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João Doria
João Doria, o arquétipo que não convence o eleitor brasileiro.| Foto: Divulgação

Sai de cena João Agripino da Costa Doria Jr., 64, ex-prefeito da maior cidade brasileira, ex-governador do estado mais rico e empreendedor, mola propulsora da economia do país, líder empresarial e apresentador de TV de sucesso, expelido pelo sistema político que recebeu sua presença a contragosto em 2016. Sai sem votos, sem apoio partidário e sem militância. O que aconteceu com uma das carreiras mais meteóricas e promissoras da política brasileira?

Doria sai de cena, ao menos por enquanto, após um desempenho frustrante nas pesquisas de opinião, uma combinação letal de baixíssima popularidade e rejeição recorde. Ele foi um mau prefeito ou governador? Mesmo seus detratores e inimigos não chegariam ao ponto de questionar sua competência e dedicação como gestor. Esteve envolvido em algum escândalo de corrupção? Não, nem de perto. Seus números desafiam o bom senso e uma visão meramente técnica da sua performance.

Há teorias para todos os gostos. Do lado bolsonarista, a alegação de que teria sido vítima de um lockdown que nunca existiu, terraplanismo eugenista que não tem lastro no mundo real, fora do cercadinho. Do lado lulista, seria o "fim de uma era" de aventureiros e outsiders, o que não explica a popularidade de governadores como Romeu Zema e Cláudio Castro, ilustres desconhecidos até outro dia e que hoje lideram a corrida em dois dos mais importantes colégios eleitorais do país. Quando Doria venceu, no primeiro turno, a eleição municipal de 2016, quem já tinha ouvido falar dos atuais governadores de Minas Gerais e do Rio de Janeiro?

A debacle de João Doria tem explicações menos complicadas do que tentam fazer parecer. Numa eleição em que dois personagens arquetípicos se enfrentam, uma batalha de titãs da história recente do país, não sobra espaço para o elenco de suporte. De um lado, querem nos fazer crer, o novo Vargas, o Lech Walesa brasileiro, o operário e pai dos pobres, do outro o militar, cristão e conservador, defensor dos valores tradicionais ("Deus, pátria e família"). O imaginário popular não necessariamente se preocupa com fatos.

Vivemos uma época de "revolução permanente", um tempo em que as campanhas não cessam nunca. O fim de um ciclo eleitoral é o início do próximo, sem direito a descanso. É tempo dos políticos de tempo integral, de quem não toma uma única atitude sem pensar no resultado eleitoral. É tudo política.

Lula e Bolsonaro foram eficientes na tarefa nada trivial de convencer seus respectivos eleitores de está em jogo uma batalha do bem contra o mal, comunistas contra fascistas, traficantes contra milicianos, uma disputa de vida ou morte pela alma do país. Nesse contexto extremado, quem está preocupado com debates propositivos, discussões de mérito sobre propostas ou debates entediantes sobre como manejar com racionalidade e eficiência do orçamento do Brasil?

Há uma pandemia? É só "não ser marica" e sair para trabalhar, mesmo que não volte ou, voltando, contamine sua família. A gasolina está cara? Demita o presidente da Petrobras. Os investimentos são insuficientes? Estoure o teto de gastos, dê cano nos precatórios. A Lava Jato incomoda políticos? Acabe com ela, anule os processos com chicanas e ainda persiga seus protagonistas. O Congresso tem sede? Orçamento secreto, fundão eleitoral e emendas para quem quiser. A Polícia Federal investigou um parente ou amigo? Troque tantos diretores quanto for necessário. As pesquisas dão resultados incômodos? Culpe o sistema eleitoral e as urnas. Não esqueça, é tudo política.

O momento do país está mais para a Rússia do que para a Suíça. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Em 2018, o chamado "centro democrático" já teve uma votação constrangedora, mas se recusou a tentar aprender com a derrota e dobrou a aposta. Pode colher metade dos votos. O centro agora tem Simone Tebet para perder com elegância. Os extremos agradecem.

Políticos como Doria não combinam com o atual espírito do tempo. Na era das redes sociais, da opinião-miojo formada em três minutos, sai o neocórtex, entra a amígdala. Dickens acreditou que a Revolução Francesa era "o melhor dos tempos, o pior dos tempos, a idade da sabedoria, a idade da tolice, a época da fé, a época da incredulidade, a estação da luz, a estação das trevas, a primavera da esperança, o inverno do desespero" em que "tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós". Não sejamos tão otimistas.

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