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Pequenas histórias sobre judeus em Curitiba
| Foto:
Hedeson Alves/Gazeta do Povo
Geni Wilner, “viúva do Isaac Wilner”, como gosta de ser chamada, na frente da residência em que foi criada: esperança de que a casa não caia

No último mês, duas matérias me apresentaram a uma história pouco comentada nos círculos da memória curitibana: a da presença dos judeus na cidade, a partir do final do século 19, com acento maior a partir da Segunda Guerra.

Aconteceu por acaso. O primeiro texto foi um perfil com Sabine Silberspitz/Wahrhaftig, uma sobrevivente do nazismo. Seus pais eram donos da Casa das Rendas, na Boca Maldita, mais tarde transformada por Sabine na butique Noi. Quem os via no comércio mal imaginava o que passaram para chegar à distante capital do Paraná.

A segunda reportagem – publicada neste domingo com o título “Riachuelo, 407” recupera a memória da residência que pertenceu a Dora e Jaime Lerner [não o arquiteto]. O casal, também foragido do nazismo, manteve durante quatro décadas a Casa Paris, na Praça Tiradentes. Sem filhos, fizeram do belo sobrado da Riachuelo – com arquitetura típica da Belle Époque – um ponto de encontro para a comunidade judaica de Curitiba.
Não é todo dia que se encontra uma personagem com a força e a personalidade de Sabine. A gente se sente, de fato, dentro de um filme. Igualmente raro é ter a oportunidade de fazer uma matéria sobre a “memória da casa”. O assunto interessa – foi a segunda matéria da Gazeta do Povo mais lida no domingo, 18 de julho – mas em geral sucumbe diante de temas do noticiário.

O que uma reportagem sobre a história de uma casa e de uma família pode mudar na vida dos leitores? Ora, muda a relação com a rua, com o espaço, quiçá com a própria memória. A moradia da Riachuelo, 407 – uma Unidade de Interesse de Preservação em vias de desabar – é o endereço do que os especialistas chamam de “pequena história”. A expressão se refere àqueles fatos modestos, cotidianos, mas que são representativos da mentalidade de uma época.
Dora e Jaime – à revelia da rotina de trabalho na Casa Paris – eram dois sobreviventes. Talvez por isso tenham feito de seu endereço o entreposto para jovens judeus, que ali encontravam a mesa farta, mas também a alegria a irreverência do dono da casa. Jaime é descrito pelos sobrinhos Geni Wilner e Bernardo Rzeznik, herdeiros do 407, como um homem alegre, dado ao carteado, irreverente. Em miúdos, traduziu em sua vida o encontro com o Novo Mundo, longe das agruras do nazismo.

Na esteira do encontro com Sabine, Geni – a sobrinha que Dora e Jaime queriam como filha – e Bernardo acabou levando a um quarto personagem: o ex-secretário da prefeitura e de governo, hoje comerciante, Gerson Guelmann. Ele reúne material para escrever a história de Salomão Guelmann, o homem que recebeu dezenas de judeus foragidos do Terceiro Reich. Sua ação em prol dos foragidos merecia ser contada nas escolas. Talvez não o façamos por timidez ou por ignorância.

Terminada a reportagem, o desejo é que Gerson termine logo seu livro e nos dê a oportunidade de conhecer em profundidade a luta desse Oscar Schindler à curitibana.
Em tempo. Personagens não faltam na comunidade judaica. Gerson, por exemplo, é dono de uma pequena rede de lanchonetes especializada em esfihas, uma iguaria árabe. Margarita Wasserman – que ajudou a reconstruir a memória dos Lerner – se tornou escritora já na terceira idade. É dela o conto a viva-voz que acompanha a reportagem. Geni Wilner, a sobrevivente, ainda observa a casa da Riachuelo, 407 pela janela. Tem saudade do marido Izaac Wilner, morto há dez anos, a quem cita a cada minuto. Mas avisa que pede a ele que não a chame para estar com ela. Gosta muito de estar por aqui – precisamente na Riachuelo, à revelia de todos os problemas que têm. Essa é a marca dos sobreviventes.

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