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Por que é urgente a CPI dos Crimes Cibernéticos
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A gritaria dos perfis falsos e milícias digitais contrárias à investigação dos crimes que perpetram quase impunemente até agora me lembra dias da juventude, o ambiente fervilhante das CPIs que desmontaram o Mensalão e o mito da pureza petista. Protocolada ontem, com 246 assinaturas de deputados e 48 de senadores, a CPMI do Cyberbullying e Fake News, proposta pelo deputado Alexandre Leite (DEM-SP), tem tudo para derrubar o mito da espontaneidade de perfis anônimos.

O deputado Alexandre Leite (DEM-SP) apresenta o requerimento protocolado da CPMI dos Crimes Cibernéticos ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre
O deputado Alexandre Leite (DEM-SP) apresenta o requerimento protocolado da CPMI dos Crimes Cibernéticos ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre

Para quem não vive mergulhado no universo da política online, principalmente para quem tem fugido de discussão ultimamente, pode parecer exagero. Infelizmente não é. Como as grandes plataformas de redes sociais vivem de cliques e de audiência, pouco fazem para evitar os comportamentos criminosos e geralmente se esquivam quando cobradas, dizendo que não são responsáveis pelas postagens.

O artigo 5o da Constituição Federal em seu inciso IV diz que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". Apesar de operarem no Brasil, sabendo que não podem dar o escudo do anonimato a quem quer que seja, as plataformas assim o permitem. Meu palpite para o motivo é um só: porque elas podem.

Seria perfeitamente possível exigir e confirmar a documentação civil de quem faz um perfil, como já fazem todas as plataformas de comércio eletrônico.

Dessa forma, ainda que a pessoa optasse por um pseudônimo porque não tem coragem de dizer o que pensa no círculo profissional ou social, não seria uma manifestação anônima, ao arrepio da lei. Caso cruzasse a linha entre a liberdade de expressão e os crimes que se podem cometer em nome dela, a pessoa responderia por eles.

Hoje, quem quer o anonimato por falta de coragem de assumir ser quem é deixa espontaneamente seus dados corretos na plataforma. Já quem quer usar do anonimato para cometer crimes coloca dados falsos e se escuda na tecnologia para eliminar a possibilidade de rastreamento da origem das postagens. São esses perfis os alvos principais da CPMI.

As pessoas são livres para fazer tudo, até delinquir. No entanto, sendo adultas, têm a obrigação de arcar com a consequência de seus atos. É dessa segunda parte que os escudados no anonimato se exoneram, o sonho dourado de todo bandido. Diz o requerimento da CPMI:

O documento cita o fenômeno da propagação de "robôs". Políticos de todos os espectros gostam muito de ridicularizar a expressão numa tentativa patética de fugir às responsabilidades. A hora chegará. Não são robôs no sentido literal, mas contas em redes sociais criadas aos montes, ao mesmo tempo, por um software específico que coloca nome, foto, apelido. Parecem contas legítimas, algumas fazendo postagens automáticas e outras controladas por pessoas que não se identificam publicamente.

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Se uma única pessoa postar algo talvez não chame sua atenção. Mas e se mil postarem ao mesmo tempo e aparecer na sua timeline? Muda de figura. Ocorre que, num cenário em que as redes não exigem identificação do usuário, essas mil contas podem ser um punhadinho de pessoas.

Um estudo da FGV mostra que, nas eleições de 2014, mais de 10% das interações no twitter foram feitas por robôs. 20% dos debates entre apoiadores de Dilma Rousseff eram iniciados por robôs. E também 20% dos debates entre apoiadores de Aécio Neves. Uma pergunta: qual o peso desse debate artificial nas eleições? Talvez jamais saibamos, mas é certeza que não se pode ignorar o fenômeno.

O requerimento da CPMI diz que a maneira como esses robôs são operados, de forma a fomentar debates que aniquilem adversários de alguém, é típica das organizações criminosas. No entanto, uma ponderação é importante: nem sempre o maior interessado é o organizador do esquema. Há apoiadores que montam suas redes porque têm determinado interesse ou por vocação criminosa.

Nesse mecanismo em que uma pessoa controla centenas de perfis anônimos que agem impunemente contra seus desafetos, temos a interdição do debate público. Quem diga algo que desgoste esse grupo terá uma resposta à imagem e semelhança daquela dada pelo crime organizado: vão se unir e utilizar todas as armas que têm para destruir a pessoa de todas as maneiras.

