasília.

Hoje, leis desse tipo, que impactam toda a população e várias áreas do governo, são feitas levando em conta o conceito de custo-efetividade, aplicado principalmente nas questões de saúde. Por que não fazer o mesmo com a licença-maternidade?

Custo-efetividade é um conceito um pouco diferente do custo-benefício. O custo-benefício, no caso, seria como conseguir sucesso na implementação de uma política de licença-maternidade com o menor custo possível. O custo-efetividade coloca um adicional na equação: há várias formas de implementar essa política. Qual é a forma que rende mais benefícios efetivos, segundo dados empíricos? É a partir dessa escolha que se acha a forma mais vantajosa de custeio.

Temos os dados da área do trabalho, da previdência, da saúde, da educação, dos casamentos e divórcios, do custo de segurança decorrente de famílias desestruturadas, da nova dinâmica dos lares brasileiros. Além disso, o século XXI nos trouxe formas muito mais rápidas de cruzar esses dados e avaliar experiências-piloto. Por que evitar a discussão? Vários países mudaram seus sistemas de licença-maternidade e paternidade após verificar que regras feitas com base em ideologia não se ajustavam à realidade da vida. A Espanha, por exemplo, está fazendo uma transição agora.

Nessa, eu sou #TeamDamares. Não há país do mundo que tenha saído da latrina econômica, política e moral em que nos encontramos sem um investimento maciço em Educação e apoio real para as famílias. Nossos políticos, que deveriam cuidar disso, transformaram a política em uma rinha de galo infinita. Alguém precisa bater na mesa e lembrar que o Brasil de verdade não tem tempo para bate-boca.

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