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Podemos sair do WhatsApp, mas de que adianta se não desligarmos também a localização do celular, abandonarmos o Google e o Facebook e passarmos a usar um VPN para navegar?

Anderson Godz

Desde 2016 Anderson Godz é investidor, conselheiro de administração e advisor para nova economia, projetos e governança corporativa. Autor de livro, criou uma comunidade de governança com mais de 12 mil pessoas. É conselheiro da Gazeta do Povo.

Segurança da informação

Cerco do Poder Digital vai dos CPFs vazados ao cancelamento do WhatsApp

26/01/2021 21:50
Em um momento no qual informações como CPF, endereço e imposto de renda de 223 milhões de cidadãos são vazadas, aparentemente a partir da base de dados do Serasa, há brasileiros preocupados com outro assunto: o WhatsApp, mensageiro mais utilizado do mundo, começou a enviar uma notificação sobre mudanças em suas políticas de privacidade, deixando muita gente intrigada.
A princípio, todos tinham até 8 de fevereiro para
aceitar os novos termos, mas o prazo foi estendido para 15 de maio. Entre as
mudanças anunciadas, o mensageiro passará a compartilhar os dados de seus
usuários com o Facebook. As duas empresas, além do Instagram, pertencem ao
Facebook, Inc., conglomerado fundado por Mark Zuckerberg, que já falou em uma
de suas reuniões de conselho que algumas das decisões que a companhia precisa
tomar muitas vezes são mais complexas do que decisões tomadas por países.
A informação gerou uma enxurrada de dúvidas e
reações negativas. Como resultado, muitos usuários iniciaram uma verdadeira
debandada para aplicativos similares e concorrentes, como Telegram e Signal. Em
questão de três dias, o app russo foi baixado por, aproximadamente, 25 milhões
de usuários, enquanto o Signal anunciou até novas contratações de funcionários
devido à alta registrada.
O que estamos vivendo, na prática, é um verdadeiro cerco do Poder Digital (ou Quinto Poder, como abordei em minha última coluna).
Podemos sair do WhatsApp, mas de que adianta se não desligarmos também a localização do celular, abandonarmos o Google e o Facebook e passarmos a usar um VPN para navegar?
O Telegram, apontado como uma das principais alternativas ao WhatsApp, não é tão seguro assim. Ao contrário do mensageiro de Mark Zuckerberg, o aplicativo russo — e a Rússia, convenhamos, não é um grande exemplo de transparência de informações — não tem, por exemplo, criptografia de ponta a ponta. Há extensa atuação de bots. E vale lembrar também da Vaza Jato, que expôs conversas realizadas via Telegram.
Há um verdadeiro cerco digital que vai muito além de Facebook, Twitter e WhatsApp. Num momento em que estados, instituições e grandes empresas se veem enfraquecidos e enfrentam sérios desafios ligados à segurança da informação, as novas formas de poder ganham força. E entre os atores que têm se fortalecido estão as big techs, com diversas redes sociais tomando medidas ligadas à curadoria de conteúdo.
Aliás, não apenas redes sociais: diversas outras plataformas também suspenderam ou limitaram conteúdos após o episódio da invasão ao Capitólio dos Estados Unidos, no dia 6 de janeiro. Google Play, Apple Store e Amazon baniram o Parler, rede social alternativa usada por apoiadores do então presidente norte-americano. Plataformas de entretenimento (como o Snapchat) e de pagamentos e e-commerce (como o Paypal) também tomaram medidas contrárias a Trump. Sumarizamos os posicionamentos de mais de uma dezena de empresas digitais em um Gonew Map que você pode conferir aqui.
A preocupação com o avanço desenfreado do Poder Digital é tanta que a concentração desse poder aparece como uma das principais ameaças à sociedade atual na 16ª edição do Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial, lançado por esses dias (e que virou também outro interessante Gonew Map), devido ao seu potencial para gerar polêmicas relacionadas à regulação, liberdade de expressão, livre acesso, entre outras. O documento também aponta a desigualdade de acesso tecnológico, resultado de capacidades desiguais de investimento, poder de compra insuficiente, restrições governamentais e diferenças culturais, como outro risco.
A humanidade sempre viveu em meio a leis de poder obscuras. Infelizmente, o grupo — e agora a tecnologia, a rede ou monopólio digital — que o detém, na maioria das vezes, pode fazer o que bem entender com ele, subjugando todos os outros aos seus objetivos.
No limite, as empresas-estado digitais são novas representações do mesmo problema, e este cerco do Poder Digital é apenas a expressão deste controle para uma vida que praticamente não existe mais apenas no espectro físico.
Resta criarmos caminhos para sair deste cerco.
Mas uma coisa é certa: de nada adianta agir de forma isolada e pontual.
Enquanto milhões de dados são vazados, é inócuo decidir ceder informações a um
novo aplicativo, para fins que não conhecemos e compreendemos completamente, da
mesma forma que não entendíamos muito bem os objetivos do aplicativo anterior.
O próximo grande perigo relacionado ao Poder Digital é criarmos redes e tecnologias que não podemos controlar. A capacidade que ainda temos de permanecer conectados a tantos aplicativos e pessoas precisa gerar mobilizações e respostas mais profundas e duradouras do que, simplesmente, cancelar um ou outro app.

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