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Muitos dedos em riste na CPI da Covid.
Muitos dedos em riste na CPI da Covid.| Foto: Fotos Públicas

Acabou o Big Brother e agora temos CPI da Covid. É a nova distração dos neurastênicos confinados. Mas, se as discussões grandiloquentes sobre o Big Brother eram quase restritas à bolha progressista, a CPI da Covid tem dado muito o que falar também na direita desde o depoimento do ex-ministro Pazuello. Só me restou, então, ligar na CPI enquanto preparava o almoço. Dia folgado, com tempo para fazer massa de macarrão.

Então começo ouvindo meu conterrâneo Angelo Coronel (PSD/BA), com aquele jeitão de Odorico Paraguaçu. Ele expressa sua grande admiração pela carreira militar. Fala com o tom afável de quem pode sempre mudar de oposição para a base, afinal, o Coronel é sempre governista dentro da Bahia (era governista com ACM, depois virou governista com Jaques Wagner) e a Bahia costuma virar governista no plano federal, depois de assentado o novo governo. Se a Bahia sair de 2022 aliada a Bolsonaro, Coronel não vai querer ter deixado uma má impressão nos governistas de hoje.

No entanto, tampouco pode prescindir de uma boa impressão perante seus atuais aliados, e faz umas perguntinhas para insinuar de leve que o general talvez fosse um incompetente. No fim, pede um tempo extra para garantir que ele próprio não é militar e Coronel não é patente, mas nome.

Até aí, tudo normal. Depois entra um sujeito com um tom irritantemente superior, que fala que ciência tem método e existem provas mais importantes que outras. Imagino que na cabeça do político – e de muito “liberal” que anda com o filossocialista Mill no sovaco –, a Ciência é uma grande burocracia com autoridades inquestionáveis. Para buscar a verdade, é preciso seguir trâmites, pegar uns carimbos e ganhar um ISSN. Por definição, a verdade é o que está publicado. Se Galileu aparecesse com seus experimentos e mandasse olhar na luneta, ele pediria fontes e chamaria de evidência anedótica.

Sem descer do saltinho, ele começa a ler a descrição que Hannah Arendt fez do nazista Eichmann, aplicando-a a Pazuello. Fiquei perplexa. Até sujei de farinha o computador novinho pra tirar a tela preta e ampliar a imagem. Eichmann geriu a deportação de judeus para campos de extermínio e é um grande criminoso na história da humanidade – um genocida, para quem conhece o significado da palavra e não quer desgastá-lo. Um insulto gravíssimo. Felizmente, há gente com brios neste Brasil e o  sujeito (um tal de Alessandro Vieira, do Cidadania de Sergipe) não continuou a falar, a sessão foi interrompida e deve ter havido um auê que escapou aos microfones.

Retomada a sessão, começa a gritar Simone Tebet (MDB/MS). Da sua fala (ou, antes, chilique), subentende-se que o senador por Sergipe (porém gaúcho de Passo Fundo) pedira desculpas ao ministro durante o auê, pois ela começa gritando que não vai pedir desculpas por nada que vier a dizer. Diz que não vai acreditar em nada que Pazuello disser por causa do habeas corpus que supostamente o autoriza a mentir. Lembrei-me de Renan Calheiros ameaçando Weingarten e achei Pazuello um homem sensato por ter pedido garantia contra prisão.

Depois, a gritaria dela pode ser resumida na seguinte ideia: ela é uma mãe, uma filha e uma patroa (a “funcionária” doméstica dela estava no hospital) sensível e o culpa por ter se preocupado com trâmites burocráticos, segurança de vacina e soberania nacional, de modo que cada uma das quatrocentos e tantas mil mortes são culpa pessoal dele.