Repare em qualquer linchamento virtual: boa parte dos participantes tem nomes com diversos números, não tem foto ou coloca uma foto que não é a própria, esconde o próprio nome.

Há quem vá dizer, cinicamente, que os incomodados devem procurar o Poder Judiciário. Falam isso para parecer morais quando defendem a mais aberta impunidade, que está diante dos olhos de todos. Se duas pessoas resolvem montar 200 perfis e passar o dia inteiro dizendo, por exemplo, que alguém defende pedófilos, como essa pessoa obterá reparação? Não terá.

Judicialmente, precisa armazenar de maneira correta cada uma das ofensas e fazer um boletim de ocorrência diferente para cada autor anônimo, pedindo que sejam quebrados os sigilos. Quase sempre, essas pessoas usam mecanismos tecnológicos para mascarar a origem de suas atividades, passando por provedores em outros países. O processo empaca. A vítima perde tempo, dinheiro e saúde enquanto o crime vence.

O requerimento da CPMI é muito preciso ao apontar que não se trata de pesar a mão sobre quem publicou algo que entendeu de maneira errônea ou falhou na divulgação de algum dado. Trata-se de combater esquemas, pagos ou não, de assassinato de reputações, ameaças e incitação à violência, que atendem interesses ou desejos sádicos.

Também são alvos da investigação os chans, fóruns anônimos às vezes colocados na deep web, onde o freio moral simplesmente não existe. Há todo tipo de cena violenta e uma glamurização de atos bárbaros. É comum que mulheres sejam chamadas de "depósitos", já que são vistas como receptáculos de sêmen, não seres humanos. Quando um participante indica querer cometer suicídio, é incentivado a fazê-lo após abater um "depósito" e já há diversos casos concretos, infelizmente.

Quando têm seus nomes divulgados, essas almas atormentadas capazes de cometer crimes bárbaros são elevadas ao status de heróis por toda uma comunidade de pessoas altamente frustradas que se considera um grupo de gênios incompreendidos pela sociedade.

Esse tipo social, o frustrado revanchista, sempre existiu. A diferença agora é que eles conseguem se reunir, discutir anonimamente e fingir que são bem mais numerosos que a realidade.

Não podemos falar em democracia quando a emissão de uma opinião sujeita a pessoa a ter sua vida destruída por grupos que se escudam no anonimato para espalhar mentiras e fazer ameaças. Isso está acontecendo, é mais comum do que se pensa e, mais grave, quase sempre fica impune.

É o fim da impunidade que coloca em pânico quem já perpetrou os crimes. Tanto faz se foi feito na internet ou fora dela, crime é crime. A CPMI tem muito mais facilidade para quebrar sigilos, rastrear pessoas, requerer informações e colher depoimentos. Quem já cometeu os crimes vai gritar apavorado como se estivesse em defesa da "liberdade de expressão".

São justamente esses anônimos os inimigos da liberdade no Brasil. Não há liberdade quando se dá a grupos ligados a gente agressiva o condão da invisibilidade.

É urgente que sejam aprimoradas as relações cibernéticas no Brasil. Não é possível que justamente os grupos mais violentos e capazes de qualquer transgressão moral sejam os mais beneficiados com o advento das novas tecnologias de comunicação. Para que tenhamos liberdade real é necessário conter os que pretendem se unir nas sombras e ganhar pela força, pela ameaça, pela destruição de reputações.

Não descarto a possibilidade, temida por muitos, de que o Congresso Nacional tente aproveitar o debate para cercear a divulgação dos malfeitos de políticos. Sobretudo porque essa legislatura entrou prometendo mudança e está entregando um belo abacaxi. Cabe à opinião pública olho vivo e cobrança para que os deputados que nos representam desempenhem sua função no interesse do povo, encontrando uma forma de enquadrar na lei os que insistem em caminhar fora.

O desafio está lançado em muitos países. Em boa parte deles, a população é quem tem de se agachar aos maus e pagar o pato de um debate público agressivo porque as plataformas das redes sociais vivem de tráfego, de cliques. Esse esquema pode até poluir o ambiente mas gera muito mais cliques do que qualquer coisa lícita. Precisamos evitar a metástase, sufocar esse câncer e colocar o debate público em liberdade outra vez.

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