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André Pugliesi
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Memória

Foi o goleiro Gerson, do Coritiba, quem me ensinou tudo sobre música

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André Pugliesi
14/01/2020 19:04 - Atualizado: 29/09/2023 23:15
Foi o goleiro Gerson, do Coritiba, quem me ensinou tudo sobre música
| Foto: Arquivo

Foi um goleiro do Coritiba quem me ensinou tudo o que eu sei sobre música. Embora eu nunca tenha me ligado que ele era ele e, logo, que um dia – à época, não muito distante – aquele cara havia defendido a meta no Major Antônio Couto Pereira trajado elegantemente em cinza, verde e amarelo.

O Gerson, sobrenome Dall’Stella, morreu no último sábado (11). Toda morte é trágica, mas a dele contou, ainda, com o elemento da surpresa, o que exacerba o drama. Com somente 58 anos, o ex-atleta profissional foi vitimado por um mal súbito. E foi.

Nascido em Curitiba, o arqueiro do Coxa – campeão brasileiro em 85, como reserva de Rafael – foi titular do time que os coritibanos, na faixa dos meus 40 anos, juram ter sido o melhor conjunto alviverde que eles assistiram. A máquina de 89, dos campeões paranaenses Osvaldo, Chicão, Carlos Alberto Dias e o esguio extraclasse Tostão, entre outros.

Um time que foi, mas que, também, ficou marcado pelo que poderia ter sido. Poderia ter sido, só quatro anos depois da glória suprema, campeão nacional, não fosse uma barbeiragem tremenda que começou num W.O. em Juiz de Fora, invadiu a Justiça Comum e desembocou numa patifaria inescusável da CBF.

Tudo bem confuso, mais ou menos como a minha história com o Gerson. Eu sempre soube quem era o Gerson. Eu tinha a figurinha do Gerson no álbum da Copa União e, ali pelos 10 anos de idade, o futebol ocupava – como ainda ocupa, por outros motivos – quase 100% da minha existência.

Agora, o que eu não sabia, e fui saber muitos anos depois, era que aquele cara, o dono da minha loja preferida de CDs na cidade, era o Gerson. Nem o Gerson como apenas Gerson, pois não sabia o nome daquele homem atrás do balcão. E, menos ainda, como Gerson, então ex-goleiro do Coritiba, que eu sabia quem era, mas não que era o proprietário.

Como já disse, e repito, eu conhecia o Gerson do Coxa. Pelas razões já apresentadas e, especialmente, porque o camisa 1 alviverde foi personagem fundamental, ainda que como coadjuvante, da passagem, talvez, mais excêntrica dos mais de 90 anos do principal clássico local, o Atletiba.

Eu estava lá, naquele 8 de agosto invernal de 1990, no Alto da Glória. E tudo decorria dentro da média quando, simplesmente: aconteceu. O Coritiba vencia o Athletico, então Atlético, por 2 a 1, e a taça daquele Estadual, não tivesse acontecido o que aconteceu, aparentemente sairia do gramado diretamente para a sala de troféus dos anfitriões.

Mas a cobrança de um lateral driblou o destino daquela tarde e, quem sabe, o trajeto da humanidade. A reposição foi, ao menos, o primórdio de tudo. Odemílson, do Furacão, catapultou a bola pra dentro do bunker alviverde e, com o uso das mãos, foi o último toque na bola de um atleta visitante até o grave epílogo.

Quando a esfera se preparava para pousar na área, densamente povoada, Serginho – conhecido por Cabeção, apelido que ganhou por causa da cabeça avantajada e não exatamente por conta do lance – enfiou o cocuruto nela. A bola foi para trás e o zagueiro Jorjão tentou afastar, sem conseguir afastar o perigo.

Foi quando apareceu Berg. E então, o zagueiro – autor do segundo gol do Coxa do jogo, o que poderia ser o do título – cometeu o lance da danação absoluta para os coxas-brancas. Ao tentar recuar, de cabeça, com um toque sutil, amortecido, razoavelmente calculado, Berg empurrou contra as próprias redes: 2 a 2, Athletico, então Atlético, campeão.

E quem era o goleiro do Coxa? Gerson. E o que fez Gerson? Nada, completamente envolvido pelo pinball na área. E o que poderia ter feito Gerson? Possivelmente o que fez, nada. O fato é que o camisa 1 também ficou manchado pelo bizarro lance. Mesmo que menos, muito menos, do que Berg, até hoje, e pela eternidade do Atletiba, conhecido como "Berg, aquele".

Gerson jamais pegou pilha com a tiração de sarro, que não deve ter sido pouca, fleuma que só os grandes têm. Curtia relatar, ainda, igualmente bem humorado, outras desventuras de boleiro. E você sabe que ser goleiro nunca foi, não é, nem jamais será, para qualquer um. Na infância, é a posição que ninguém topa. E no profissionalismo, é missão das mais difíceis e mal remunerada.

Mas Gerson foi inesquecível para mim mais ao longo da segunda aventura que abraçou na vida. Mesmo que eu não soubesse que era ele e, infelizmente, jamais vá conseguir agradecer. Luvas penduradas, precocemente, aos 32 anos, ele empenhou todas as economias da carreira numa loja de CDs, ali na largada dos anos 90, uma trepidante novidade no mercado musical brasileiro.

E a CD Club foi a melhor loja de todos os tempos da cidade, na minha bastante pretensiosa avaliação. Abriu no Omar Shopping e, logo, migrou para o Shopping Curitiba. E lá no piso inferior, eu gastei muito dinheiro, especialmente o que eu não tinha.

A CD Club tinha a melhor curadoria de títulos, qual fosse o gênero. Não sei quem era o selecionador, se o próprio Gerson que, descobri anos depois, era fã inveterado de rock clássico, ou os atendentes da loja, descolados como os jovens curitibanos de classe média da época, frequentadores de shows e bares daquilo que, alguns, reputaram como uma “cena”.

Lá, no subsolo do antigo quartel do Exército, descobri dezenas de bandas, todas ligadas, próxima ou remotamente, ao que se classificava como "música alternativa", aquele tipo de som pra quem gosta de achar que é diferente dos outros. Foram inúmeras viagens, em pé, numa das estações de audição, nos fundos, após pedir para que um dos atendentes rompesse as caixinhas, numa espécie de cesariana com um estilete para cortar o invólucro em plástico.

Facilmente, comprei mais de uma centena de CDs na loja, contando com o embalo do Real forte, avanço econômico do país que pôs os discos importantes, especialidade da CD Club, em condições de compra para um mero estudante. E por todo esse tempo eu não soube que o Gerson era o dono da loja. Não o Gerson grande goleiro do Coritiba.

Se o João, Bruno ou Paula, os filhos do Gerson, lerem o meu texto, saibam que o pai de vocês, que também foi jornalista esportivo como eu, foi quem me ensinou quase tudo sobre música. Mesmo que ele não soubesse disso.

Descanse em paz, Gerson.

Gerson, em ação na rádio. Divulgação.
Gerson, em ação na rádio. Divulgação.

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