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Para ser contra a professora comunista, é preciso ser melhor que ela
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Definir “conservadorismo” não é tarefa para qualquer um, como qualquer autor sério está cansado de saber.

Segundo Russell Kirk, desde o final do séc. XVIII, quando franceses como o Visconde de Chateaubriand começaram a usar o termo para classificar as idéias de Edmund Burke, de quem era admirador confesso, tenta-se explicar o que pensam estes que respeitam e defendem as tradições, a cultura e a sabedoria popular acumulada de uma sociedade contra revolucionários e fanáticos que colocam suas utopias acima das leis, do senso comum, da moral e da ordem.

Conservadores, no sentido “burkeano”, entenderam as lições da história que mostram claramente como revoluções baseadas em abstrações ideológicas começam com belos discursos e terminam inevitavelmente em guilhotinas, paredões e gulags.

Eles são, como diz Roger Scruton, os chatos que têm razão. Conservadores não são necessariamente pessimistas como o próprio Scruton ou Richard Weaver, mas céticos e desconfiados em relação a propostas políticas que querem subverter abruptamente a ordem, os costumes, hábitos e idéias estabelecidas de forma espontânea ao longo de sucessivas gerações.

“Se você quer ordem na sociedade, primeiro é preciso que haja ordem na alma de cada indivíduo.”

Russell Kirk

Se é difícil dizer o que é conservadorismo, mais fácil é saber o que não é.

Como alertou Russell Kirk, “o conservadorismo não é uma ideologia. Ele não dá à luz a fanáticos. Ele sequer tenta criar entusiasmo como uma religião secular”. A explicação para a ausência de fanatismo num conservador, para Kirk, é simples: “conservadores acreditam na alma caída e pecadora de Adão: a natureza humana é composta do bem e do mal e é irremediavelmente falha. A perfeição da sociedade é impossível porque o homem é imperfeito.” Como somos seres imperfeitos, ninguém deve ter poder absoluto sobre outros, especialmente os políticos.

O conhecimento da disposição conservadora estará eternamente ligado às contribuições do pai do conservadorismo moderno, o irlandês Edmund Burke, e suas brilhantes críticas à Revolução Francesa publicadas em 1790, três anos antes do terror jacobino. Ele não só intuiu os desdobramentos genocidas do fervor revolucionário jacobino como articulou como ninguém a explicação dos motivos que iriam levar ao massacre indiscriminado dos anos seguintes, uma posição corajosa e que gerou inimigos ferozes dentro e fora do país.

Edmund Burke (1729-1797)

O autor do clássico Reflexões Sobre a Revolução na França entendeu que as origens da pulsão genocida de Robespierre, Danton, Marat e seus seguidores não estão na política, mas na alma dos que permitiram que se matasse violentamente mais de 40 mil compatriotas num período inferior a cinco anos pelos motivos mais banais e estúpidos. Tudo em nome da “liberdade, igualdade e fraternidade” e dos “direitos do homem”, claro.

Numa tentativa declarada de zerar o passado e recomeçar a França a partir da “razão” revolucionária, os jacobinos foram radicalizados por idéias pervertidas como as de Jean Meister, um atormentado clérigo ateu (!) que escreveu: “o homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre”. Como ideólogos como esse, o que poderia dar errado?

“O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre”

Jean Meister

Burke acreditava na existência de uma “natureza humana” que nos caracteriza e une, construindo os laços de confiança que viabilizam a cooperação voluntária, a solidariedade e a vida em sociedade. É esta nossa “imaginação moral” que fornece, entre outras tendências, uma aversão “natural” à crueldade e à injustiça, algo que não precisa ser imposto, apenas cultivado, para que as virtudes vençam os vícios em cada indivíduo.

No ensaio Em Busca do Equilíbrio, João Pereira Coutinho cita Burke para explicar como este instinto humano básico gera “afeições naturais” que permitem que tenhamos um interesse genuíno pelo bem estar do outro, reconhecendo imediatamente quando alguém sofre uma injustiça ou crueldade. É um sentimento gravado em nossas almas e que, dirigido pela razão, estará “sempre certo” independente do contexto.

Ao reconhecermos a idéia da natureza humana burkeana como uma concepção universal de princípio, temos uma ferramenta moral indispensável para impor à ação política um “mínimo moral” que serve como linha de corte inicial para tudo e todos. Foi esse limite que os jacobinos desrespeitaram em nome de um projeto político, despertando a indignação e a oposição de Burke.

Hugo Cecil, citado por João Pereira Coutinho no ensaio mencionado acima, explica: “os princípios políticos têm de conformar-se com algum padrão de bem e mal. Antes de podermos sequer começar a considerar como formular uma regra determinada de conduta política, precisamos ter uma visão clara do padrão pelo qual deveremos julgá-la”.

Civilizações viáveis, funcionais, estáveis, duradouras e prósperas são baseadas neste “capital social”, em valores morais e culturais partilhados livremente, como explica Alain Peyrefitte em A Sociedade de Confiança. A moral, a ética e a natureza humana vêm antes da política.

Chocado com a bestialidade das massas transformando as ruas de Paris em rios de sangue, Burke saiu publicamente contra o modismo revolucionário que começava a tomar conta da Europa com uma crítica devastadora aos jacobinos quando os desdobramentos da revolução ainda não eram tão claros, dando as bases intelectuais e filosóficas para a luta conservadora na política até os dias de hoje.

