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MP das Fake News
| Foto: Reprodução/Senado Notícias

Como vimos no último texto, havia um racha interno ao olavismo que só era visível para os olavetes e ex-olavetes. Olavo era favorável a uma união das massas em torno de um líder por elas ungido, ao passo que Ayan pretendia tomar o poder por dentro do sistema e pregava, àquele momento, a união em torno do impeachment. Ayan era o mentor do MBL e atuava em bastidores, sem que o seu verdadeiro nome sequer fosse conhecido. Na eleição de Bolsonaro, os olavetes e os ayanistas estavam juntos e misturados.

Em março de 2018, ano eleitoral, Luciano Ayan criou o grupo de WhatsApp #InternetLivre com o fito de reunir toda a direita, dos mais variados matizes. Nele ingressaram bolsonaristas como Bia Kicis e Carla Zambelli, liberais afins ao Insituto Mises Brasil como Rodrigo Constantino, indivíduos avulsos como Ana Paula Henkel (que não integrava nenhum movimento), ayanistas, como Renan Santos do MBL, e, sobretudo, olavetes, como Flávio Morgenstern, Flávio Gordon, Bernardo Küster, Leandro Ruschel e Caio Copolla. A pauta do grupo, como dizia o nome, era a luta contra a censura da internet.

Em paralelo, Ayan criou grupos secretos com seus discípulos, como conta a discípula Michele Prado em entrevista ao site petista Diário do Centro do Mundo. (Cito: “Ayan foi retirando os radicais [do #IternetLivre] e modificou o nome. Em 2019 quando ele me adicionou novamente o grupo já tinha outro nome.“depois foram criados outros subgrupos a partir daquele, com as pessoas não bolsonaristas ou, no mínimo, que criticavam Bolsonaro.”)

Em 18 de outubro de 2018, apenas dez dias antes da eleição, estourou na Folha de S. Paulo o texto de Patrícia Campos Mello segundo a qual empresários estariam bancando disparos de WhatsApp ilegais. Só o nome do empresário Luciano Hang é citado.

Um trecho do texto deixa claro que ela se comunicava com uma pessoa que coordenava grupos: “Os administradores de grupos bolsonaristas também identificam ‘influenciadores’: apoiadores muito ativos, os quais contatam para que criem mais grupos e façam mais ações a favor do candidato.” É muito provável que a fonte da Folha fosse Ayan.

Surge a tese ayanista do Golpe do Zap-Zap

Esse texto de Patrícia Campos Mello foi a salvação da lavoura para o esquerdista médio, que estava mais perdido que filho de profissional do sexo em dia dos pais. Bolsonaro era o adversário ideal, o vilão malvadão que faria todo mundo votar em Haddad no segundo turno. Como explicar a derrota?? Ora, pelo Golpe do Zap-Zap. Os pobres receberam mamadeira de piroca no zap-zap, acreditaram e votaram contra Haddad. Os empresários tinham seu papel habitual de vilão e a Rede Globo, que antes hipnotizava as massas, foi trocada pelo Zap-Zap.

Desde então o esquerdista médio crê que Bolsonaro usa o Zap-Zap pra fazer feitiço, hipnotizar as pessoas e ganhar eleição de maneira desleal. A democracia só respirará quando as redes forem censuradas. Tamanha desorientação fará com que o esquerdista se curve ao outrora “PIG” (Partido da Imprensa Golpista, segundo Paulo Henrique Amorim) e aos empresários do Vale do Silício (donos da Big Techs).

O esquerdista médio mal sabe, porém, que adota uma tese muito específica de um ex-olavete, Luciano Ayan. Segundo essa tese, a “extrema-direita bolsonarista” (em potência, todo mundo que não é antibolsonarista) é composta por seres sub-humanos que não pensam, só sabem odiar e são capazes de fazer lavagem cerebral online. Você é uma pessoa normal, recebeu uns memes dos olavetes e puf: foi hipnotizado e virou uma periculosa máquina de espalhar ódio. Em entrevista a Madeleine Lacsko nesta Gazeta, Ayan já teve oportunidade de mostrar que crê piamente na possibilidade de fazer lavagem cerebral pela internet. (Razão por que Olavo seria perigoso, demoníaco etc.)

Com base na teoria do Golpe do Zap-Zap, o PT pediu a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão no TSE.

Fake news antes das eleições

Os disparos de mensagem pelo WhatsApp e o uso de robôs em redes sociais vem pelo menos desde 2014 e foi usado por uma porção de candidatos. Ao meu ver, uma medida salutar ao debate público foi a obrigação de as redes sociais colocarem o aviso de que uma dada publicação é “promovida”, ou seja, propaganda paga.

Quanto ao WhatsApp, o surgimento de boatos é inevitável. A lei já tipifica como crimes a calúnia e a difamação, que deveriam dar conta das fake news quando elas são dirigidas a alguém.

