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Do antipetismo ao antibolsonarismo, a pecha de blogueiro
| Foto: Pixabay

Blogueiro e jornalista eram coisas obviamente diferentes no começo deste século. Blogues eram sites que alguém usava para escrever de graça a quem quisesse ler de graça, por toda a World Wide Web. Tinha jeito de diário e podia ser sobre tudo: de maquiagem a numismática; da dinastia Ming a axé music. Dada a gratuidade de ambas as partes, o blogue tinha jeito de lazer. E essa amplitude de assuntos incluía um daqueles que os tiozões adoram debater em bar: política.

Este é um motivo para as coisas começarem a se misturar. Outro é a difusão da internet pelo território nacional.

Esqueçamos a ideologia: se um cidadão de Piraporinha do Oeste cria uma página na internet para escrever sobre assuntos da vida pública da cidade – tais como um bairro desassistido pela coleta de lixo ou um golpe novo na praça –, com base em que diremos que ele não faz jornalismo? O site desse cidadão será pertinente para os moradores conectados de Piraporinha do Oeste, já que as TVs e os jornais impressos são focados nas cidades grandes. (Piraporinha do Oeste é uma cidade do Universo Polzonoff. Eu entendi que é uma cidade pequena, mas o autor pode me corrigir.) O respeitável oeste-piraporinhense tem dois tipos de veículos para consultar notícias frescas de sua própria cidade: rádio e internet. É natural, portanto, que a atividade jornalística se confunda com a da escrita em blogues, sobretudo num país tão grande.

Outra coisa que deve ter contribuído para a confusão é o fato de jornalistas terem a possibilidade, com os blogues, de escrever o que quiserem, sem ter que prestar satisfação a um chefe. A combinação entre emprego formal + blogue pessoal também contribuiu para borrar as fronteiras entre o jornalista e o blogueiro, já que ambos podiam ser a mesmíssima pessoa.

Por fim, há os blogueiros políticos ideológicos que conseguiram alcançar uma audiência nacional. Um caso exemplar disso é Eduardo Guimarães, o dono do Blog da Cidadania. É um notório petista, e seu nome ganhou destaque nacional quando antecipou, em seu blogue, algum passo da Operação Lava Jato. Moro o conduziu coercitivamente e quis apreender todo o seu material para descobrir quem estava vazando informações. Mas Eduardo Guimarães, apesar de “blogueiro”, desempenhava uma atividade jornalística, e entendeu-se que ele gozava do direito constitucional ao sigilo da fonte. Eram outros tempos!

Blogs sujos

Esse episódio ocorreu em 2017 e já estava na praça a conotação pejorativa de “blogueiro”. Creio que o estopim para essa qualificação tenha sido a divulgação em 2015, pelo jornalista Fernando Rodrigues, dos chamados “blogues sujos”: os sites petistas que recebiam dinheiro público do governo federal. O Blog da Cidadania não constava.

Fernando Rodrigues fez duas listas: uma de “veículos alternativos” e outra de “grandes portais”. Na primeira estavam o Brasil 247, o Diário do Centro do Mundo, Paulo Henrique Amorim, Kennedy Alencar… Estes ganharam o nome de “blogues sujos”. Não obstante, nem mesmo aí faz sentido separar jornalista de blogueiro, já que o finado Paulo Henrique Amorim e Kennedy Alencar eram jornalistas tradicionais que tinham blogue.

Na tabela de “grandes portais”, constavam o G1 (da Globo) e o Uol (do Grupo Folha), com a quantia total recebida em 2014. O ponto central da denúncia de Fernando Rodrigues era o custo do anúncio por visitante do site, de modo que os sites alternativos realmente saíam muito mais caros do que os grandes portais.

No entanto, não terá escapado aos olhos do público – e dos próprios jornalistas – o fato de que o Uol recebia do governo federal 1,2 milhão por mês e o G1 recebia 1,1 milhão. O “blog sujo” mais caro de todos era o Brasil 247, com a média mensal de 0,1 milhão mensal.

Não era premente perguntar se não ia dinheiro federal demais para os grandes portais? Note-se bem: os portais Uol e G1 são apenas parte dos grupos da Globo e da Folha. O que esses grupos recebiam mensalmente na certa estava muito além de 1,2 milhão mensal.

Jornalista é merecedor, blogueiro é ralé

Jornalistas são vaidosos. Poderiam justificar a dinheirama recebida usando o raciocínio contido na denúncia de Fernando Rodrigues: grande alcance merece grande remuneração. Em vez disso, preferiu afirmar uma superioridade intrínseca à própria profissão. Se é um jornalista de um grande veículo, é superior ao blogueiro. Blogueiros, sim, são tendenciosos e desonestos; jornalistas, não. Mesmo que na lista de blogueiros figurasse um veterano da TV Manchete.

A Globo e a Folha passaram do antipetismo ao antibolsonarismo. Deve ser esse raciocínio que explica uma distorção tão elementar na maneira de se referir a jornalistas identificados com o bolsonarismo. Estavam acostumados a xingar de blogueiro um petista que de fato não era jornalista profissional. Se fizessem o mesmo apenas com Allan dos Santos, que não tem uma trajetória em veículos tradicionais, poderíamos encontrar isonomia. Mas já fizeram isso com Oswaldo Eustáquio, que era jornalista em veículos tradicionais antes de lançar o seu próprio blogue, e Allan dos Santos na certa merecem a qualificação de “bolsonaristas”, e creio que não protestem caso sejam referidos assim. Allan dos Santos teve uma carreira jornalística de fato virtual, no estilo de blogue.

Ao fazerem isso, mostram que não há mesmo diferenças qualitativas entre um blogueiro e um jornalista.

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