Em resumo, Burke defendeu que os princípios da política devem ser construídos a partir de fundamentos éticos sólidos e respeitando a “natureza humana” e as instituições, numa clara contraposição à idéia maquiavélica de que vale tudo pelo poder. Para ele, os princípios cristãos servem de base para a sociedade civil como entendemos hoje, tema desenvolvido pelo historiador Christopher Dawson em obras indispensáveis como “Progresso e Religião“. Burke foi lido por John Adams, Alexander Hamilton, entre outros pais fundadores da América, causando um impacto profundo na formulação das idéias que criaram o país mais livre e próspero da história da humanidade.

“O temperamento do povo que lidera deveria ser o primeiro estudo de um estadista.”

Edmund Burke

Sua crítica à Revolução Francesa, baseada na comparação direta que faz com a Revolução Gloriosa britânica ocorrida no século anterior, previu que a erosão dos sentimentos morais mais básicos dos franceses levaria à anarquia e depois à ditadura, uma análise que veio a ser evidentemente comprovada pelos fatos. A “loucura metafísica” dos jacobinos, nascida de uma visão torta da “razão” e que negava a natureza humana, não teria como causar nada diferente do que a barbárie que se viu nos anos seguintes.

Numa frase antológica sobre Jean-Jacques Rousseau, ídolo máximo de Robespierre, Burke alertava sobre os que “amam a humanidade mas detestam o próximo”. Como ele poderia levar a sério as idéias de Rousseau sabendo que seus cinco filhos foram dados ao nascer, um a um, para um orfanato com uma taxa de mortalidade tão alta que a possibilidade de terem sobrevivido é próxima de zero? A defesa de princípios abstratos de liberdade, direitos e justiça nunca poderá ser aceita ou tolerada como uma substituição hipócrita e dissimulada às virtudes individuais descritas por Aristóteles e pela doutrina cristã.

Nesta segunda, a professora catarinense Marcia Friggi, 51 anos, publicou fotos da agressão que sofreu de um marmanjo de 15 anos em sala de aula e ganhou as manchetes do país. A cada declaração da vítima, mais certeza de que se trata de alguém que abraça as idéias desprezíveis e abjetas de extrema-esquerda que tanto contribuíram para o caos da educação brasileira, da impunidade de jovens agressores e do clima de guerra da política atual, especialmente nas redes sociais.

Enquanto militantes radicais travestidos de professores forem maioria nas salas de aula, o Brasil dificilmente retomará o caminho do crescimento sustentável e para todos. Em postagens mais antigas nas redes sociais, Marcia revelava um temperamento radical e desprezível. Declarações feitas após o episódio reforçaram a péssima impressão sobre o que ela pensa e defende politicamente, o que fez com que surgissem reações de gente dizendo que ela “mereceu” a agressão, que seria “lei do retorno”.

Marcia aproveitou o episódio, como era de se esperar de alguém com sua visão torta de mundo, para avançar a agenda política que explica grande parte da violência que sofreu. Ela é uma amostra perfeita da necessidade de iniciativas como o Escola Sem Partido, enquanto seu agressor é mais um triste exemplo de como o famigerado Estatuto da Criança e do Adolescente serve apenas para fomentar a impunidade e o caos que tanto animam espíritos protojacobinos como o dela. Marcia, que se diz feminista, ainda tentou usar o crime do qual foi vítima para relativizar e politizar um crime contra a mulher.

Dito isso, ela é uma mulher de 51 anos covardemente agredida por um adolescente. Ponto. Se Marcia politiza a agressão para fazer proselitismo de extrema-esquerda, quem usa o mesmo episódio para fazer a defesa de bandeiras políticas contrárias sem antes se indignar com o crime em si não é melhor que ela. Quem diz “apanhou foi pouco” tem uma alma tão corroída quanto a dela e não representa uma alternativa viável ao projeto de poder que Marcia apóia.

A política conservadora não quer, nunca quis ou vai querer, trocar idiotas, boçais e intolerantes de esquerda por outros idiotas, boçais e intolerantes que se dizem contra a esquerda, erro em que muita gente caiu nos anos 20 e 30 ao acreditar que Mussolini e depois Hitler seriam alternativas ao comunismo stalinista. Na mesma época, Winston Churchill não se deixou enganar e depois esteve à frente das forças que lutaram contra o fascismo e o nazismo na maior de todas as guerras.

O combate ideológico contra Marcia Friggi e similares não é apenas necessário, é urgente. Ela pode e deve ser avaliada pela sociedade sobre como exerce a sagrada missão de formar novas gerações de brasileiros e, se comprovado que usa sua autoridade em sala de aula para doutrinação ideológica, que seja responsabilizada por isso exemplarmente.

O desastre educacional brasileiro, causado em grande parte pela perversão do papel do professor por militantes radicais que negam ao jovem a oportunidade de uma inserção no mercado de trabalho ao não fornecer a eles um ensino de qualidade, é uma das mais importantes e urgentes bandeiras da sociedade brasileira.

“Se você não for tolerante com o inimigo, vai ser com quem?”

(Olavo de Carvalho)

Nada disso se confunde com a repulsa moral, sem relativismo ou atenuantes, ao crime cometido pelo adolescente e que emerge da natureza humana descrita por Burke. Quando a luta política se sobrepõe aos sentimentos morais básicos, quando a ideologia é mais forte que a solidariedade, é hora de parar e fazer uma profunda reflexão sobre o atual momento da alma brasileira. Sem alternativas políticas que representem valores morais e éticos mais elevados do que os dos políticos atuais e seus seguidores, do que adianta lutar por mudança?

Para lutar contra os políticos e as idéias que Marcia Friggi defendeu nas redes sociais, precisamos buscar alternativas reais ou não são alternativas, apenas novos nomes de um jogo em que o país sempre perde no final. Um jogo que nenhum conservador deveria jogar.

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