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André Pugliesi
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Yo te sigo a todas partes, cada vez te quiero mas; uma turnê pelas canchas argentinas

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André Pugliesi
21/11/2019 13:30 - Atualizado: 29/09/2023 23:17
Yo te sigo a todas partes, cada vez te quiero mas; uma turnê pelas canchas argentinas
Yo te sigo a todas partes, cada vez te quiero mas; uma turnê pelas canchas argentinas | Foto: André Pugliesi

Empurrado por questões profissionais, pessoais e, ainda, por razões que a própria razão desconhece, desembarquei em Ezeiza, no Aeropuerto Internacional Ministro Pistarini, três vezes em menos de seis meses em 2019. Ah, Buenos Aires! Houve suspeitas de que eu estaria empreendendo na capital federal e/ou adubando o terreno para uma fuga do Brasil, mais ou menos como o Marco Aurélio de Reginaldo Faria em Vale Tudo. Infelizmente, não é o caso. Fui porque era preciso ir. E voltei porque foi necessário voltar.

Por lá, à beira do Rio da Prata, a apenas duas horas de voo de distância diretamente da sala de embarque do Afonso Pena, considerada por muitos o melhor lugar de Curitiba, ocupei-me daquilo que, humildemente, considero dois dos programas absolutamente imperdíveis na cidade: asado y fútbol. E pode ser que você queira adicionar vino, tango, alfajor, empanada e medialuna e eu vou concordar totalmente. Já se o seu destino for de compras, jaquetas de cuero e pullovers de cashmere, bom, tudo bem também.

Mesmo que eu já tenha feito tudo isso uma centena de vezes. Mesmo que eu já tenha permanecido enfurnado por 40 dias na cobertura da seleção brasileira no país, em 2011, pela Copa América, naquela campanha encharcada em glória com a eliminação patética diante do Paraguai, nos penales arremessados para longe em La Plata, e pelas piadas com o nome do atleta canarinho Elano, chamado pelos locais de “el ano”, e aí a tradução é por sua conta e risco. E, ainda, mesmo que eu vá a Buenos Aires por mais uma dezena de vezes, eu não me canso.

É por lá que eu tenho a chance de reencontrar com quem eu fui na infância e adolescência. E você pode achar, com certa dose de razão, que este colunista (escriba? Jamais), recorre com alguma frequência à nostalgia, como se estivesse deslocado em seu próprio espaço e tempo. Não é verdade. Não tenho dúvida que hoje muita coisa é bem melhor. Como tenho convicção que, outrora, outras eram bem superiores.

Entre o passado, o presente e sem que seja possível frear o futuro, é lá por Buenos Aires que eu revejo, não no espelho, mas ao menos em espírito, aquele moleque que dividia as semanas entre as que tinham jogo do meu time preferido e as que não tinham. Aquele piá que driblava qualquer viagem em família para cumprir o dever futebolístico no final de semana. Aquele que só queria saber de 22 homens chutando, normalmente mal, uma bola, e correndo, com sofreguidão, atrás da esfera. Aquele que fez, ainda que, involuntariamente, da paixão pelo esporte trabalho, sina e fardo.

Tudo porque em Buenos Aires ainda é possível vivenciar, e recordar, um pouco do futebol como conheci. Do tempo em que se perguntava “quem quer ir ao jogo?” ao longo do almoço de domingo e o ingresso, direto na bilheteria, estava ao alcance do torcedor de ocasião, cabia no bolso do tio que decidia, estrepitosamente, bancar a ida de meia dúzia de sobrinhos ao embate. Da época em que bastava o cimento da arquibancada, bandeiras e batuques, a grama e a bola. Quando ainda se podia atirar mexerica no bandeirinha, sem que a vingança por um impedimento mal marcado, e todo impedimento parece mal marcado, acabasse incluída na pauta do STJD. A comida: pipoca. A bebida: cerveja e refrigerante.

Desta última vez, pude conhecer três novas canchas, que somei às outras sete que frequentei em outras oportunidades, na capital e no interior. A primeira uma velha conhecida, mas conhecida não como se deve. Finalmente, após quatro visitas como repórter, fui assistir a um jogo lá no topo da Belgrano Alta, no Monumental de Nuñez, a espetacular sede do River Plate e da seleção argentina. Confortavelmente alojado na bancada fria de concreto, com os aviões que aterrissam no Aeroparque manobrando sobre a cabeça, e o vento encanado do Rio da Prata, vi a representação Millonaria triunfar diante do brioso Colón de Santa Fe, 2 a 1.

No dia seguinte, estreei no mítico estádio do Racing Club de Avellaneda. Que acomodações fantásticas em azul y oro. Basta dizer que, entre outras personalidades, todas menos importantes, a praça esportiva foi um dia frequentada simplesmente por ele, sim, ele, Carlos Gardel. O tanguero número uno já se foi, mas a estátua dele está lá, no setor social, mirando o céspede. Como estão sempre os fanáticos racinguistas, a hinchada mais quente das cercanias. O jogo, entretanto, não teve gols, um 0 a 0 com o valoroso Banfield.

Por fim, fui até Lanús, a poucos quilômetros da capital, para assistir ao Boca Juniors sucumbir contra a representação local, 2 a 1. Acompanhado de um americano, um suíço e do nosso guia argentino, pude apenas confirmar como, dos gigantes clubes argentinos, aos pequenos, todos têm suas barras, com os trapos rasgando as arquibancadas, bandas e o indefectível coro de recibimiento, no caso, “Grana, mi buen amigo, esta campaña volveremo’a estar contigo, te alentaremos, de corazon, esta es tu hinchada que te quiere ver campeón. Yo te sigo a todas partes, cada vez te quiero mas”.

Não bastasse, você ainda pode intercalar a ida aos jogos com asados e empanadas criollas, com a medida de chimichurri que entender conveniente. Matéria que, convenhamos, os argentinos conhecem mucho más do que nosostros, embora pareça que assim se comportem sobre qualquer assunto -- menos sobre futbol, sempre embasbacados quando se fala de futebol brasileiro, tratados pelos vizinhos como pura arte. Voltando ao almoço, nada como ter o meu naco de carne, com o meu nome, a minha preferência, sob os cuidados de um diligente parrillero, deitado a não mais do que dois palmos do carbón. Uma relação de confiança entre quem come e quem é comido que não temos em nosso consagrado sistema de rodízio, neste Brasil que é um grande espeto corrido em forma de país, para o bem e para o mal, desde que Cabral aqui chegou.

É uma pena que por aqui nossos estádios tenham sido engolidos pela vulgarmente chamada “arenização”, sob o pretexto da Copa do Mundo de 2014, da segurança e da modernidade, mas que serviram, em grande parte, para detonar verdadeira orgia de corrupção, gastos absolutamente desnecessários e uma maré tremenda de elitização. Onda que logo invadirá os vizinhos e, acredite, até mesmo La Bombonera parece ameaçada. Enquanto posso, viajo para curtir o futebol com um pouco de mais liberdade. O esporte como conheci está acabando. Tudo bem, eu também estou.

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