Em 2018, antes das eleições, houve um caso capaz de despertar a indignação de qualquer pessoa decente. Fora assassinada na noite de 14 de março a psolista Marielle Franco. Ao meio dia de 16 de março, a boataria começou. À noite, a notícia sai no perfil de Ayan no Facebook, e, apenas um minuto depois, no do MBL. Num átimo, espalhou-se pela internet uma foto de uma mulher sentada no colo de um traficante, alegando-se que aquela seria Marielle. Cito o Zero Hora, que reproduz a investigação d’O Globo: “Um link do site Ceticismo Político se destacou e foi compartilhado 360 mil vezes no Facebook até a noite de quinta-feira (22), ocupando o primeiro lugar entre as publicações que abordaram boatos sobre a ligação da vereadora com o crime organizado. […] A reportagem do O Globo abordou ainda as relações entre o Ceticismo Político e o Movimento Brasil Livre (MBL). O Ceticismo Político é administrado por Luciano Henrique Ayan. O MBL teria afirmado à reportagem que não é responsável por administrar o perfil de Ayan e que não o conhece. O texto do Ceticismo Político foi replicado de forma idêntica pelo MBL, um minuto após o post de Luciano Ayan. Posteriormente, a publicação do movimento, que atingiu 33 mil compartilhamentos, foi apagada.” Qualquer olavete que lesse isso à época saberia que o MBL estava mentindo, pois conhecia Ayan sim. E desde 2020, com a operação da PF que prendeu Ayan, ninguém precisa ser olavete para saber que o MBL estava mentindo.

Madalenas arrependidas na CPMI das fake news

Não chegamos a 2020, porém. 2019 é o primeiro ano do governo Bolsonaro, e um trio de deputados se destacaria por sua súbita migração da situação para a oposição: Kim Kataguiri (do MBL), Joice Hasselmann (que levou mais de um milhão de votos se dizendo “Bolsonaro de saias”) e Alexandre Frota. Em 1 de agosto de 2019, Alexandre Frota inaugura a narrativa da madalena arrependida e sai aos quatro cantos se dizendo arrependido por votar em Bolsonaro, pedindo perdão pelo pecado.

Em 4 de setembro de 2019, com base na teoria do Golpe do Zap-Zap, é instaurada a instaurada a CPMI das fake news. Ironicamente, o próprio Luciano Ayan é um dos investigados, por causa da difamação lançada sobre o cadáver fresco de Marielle. Em 17 de outubro, Joice Hasselmann já tinha se desentendido o suficiente com os bolsonaristas para ser tirada da posição de líder do governo.

E em 4 de dezembro de 2019 Joice Hasselmann apresenta na CPMI das fake news presidida por Angelo Coronel um documento macartista de mais de setenta páginas cheio de nomes do grupo #InternetLivre. Na capa lê-se, em letras garrafais: “É crime”. A autoria do documento é atribuída a Joice Hasselmann e seu gabinete. Olavetes e bolsonaristas reconhecem o léxico e o estilo de Ayan.

Mas, em minha opinião, o maior escândalo da CPMI é o fato – apontado à época somente por olavetes – de um investigado da CPMI, Ayan, participar de uma live com o presidente da própria, Angelo Coronel. A live foi conduzida por Madeleine Lacsko no site do jornalista Fábio Pannunzio e pode ser assistida clicando aqui (a live é longa, marquei o momento em que discutem com Coronel a criminalização das fake news). Além dos jornalistas, participaram dois ativistas ligados ao MBL: o deputado Nereu Crispim e o advogado Pavinatto. Ayan é tratado como autoridade intelectual respeitável, especialista entendido no assunto – em vez de investigado. A live aconteceu em 23 de abril de 2020.

O documento macartista entregue por Joice Hasselmann e a teoria do Golpe do Zap-Zap foram e são usados para embasar o Inquérito do Fim do Mundo, que ora prende pessoas por crime de opinião e deixa Ayan intocado.

PF em cima do MBL e de Ayan

Quase três meses depois dessa live, em 10 de julho de 2020, a Polícia Federal prende preventivamente Luciano Ayan, cujo verdadeiro nome é Carlos Augusto de Moraes Afonso, por suspeita de lavagem de dinheiro, a pedido do Ministério Público de São Paulo. Ele teria aberto uma porção de empresas de fachada que fariam diversas doações ao MBL por meio das Big Techs em lives. O valor lavado seria da ordem de quatrocentos milhões de reais. A prisão preventiva de cinco dias foi espichada a pedido do Ministério Público de São Paulo porque a polícia encontrou em seus computadores pornografia suspeita, de gente que parecia menor de idade. Tudo isso aconteceu numa operação chamada Juno Moneta.

Depois, nunca mais se ouviu falar de Ayan ou da corrupção do MBL. Hoje Ayan não tem mais redes sociais com esse pseudônimo, nem com o nome real.

No calor da notícia da prisão preventiva, a deputada bolsonarista Bia Kicis fez uma live informativa para seus apoiadores. Ali ela contava da suspeita que os bolsonaristas tinham de que o documento de Joice tinha sido redigido por Ayan. Complementando-a, um seguidor seu mostrava um tuíte de Ayan em que ele admitia receber recursos da assessoria dos gabinetes de Joice e Frota. Os seguidores também relataram que Ayan noticiou ter "voltado" à esquerda, que supostamente seria a sua origem. Nunca soube de Ayan se dizer ex-olavete, embora seja.

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