Tebet gritou longos minutos para dizer isso. Daí se deduz que deveríamos ter gasto os tubos para comprar qualquer vacina, aceitar qualquer condição e dado carta branca para o governo romper os trâmites e gastar qualquer quantia com qualquer empresa. Tudo se passa como se só houvesse um único governo – o federal – e como se a presteza para gastar, nos governos estaduais, não tivesse se refletido mais em roubalheira do que em saúde. Que o digam os nordestinos e os amazonenses, com os respiradores muito bem pagos e que nunca foram entregues. Por mais que reclamemos da burocracia, ela tem uma razão de ser.

Mas o que mais incomodou dessa fala foi a ideia de que mamães passionais são modelo para personalidade pública. Façamos de conta que uma única criança com um problema de saúde raríssimo teria esperanças de ser salva caso o governo brasileiro gastasse todo o orçamento do SUS com um remédio. Se você fosse a mãe dessa criança, provavelmente quereria que o governo fizesse isso. E, se você não fosse a mãe dessa criança e apenas observasse a situação, entenderia a mãe e lastimaria a sua situação, ainda que não concordasse com a solução.

No entanto, um homem público tem o dever se considerar a inteireza do sistema. Se todo o dinheiro fosse retirado do SUS, o custo (não só o dinheiro, o custo humano) seria repassado aos milhões de brasileiros que dependem do SUS e ficariam desassistidos. Se a senadora Simone Tebet não consegue diferenciar a postura pública da postura de mãe, é recomendável que largue a carreira política, dispense a “funcionária” e vá se dedicar aos afazeres domésticos.

Não acho que ela não saiba disso. Acho que ela e os seus colegas estão fazendo uma tremenda cortina de fumaça para tapar o escândalo do covidão e jogar tudo no colo do governo federal, com as bênçãos da imprensa comum. Mas me incomoda que esse tipo de discurso seja recepcionado por um séquito de neurastênicos. É como se o acaso e a morte não fizessem parte do universo. Vide Bruno Covas, tão bem assistido e tão cheio de recursos.

Eu sei, eu sei, o governo federal tem que ser cobrado, como aliás todo governo. Acontece que não consigo enxergar a gestão da Covid como um divisor de águas na história do SUS. Tinha medo de a saúde me faltar e eu precisar do SUS antes da Covid, e sigo com esse medo desde a Covid. Esse medo não consome um minuto do meu dia, pois a possibilidade da dor e da morte fazem parte da vida – vide Bruno Covas. O que eu posso fazer, e faço, é ter um estilo de vida saudável.

Que é o contrário do que fazem os neurastênicos da CPI, uns cães de Pavlov do iFood, quando já se sabe que obesidade é fator de risco.

O que essas pessoas acalentam é a ideia de não fazerem nada, ou até agirem contra si mesmas, e serem salvas por um burocrata de cavalo branco. É gente que já desistiu de viver, e não é de admirar que muitos vivam dopados por drogas ilícitas, remédios lícitos e álcool.

Primeiro, querem que o Estado salvador apareça logo com uma vacina mágica – e levaram a vacina chinesa, aquela que garantia 100% de eficácia contra casos graves, mas já teve até morte e ninguém fala nada. Depois, queriam ser obrigados a tomar vacina e proibidos de tomar cloroquina ou ivermectina: sem liberdade para experimentação.

Acho que minhas objeções ao vício em iFood poderiam ser levadas a sério por eles se eu dissesse que o iFood tem que ter um cardápio obrigatório e deveria ser proibido de vender coisas com uma determinada quantidade de calorias. E depois criminalizasse toda alimentação de balanceamento não certificado pelo iFood. Acho ainda que saudariam um Tinder exclusivo para vacinados e que gostariam tanto desse Tinder que seu escopo seria ampliado, revelando desde DSTs e ocorrência de machismo até a qualidade dos genes. Depois, seria tido por genocida quem se relacionasse fora dos trâmites do Tinder.

Essa gente é muito mais temível do que o coronavírus. No que depender deles, entregamos nossas vidas a um Estado de estilo chinês e vivemos como robôs, sem nem saber o que é liberdade.

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