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Juíza do trabalho mandou empresa que faz entregas mediante a utilização de aplicativo, a Loggi, a contratar com “carteira assinada” os 15 mil entregadores independentes.

Anderson Godz

Desde 2016 Anderson Godz é investidor, conselheiro de administração e advisor para nova economia, projetos e governança corporativa. Autor de livro, criou uma comunidade de governança com mais de 12 mil pessoas. É conselheiro da Gazeta do Povo.

Regulamentação

A legislação é um dos desafios para o avanço de novos modelos de negócio

16/12/2019 20:09
No início de dezembro a justiça paulista penalizou a Loggi em R$ 30 milhões em indenizações, obrigando a companhia a reconhecer vínculo empregatício de seus entregadores. Essa tensão entre questões legais e o avanço empresarial não é nova: desde a Revolução Industrial, que posteriormente incitou alterações nas condições de trabalho, relações se chocam e depois evoluem – hoje, porém, esses ciclos são muito mais velozes e intensos.
Mas não é apenas
a questão legal que gera desafios em contraste aos rápidos avanços de novos
modelos de negócio. São inúmeras as contradições entre equilibrar velocidade e
controle, ética e uso da tecnologia, regulação e interesses de moveholders (não
mais stakeholders), além de empresas-estado e modelos hiperlocalizados de
práticas de governança. Esses exemplos são apenas alguns dos desafios tão
recentes quanto instigantes que estão mobilizando mais de 15 mil pessoas a se
engajar na Comunidade Gonew.co e estudar
profundamente esses aspectos.
Recentemente tive
a oportunidade de conduzir um grupo desta comunidade em algumas discussões em
São Francisco (EUA), berço da inovação (e das contradições!). E mesmo em um
grupo de pouco mais de uma dezena de empresários, investidores e conselheiros
seniores, há visões e provocações distintas. Durante a agenda na Bay Area,
Pierre Roulet, um experiente conselheiro, provocou: “o fiasco recente do IPO da
WeWork demonstra que, a despeito da abundância de recursos disponíveis, algo
falhou na governança”.
Interessante que
outro expert, Michael Fukuda, apontou que “em um país em que leis são cumpridas
e processos são seguidos, governança é algo que sequer se discute tanto”. O
sócio da PwC Sérgio Alexandre Simões encontrou uma possível explicação para a
ponderação; para ele “o mundo está cada vez mais assimétrico, evidenciando
disparidades de oportunidades e desvantagens regionais”.
Já João Guetter,
investidor e conselheiro, não disfarça as inquietudes deste mundo incapaz de
conciliar tamanha dualidade; ele aponta que “enquanto de um lado estão as
maiores empresas tech do mundo e um ecossistema repleto de startups, na esquina
seguinte ainda existem parquímetros com moedas, estabelecimentos que não
aceitam meios modernos de pagamento e uma quantidade significativa de moradores
de rua”.

Velocidade e controle (?)

Um ambiente de
mudanças velozes traz contradições também sobre formas de controle. E cria
desafios que sequer faziam parte da realidade de empresas, negócios e pessoas.
Basta olharmos novamente para o caso da Loggi. A companhia rapidamente cresceu
e em cerca de cinco anos atingiu mais de 79 milhões de consumidores, se tornou
um dos unicórnios brasileiros em meados de 2019, mas de uma hora pra outra pode
ter seu modelo de negócio inviabilizado: a empresa agora está obrigada a
registrar todos os motoboys que trabalham via aplicativo desde o último mês de
outubro, fixar jornada de trabalho de oito horas por dia, oferecer capacete e
coletes, dar descanso semanal, além de proibir prêmio por produção, taxa de
entrega ou comissão.
Claro, o modelo
atrai críticas de especialistas, que apontam que os aplicativos precarizam o
trabalho. Não podemos negar que é comum um entregador de apps como iFood, Rappi
e Uber Eats fazer longas jornadas por dia, diferente das oito horas diárias
previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O CFO do iFood,
Diego Barreto, professor do MasterClass Governança & Nova Economia, admite
que há “espaço para melhorar”, mas em
recente entrevista
faz uma observação no mínimo pertinente: “é difícil acreditar que há
mais de 80 mil entregadores ligados a uma plataforma se a relação entre nós e o
entregador é ruim”. Por outro lado, os trabalhadores elogiam a flexibilidade do
trabalho e a autonomia por ela proporcionada, podendo criar as próprias rotinas
e ritmos de trabalho – e, consequentemente, de renda.
De qualquer
forma, se já é naturalmente desafiador seguir regulações quando se tem um mapa,
imagine interpretá-las quando ele ainda sequer existe - a CLT não parece ser o
melhor mapa para o futuro do trabalho. Por essas e outras, poucas empresas que
crescem exponencialmente fazem isso sem ofender aspectos regulatórios, legais
ou mesmo questões morais.
Podemos concordar
ou não com a decisão da Justiça do Trabalho de São Paulo. Ou ainda divergir das
visões aqui expostas dos experts que estiveram no Vale do Silício. Há motivos
para toda e qualquer defesa e tais divergências mostram duas coisas. Primeiro
que estamos apenas no início dessas contradições. Um segundo ponto é que está
claro que vivemos em um sinal de descompasso entre o ritmo de mudanças nas
novas formas de trabalho e os modelos de regulação e legislação vigentes.
De qualquer
forma, como aponta o empresário Adonai Arruda Filho, que também esteve no Vale,
as incertezas sobre aonde podemos chegar são tão grandes que qualquer teoria
pode ser apenas uma teoria e, por isso, é essencial “estar atento as
ferramentas que o mundo oferece para que possamos melhorar processos, custos e
reforçar a cultura”. Ou seja, para Adonai “uma cultura bem definida já é meio
caminho andado para uma boa governança e pode ser um diferencial que nos
ajudará a driblar a insegurança legal que o Brasil proporciona”. Por fim,
Cristiane Werner, experiente empreendedora, crava: “É preciso rever nossa
economia e nossos negócios para então repensar o país”.

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