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O astrólogo que influencia um presidente da República
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Com a vitória de Alberto Fernandez contra Mauricio Macri nas prévias das eleições presidenciais argentinas, nossas redes sociais foram coalhadas com especialistas em política argentina e índice Merval. O partido do vencedor é o mesmo da ex-presidente Cristina Kirschner, o Peronista.

O presidente Jair Bolsonaro já previu um cenário catastrófico em que a Argentina vira a Venezuela e o Rio Grande do Sul se torna uma nova Roraima recebendo refugiados. A ex-presidente Dilma Rousseff já saiu soltando rojões comemorando a volta da esquerda histórica ao poder. A internet enlouqueceu com esses Peronistas, a esquerdalha da vizinhança.

Estivéssemos mais preocupados em aprender do que em brigar com desconhecidos, fôssemos menos viciados pelos algoritmos das redes sociais, descobriríamos uma história interessantíssima da política argentina que pode servir de lição para o Brasil. Se os tolos não aprendem nem com os próprios erros, os sábios podem aprender até com os erros alheios.

Se hoje os peronistas realmente são aliados à esquerda brasileira, especialmente ao Partido dos Trabalhadores, não é aí que foram fincadas suas raízes. Juan Domingo Perón foi um general e a maior liderança política de seu país no século XX. Teve três mandatos presidenciais agitados e passou por diversos conflitos, chegou a ficar 18 anos exilado. Retornou para ser presidente uma última vez e morrer no cargo, que ocupava desta vez sob os conselhos de um guru, "El Brujo", José López Rega, símbolo da luta contra o comunismo no país, morto há exatos 30 anos.

O peronismo tinha a ala de esquerda e a de direita. El Brujo fundou a Triple A, Alianza Argentina Anticomunista que, no final das contas, acabou ganhando apoio presidencial. O problema é que essas atividades anticomunistas também incluíam atentados e assassinatos encomendados de pessoas específicas enquanto o presidente se vendia como homem que iria unificar um país polarizado.

López Rega ganhou a confiança do casal presidencial bem antes da última eleição de Perón, quando ele ainda estava no exílio. Maria Estela "Isabelita" Martínez de Perón tinha muito interesse no espiritismo e conheceu seu futuro guru numa sessão espírita na casa de um integrante da esquerda peronista. Isso foi em 1965. Em seguida, "El Brujo" já se mudou para a Espanha onde acabou virando secretário particular do casal.

Quando Héctor José Cámpora foi eleito, em 1973, Perón enviou López Rega para ser ministro do Bem-Estar Social, posto que foi utilizado para combater políticas propostas pelas alas de esquerda do governo. Eleito novamente o general Perón, no mesmo ano, virou homem de confiança absoluta, tendo inclusive controle sobre quem poderia ter acesso ao presidente. A influência era forte e ele era praticamente uma sombra do casal presidencial.

Apesar de receber tanta confiança do político mais influente de seu país, a especialidade de El Brujo era ajudar a fomentar e tomar medidas que causavam o caos no governo e indispunham o casal presidencial com meio mundo. Um exemplo é a festa que preparou na volta definitiva de Perón à Argentina: seu Triple A fuzilou a ala de esquerda do peronismo que havia ido fazer a recepção no aeroporto. 13 pessoas morreram, todos peronistas. Pense num começo de governo tranquilo.

O que surpreendeu os apoiadores do general Perón é que ele não contrariou seu guru nem depois da carnificina que ficou conhecida como "Massacre de Ezeiza". Continuou seguindo os conselhos inflamatórios nas mais diversas alas. López Réga era um tipo de guru muito polido no vocabulário mas pouco dado a respeitar a vida alheia.

Seu grupo divulgou, em 1974, uma lista de pessoas que deveriam ser assassinadas porque apoiariam ideais comunistas. Além de guerrilheiros, o grupo era formado por professores, jornalistas, políticos, sindicalistas e até militares. Muitos deixaram o país, que ficou mergulhado no terror. Se eles matavam até os peronistas que comemoravam a volta de Perón do exílio, avalie o que não faziam com opositores.

Isabelita Perón era vice do marido, que completava 78 anos, a maioria deles dedicados a duras batalhas políticas. Naquele mesmo 1974, infartou. El Brujo, que dizia já ter ressuscitado Perón duas vezes - sim, os gurus sempre têm razão - insistiu que os médicos saíssem e o deixassem tentar mais uma vez.

A tentativa de ressuscitar Juan Domingo Perón era segurando os calcanhares do cadáver e gritando "Acorda, meu Faraó". Não deu certo e El Brujo colocou a culpa nos médicos, que o teriam atrapalhado porque o impediam de se concentrar. Nem assim a terceira esposa do general deixou de confiar no guru.

Ela teve de assumir a presidência da República e, já no anúncio da morte do presidente, a imagem mostrava que cartas seriam dadas. Uma chorosa Isabelita falava da morte do marido e de seu novo desafio sentada em uma cadeira colocada atrás de uma escrivaninha. Atrás dela, chorando também com a mão em seu ombro, estava López Rega. Foi exatamente assim que ela formou ministério, tutelada por ele.

Todos os ministros foram indicados por El Brujo, que já era muito poderoso no governo do marido e passou a ser todo-poderoso no governo da mulher. Acontece que as medidas propostas por ele eram até muito bem aceitas pelos mais radicais mas, como acontece com todos os extremismos, colapsam o país.

A política econômica do indicado do guru, Celestino Rodrigo, derrubou o governo em apenas um ano. Falastrões mas incompetentes, arrastaram o país para uma inflação galopante e a crise econômica levou o povo às ruas. Os argentinos deram à crise o nome de "Rodrigazo", em homenagem ao pupilo de El Brujo.

A reação foi tão forte que López Rega fugiu para a Espanha. Em 1976, um golpe cívico-militar depôs Isabelita Perón. O novo governo pediu a extradição de El Brujo para que prestasse contas dos crimes que cometeu. Ele ficou fugido por 10 anos e foi preso pela justiça dos Estados Unidos, quando voltava das Bahamas para Miami.

Foi julgado e condenado por associação ilícita, sequestro e assassinato. Não chegou a receber a sentença. Morreu de diabetes em 1989, enquanto aguardava em prisão preventiva, aos 72 anos. Até hoje tanto sua personalidade controvertida quando sua atuação mística permeiam a ficção argentina.

Aqui no Brasil, no entanto, El Brujo recebeu sua grande homenagem artística. Janete Clair se inspirou nas presepadas dele para compor a inesquecível "O Astro", estrelada por Francisco Cuoco no papel de Herculano Quintanilha. Dono de um magnetismo forte e de profundos conhecimentos astrológicos e místicos, tem um passado que ninguém conhece direito. Depois de causar tragédia na vida de quem se inspira nele, tem um final melhor: vira guru de um governante latino-americano.

Não sabemos se a vida imita a arte ou se a arte imita a vida. Sabemos no entanto que nós, como povo, não aprendemos nem com a vida nem com a arte. Fazer a mesma coisa esperando resultados diferentes é, segundo Albert Einstein, insanidade. Para nós, se chama rotina.

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