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Drogas, glamourização perversa
| Foto: NickyPe/Pixabay

Ruy Castro, o brilhante autor de O Anjo Pornográfico e Chega de Saudade, livros obrigatórios para quem gosta de um belo texto, foi certeiro, corajoso e politicamente incorreto em uma de suas antigas colunas na Folha de S.Paulo. Ao comentar a Política Nacional de Drogas do governo que investe na abstinência do usuário, em vez da redução de danos, Castro fechou com a proposta. Armado de uma sinceridade afiada, fruto da experiência vivida e sofrida, não fez concessões.

Considerou um equívoco, marca registrada da política de redução de danos, a referência aos usuários cujo grau de dependência seja mais baixo. “Na condição de dependente químico que se tratou há 31 anos e tem se mantido à distância dos produtos, aprendi, comigo mesmo e com usuários e dependentes com quem convivi, que as duas categorias não formam uma mesma pessoa. Um usuário pode passar a vida usando sua droga em quantidade razoável para seu organismo – e apenas para este – sem se tornar dependente. Mas se a dependência se instalar – ou seja, se o organismo passar a exigir a droga para se manter estável –, não haverá mais possibilidade de autocontrole”. E concluiu, carregado de realismo e com uma chispa de ironia: “Bater papo com o terapeuta no consultório e continuar bebendo ou cheirando só fará bem ao terapeuta”. É isso aí. Rigorosamente.

As drogas avançam. Devastam. Matam. No mercado da cocaína o Brasil exerce triste liderança. O país é hoje o maior espaço consumidor da droga na América do Sul e, provavelmente, o segundo maior nas Américas. Cresce em progressão geométrica a demanda doméstica. Ademais, somos hoje um importante corredor de distribuição mundial. As consequências dessa assustadora escalada podem ser comprovadas nos boletins de ocorrência de qualquer delegacia de polícia. O tráfico e o consumo de drogas estão na raiz dos roubos, das rebeliões nos presídios e da imensa maioria dos homicídios.

Embora alguns usuários possam imaginar que sejam capazes de controlar o consumo, cedo ou tarde descobrem que, de fato, já não são senhores de si próprios

Multiplicam-se, paradoxalmente, declarações otimistas a respeito das estratégias de redução de danos. O essencial, imaginam os defensores dessa corrente, não é a interrupção imediata do uso de drogas pelo dependente, mas que ele tenha uma melhora em suas condições gerais. A opção pela redução de danos pode ser justificada em determinadas situações, mas não deve ser guindada à condição de política pública. Afinal, todos sabem que, assim como não existe meia gravidez, também não há meia dependência. Embora alguns usuários possam imaginar que sejam capazes de controlar o consumo, cedo ou tarde descobrem que, de fato, já não são senhores de si próprios. Não existe consumidor ocasional. Existe, sim, usuário iniciante que, frequentemente, engrossa as fileiras dos dependentes crônicos. Afinal, a compulsão é a marca do usuário de drogas. Um cigarro de maconha pode ser o começo de um itinerário rumo ao desespero.

Mas os “vanguardistas” não desistem. Defendem, irresponsavelmente, a criação de locais especiais de “uso seguro” das drogas para dependentes graves. Nesses espaços não haveria repressão ao consumo. Os viciados seriam estimulados a substituir drogas pesadas por outras supostamente leves, como a maconha. A pretensa inocuidade da maconha termina, frequentemente, no sequestro da esperança e do futuro.

A descriminalização da maconha está na pauta do STF. É provável, muito provável mesmo, que o resultado seja oposto à vontade popular – o povo não deseja um Estado leniente com o consumo de entorpecentes. Mas o ativismo judicial não está nem aí para o sentimento da sociedade. Creio, amigo leitor, que o motivo real para este julgamento não é a descriminalização do consumo de pequenas quantidades de maconha. Esse é apenas o pretexto, o primeiro passo, o cavalo de Troia de uma engenharia de costumes muito maior: a legalização não apenas da maconha, mas de toda a sorte de entorpecentes. Existe uma agenda mundial para a naturalização do consumo de drogas. E o STF, passando por cima do Congresso, está alinhado com a perversa estratégia global. Ativismo judicial na veia.

Alerta o respeitado psiquiatra Ronaldo Laranjeira, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp): “Artigos recentes mostram de uma forma inquestionável que o consumo de maconha aumenta em muito o risco de os jovens desenvolverem doenças mentais. Do meu ponto de vista, essa geração que consome maiores quantidades de maconha do que a geração anterior pagará um alto preço em termo de aumento de quadros psiquiátricos”.

Recomendo um excelente filme sobre drogas: Ben is back (O retorno de Ben). Com Julia Roberts e Lucas Hedges, mostra o impacto das drogas no âmbito de uma família. Interpretação carregada de realismo e sem fugas politicamente corretas. Vale a pena.

O hediondo mercado das drogas está dizimando a juventude. Movimenta muito dinheiro. Seu poder corruptor anula, na prática, estratégias meramente repressivas. A prevenção e a recuperação, guindadas à condição de prioridade da Política Nacional de Drogas, merecem o apoio de todos nós.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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