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“Quando deixarão de ser animais?”, pergunta Petraglia, sobre briga de torcidas. Eu respondo

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André Pugliesi
19/08/2019 02:13 - Atualizado: 29/09/2023 23:25
“Quando deixarão de ser animais?”, pergunta Petraglia, sobre briga de torcidas. Eu respondo
| Foto: Gazeta do Povo

O triunfo do Athletico sobre o Atlético-MG, 1 a 0, no sábado (17), pelo Brasileirão, acabou manchado por episódios de violência fora da Baixada, logo na partida que marcou o fim da pitoresca "torcida humana" e, assim, o retorno dos visitantes ao estádio no, digamos, modelo tradicional.

Elementos identificados como atleticanos debulharam com pedras e, aparentemente, barras de ferro, um Uber com torcedores do Atlético-MG dentro. Passei pelo local posteriormente e parecia uma guerra. E, em outro momento, houve confronto de torcedores das duas equipes nas imediações do estádio.

Os ocorridos foram cobertos pela imprensa, inclusive esta Gazeta do Povo, e provocaram a corrida ao Twitter de Mario Celso Petraglia, presidente do Conselho Deliberativo do Furacão, e entusiasta número 1 da "torcida humana": "Quando deixarão de ser animais?", perguntou o cartola, indignado.

Eu respondo: nunca. Nunca deixarão de ser animais. Nunca deixarão de, em grupo, espancar um suposto rival, sozinho, indefeso. Nunca deixarão de armar emboscadas. Nunca deixarão de combinar tretas pela internet. Nunca deixarão de sair na porrada por causa de futebol. Nunca.

A violência está, antes de mais nada, e colocando de forma bastante grosseira, dentro do ser humano. E o futebol, também falando rudimentarmente, é um ambiente explosivo em potencial. Rivalidades ancestrais são a pólvora, fortes emoções o pavio e, qualquer coisa, pode provocar a detonação.

Combinação entre violência e o esporte que, por exemplo, empurra pais de família, incapazes de uma descortesia no dia a dia,, arquibancada abaixo, entre chutes e socos. Ou põe centenas de homens, de forma premeditada, aditivados ou não, para brigar em defesa de um território ou da honra de um distintivo. Ou faz com que um dirigente tente agredir com um chute torcedor do próprio clube.

Admitir que a pancadaria está sempre à espreita, que os ânimos ascendem repentinamente, que o ambiente é carregado de tensão, é nada menos do que o primeiro passo. Quem nunca teve vontade, ao menos em pensamento, em partir para a ignorância? É feio, é rude, é grotesco, mas é preciso entender como acontece. Não justificar, muito menos aceitar.

Agora pegue a bomba e deixe disponível num país campeão mundial de homicídios: 65.502 "mortes-matadas" em 2017, de acordo com o Atlas da Violência 2019, recentemente divulgado. Agora pegue a bomba e deixe disponível num país marcado pelas diferenças sociais, de toda sorte, em que a vida não vale nada.

E assim, no Brasil, enfrentamos um cenário muito mais complexo e delicado do que em qualquer outra nação igualmente atingida pela violência no futebol, como as desenvolvidas Inglaterra e Alemanha. Ou que guarda algumas semelhanças com o que se vê na Argentina, outra terra em frangalhos.

Conjunturas, a brasileira e a argentina, em que não se admite, ou não deveria se admitir, avaliações tão superficiais como as que vemos por aí. Entendimentos absolutamente precários de um problema que se apresenta há décadas. Não há solução simples para questões complexas.

Visões toscas que originam reações primitivas, como foi a "torcida humana", patrocinada pelo Athletico em parceria com o Ministério Público do Paraná (MP-PR). Nada além de uma empreitada pirotécnica, de efeito puramente cosmético, algum ganho midiático, sem qualquer avanço substancial. O balanço fala por si.

Apelar ao sensacionalismo, abraçar uma estratégia pró-terror não resolve absolutamente nada. É o que diz o delegado Clóvis Galvão, da Delegacia Móvel de Atendimento a Futebol e Eventos (Demafe), uma das poucas autoridades no Paraná que parece entender a bronca. E que, mesmo assim, se vê impotente para resolvê-la.

Eu sei que Petraglia leu o excelente livro sobre La Doce, a temida hinchada do Boca Juniors, do jornalista argentino Gustavo Grabia. Uma obra que alcança as entranhas da torcida organizada bostera, as relações de poder etc. O dirigente já se aliou aos Fanáticos nas eleições do clube e sabe como é uma parceria arriscada.

E sabe, também, que é preciso ir muito além para, de fato, minimizar a situação. Na Alemanha, por exemplo, se apostou numa espécie de parceria entre o poder público e hooligans, digamos, regenerados, para se entender como as coisas funcionam. Ajudou, mas falamos do país que nos enfiou 7 a 1 em casa.

Há boas ideias e gente interessada em avançar. Como o sociólogo Maurício Murad, autor do melhor livro sobre o assunto no Brasil: "A violência no futebol: novas pesquisas, novas ideias, novas propostas", de 2017. Recomendo a leitura a todos, um documento sobre a realidade brasileira.

Mas falta estudo e, ainda mais, empenho. Torcedores do Atlético-MG espalharam vídeos pelas redes sociais logo após o incidente em Curitiba, se vangloriando da pancadaria. Os rostos estão lá. Por que não foram grampeados logo que desembarcaram em Belo Horizonte?

Mais fácil é relacionar diretamente o que ocorreu com o fim da "torcida humana". Raciocínio que é apenas tolo e nova representação de um pensamento vigente no país, aquele que não consegue enxergar nada além do branco e do preto. É aquela turma que, quando digo que sou a favor das duas torcidas nas arquibancadas, pergunta se eu acho legal criança tomar facada em estádio.

Sobram bravatas e tentativas inúteis. Não tem saída. A única chance é pelo caminho da investigação, prevenção, repressão e, fundamentalmente, punição severa. O que, já sabemos, não acontecerá. Enquanto isso, giramos em círculo, inventamos "torcida humana" e assistimos, como sempre, a violência e o discurso fácil prevalecerem.

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