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A pauta é o spam
| Foto: Pixabay

Dizem que a palavra “spam” viria de uma marca de apresuntado. Ou talvez não. Não sei. Só sei que eu, como praticamente todo mundo que tem um endereço de e-mail (ou seja, qualquer pessoa no nosso vasto Ocidente entre trinta e cinquenta e tantos anos) recebo muito spam. Pela minha peculiar condição de jornalista, contudo, recebo, além daqueles anúncios de aparelhos e comprimidos para aumentar o piu-piu e deixá-lo em posição de sentido por horas, emagrecer, ficar mais alto, mais bonito e com dentes mais brancos, ou ainda outras alterações anatômicas que tampouco me interessam, um monte de “sugestões de pauta”. Uma “sugestão de pauta” é algo parecido com um anúncio, e em muitas vezes é quase um anúncio. A diferença maior consiste no anunciante, e no fato de que ele, mais que dinheiro, quer publicidade gratuita. É, digamos, um anúncio em busca de anúncios.

A maior parte das tais sugestões vêm de organizações um tanto ou quanto esquisitas, que estão tentando ganhar um verniz de respeitabilidade sendo “abordadas” numa coluna séria como a minha. É, ela é séria, sim. Pare de rir! Estou dizendo… bom, em todo caso, os pobrezinhos realmente acham que vão ficar mais respeitáveis. Outros são tão “respeitáveis”, no mau sentido (ou seja, são burocratas sem coração) que desejam ficar “na moda”. É uma brasa, mora?

Vejamos alguns dentre os muitos spams que infestam minha caixa de mensagens, como exemplos dessa estranha qualidade de correspondência.

Os mais doidos, creio eu, são os raelianos. Trata-se de uma seita que acredita em ETs, mas não em Deus. Na verdade, eles creem que os ETs são Deus, ou melhor, que eles foram confundidos com deuses. A seita foi fundada por um maluquinho francês, que trabalhava como jornalista esportivo e chegou a lançar uns discos de rock, com muito pouco sucesso. Um dia, disse ele, ele encontrou um capeta, digo, um ET, que o levou a um disco voador “em forma de sino achatado” (interessante detalhe) e contou a ele o que veio a ser toda a história de base de sua seita. Dali em diante, o sujeito, de nome Claude Vorilhon, passou a atender por “Raël”, nome que significaria alguma coisa que já esqueci em língua de ET. Os ETs, claro, tinham lá suas manias.

A primeira delas, surpresa!, era que o sexo estaria liberado. Liberadíssimo. Na prática, claro, isso significa que as raelianas têm por obrigação, quem diria, saciar a voracidade sexual do fundador de sua seita, e que suas reuniões frequentemente sejam confundidas com orgias pelos desavisados. Dizem que o lugar onde a relação homem-mulher entre os fiéis raelianos é mais favorável ao belo sexo é na Mongólia; não faço ideia do que isso signifique.

Em todo caso, outra mania dos ETs seria a clonagem. Para o Raël, clonagem é o grande barato, e tudo se há de resolver por ela. Até mesmo os pecados das pessoas seriam perdoados a cada sete anos, período, segundo ele, que levaria para que fossem trocadas todas as células do corpo, numa espécie de autoclonagem que, creio eu, dificilmente encontraria entusiastas entre quem saiba um pouco mais do corpo humano que um ex-roqueiro francês. É por amor à clonagem e demais tecnologias do gênero que eles apoiam a Monsanto e seus vegetais geneticamente modificados, aliás. Do mesmo modo, em 2022 eles vieram com uma história extremamente mal-contada segundo a qual teriam clonado o primeiro ser humano, uma menina a quem teriam batizado, demonstrando aí toda a sua capacidade imaginativa, de “Eva”. Faz sentido, na sua loucura. Falando de batismo, quando alguém entra na seita, antes de poder participar dos cultos orgiásticos, a pessoa precisa ser “batizada” com água na fronte, o que seria um meio de mandar o DNA dela pros ETs armazenarem, além de sabiamente, devido ao grau de loucura envolvido, assinar um termo de apostasia de qualquer outra religião.

Finalmente, eles propõem uma “geniocracia”, em que só poderiam votar os inteligentes e ser votados os inteligentíssimos, mas não sabem muito bem como medir a inteligência das pessoas, o que dificulta um pouco a brincadeira. Tudo, a gente espera; não é como se isso fosse pra ontem. Afinal, há menos de vinte mil seguidores da seita no mundo todo, segundo documentos verdevaldeados do QG por uma alma caridosa. Ah, quase esqueço: eles querem fazer uma embaixada para os extraterrenos, com direito a espaçoporto. Infelizmente, o fato de o logotipo deles ser uma estrela de Davi com uma suástica dentro não facilita muito a construção da embaixada (que contaria com deliciosa piscina) em Jerusalém, como agradaria a Raël. E sabem porque eles me escrevem? Basicamente porque a cada vez que sai um filme em que há ETs malvados eles fazem uma manifestação na porta dum cinema, e – tadinhos – acham que isso é notícia.

Outra raça de picareta devotada às partes baixas do ser humano, que também bate pique na minha caixa de spam, é a do pessoal que se dedica ao agenciamento da mais antiga profissão do mundo. Trata-se de uma página de internet que se propõe a reunir senhores lúbricos com bolsos cheios a mocinhas bonitas com bolsos vazios. Eles têm histórias de “sucesso”, com mocinhas abraçadas a senhores de aparência centenária e luxuriosa, com a alegre moçoila arrulhando que ele lhe deu um carro zero, ou, ao contrário, babosos senhores contentes com a carinhosíssima “companhia feminina” que arranjaram, ou teriam arranjado, pela página.

Este, aliás, é um dos maiores problemas da internet e do capitalismo em geral: eles potencializam tudo, eles facilitam todo tipo de encontro, e quando estamos falando do ser humano descendente de Adão (não que haja outro), isso significa, em enorme parte das vezes, que a cabeça que pensa não é a de cima. Assim o sexo sempre vai aparecer em lugar de gala, a libido vai sempre dominar, e o vício sempre estará ao menos quantitativamente mais bem representado que a virtude. É este o caso desta página: sempre houve belas moçoilas que se entregaram aos ardores de homens velhos e ricos, e homens velhos e ricos sempre buscaram belas moçoilas. A diferença é que agora a mocinha de Traminhonheca do Brejo, graças à internet, pode encontrar um “galã” octogenário em São Paulo, ou sei lá onde eles se escondem. Não é aqui em casa, graças a Deus. O mesmo vale para todo tipo de barbaridade, desde as mais ou menos legais, como esta, à compra e venda de drogas, órgãos humanos ou criancinhas vivas. Onde está o ser humano está ao menos uma certa vontade de fazer o mal. Quando se unem os seres humanos e se lhes facilita a comunicação, o que também se faz é facilitar a comunicação do mal que se esconde em nossos corações, como bem sabe o Sombra. E, não, não adianta “educar as pessoas”. As pessoas já são educadas, e mesmo assim continuam fazendo o mal que sabem que não deveriam fazer. Isto está na nossa natureza.

Um terceiro tipo de spam que habita a minha caixa de entrada é o de pseudo-notícias que – aos olhos de quem as escreveu – seriam úteis ou mesmo alegres, mas que me dão calafrios. Foi o caso, por exemplo, de um que me chegou por estes dias, que tratava da absurda burocracia que uma pessoa de dezessete anos e 364 dias de idade tem que enfrentar hoje em dia para embarcar num avião para o exterior. Lembro-me que, aos 16 aninhos, nos anos de chumbo, peguei um avião para a Europa – taí uma vantagem de trabalhar desde cedo: comecei aos 13, e aos 16 tinha o suficiente para passar dois meses comendo mal e dormindo pior na Europa, incluindo as passagens. Eu tinha já o hábito de viajar Brasil afora sozinho, e era sempre um pouco chato: a minha mãe tinha que ir comigo à rodoviária ou aeroporto, onde havia um guichê duma repartição então chamada “juizado de menores”, onde era rapidamente emitida uma folha de papel com carimbos que magicamente permitia-me ir e voltar em paz. Já para ir para o exterior, a coisa era mais simples: sabiamente, o próprio passaporte já supria a necessidade do papel carimbado pelo tal juizado. Afinal, se os pais não quisessem que o filho fosse para o exterior não lhe dariam um passaporte, não é mesmo?

Já agora, nesta nossa magnífica democracia, são necessárias as assinaturas do pai e da mãe (os dois!) num formulário a ser baixado da internet e impresso em duas vias. Só porque não existe mais papel-carbono, as vias se multiplicam. E, claro, a assinatura sozinha deles, de ambos os dois, não basta: ela tem que ser reconhecida em cartório (ou, antes, provavelmente, “cartórios”, no plural), porque só tabeliães falam sempre a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade, como em juramento de filme americano. Todos nós outros somos mentirosos, sacripantas cuja assinatura de nada vale a não ser que leve um carimbo e um selo holográfico (inventado, aliás, porque os tabeliães mentiam muito acerca de quantas autenticações haviam feito…). No caso de pais ocupados, ou mesmo pais divorciados, para não falar nada de pais que morem em cidades diferentes, coisa infelizmente hoje muito comum, o que se tem é trabalho para vários dias, talvez até mesmo mais de uma semana, especialmente se os Correios continuarem sendo a maravilha que são e for necessária a sua intermediação.

Claro, a “sugestão de pauta” trazia uma entrevista com uma tabeliã, que achava aquilo ótimo, lindo-maravilhoso, porque – claro – aumentaria a “segurança” de alguém que eu esqueci quem seria, essas coisas de sempre. Assustador, repito, assustador.

Outro spanzinho merreca, que chegou enquanto eu batucava estas mal-traçadas, é de uma “pesquisa global realizada pela [FIRMA TAL], líder de mercado em software de gestão na nuvem” (seja lá o que isso for), que teria descoberto alguma obviedade. Desses tem aos montes. A “Câmara da Mulher Empreendedora e Gestora de Negócios de Curitiba da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Paraná”, avisa minha pasta de spam, também lançou alguma coisa, provavelmente um programa de incentivo ao uso de maiúsculas no começo das palavras; a FGV, vejam bem os senhores, analisa o perfil das candidaturas femininas do ano passado, mas já o gasto das empresas com a Reforma da Previdência deve subir, e, coisa indubitavelmente fantástica, alguma “empresa paranaense aposta na filosofia Lean [(lê-ã?)] e consegue clientes em 150 países” (ó só que beleza, parabéns aos leões!), e por aí vai. Esta, senhores, é a minha caixa de spam.

Mordam-se de inveja. Ou não.

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