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Foto: Daniel Castellano / Arquivo Gazeta do Povo
Foto: Daniel Castellano / Arquivo Gazeta do Povo| Foto:

A doença do professor Olavo de Carvalho fez com que os antitabagistas aparecessem por toda parte, como aqueles serzinhos cheios de pernas que saem de debaixo das pedras quando se as vira, todos pimpões de sua aparente vitória na guerra cultural. A grosseria que já os caracterizava em tempos idos tornou-se ainda pior e ainda mais desagradável num momento de preocupação coletiva com a saúde do homem que, sozinho, apontou ao Brasil o perigo do comunismo que cada vez mais dominava nossa nação. O que mais apareceu foi gente cheia de si, orgulhosa por não fumar (os piores são os que se orgulham de não fumar mais), atribuindo aos inocentes cigarrinhos do professor a origem de todas as mazelas da humanidade presente, passada e futura. Percebe-se clara e tristemente que o vocabulário moral dessa pobre gente foi, como apontou Chesterton em seu ensaio sobre a moral americana, substituído por certos tabuísmos irrefletidos. E só.

O Mal, para essa pobre gente, é o cigarro. Se se os interroga acerca da razão pela qual o cigarro seria tão mau, eles respondem orgulhosos – repetindo as palavras daquele novo Hércules, daquele pujante exemplo de perfeição física humana, o dr. Dráuzio Varela – que cigarro faz mal para a saúde. Ora, quem cargas d’água os fez responsáveis pela saúde dos outros? E, mais ainda, se é por aí, por que não reclamam da poluição ambiente, do excessivo consumo de açúcar, da exposição ao sol, de todas essas coisas que nos provam que para morrer basta estar vivo?! Bom, a isto temos resposta: tornar-se-iam tão chatos que acabariam sendo encontrados numa vala qualquer de periferia.

O antitabagismo, para muita gente, funciona efetivamente como um sucedâneo de moral, formando uma estranha pseudomoral em que se é santo e salvo e do Olimpo se acusa monstros em forma humana que vagam pelas ruas. Estes são os fumantes, gente crudelíssima que – horror dos horrores – solta fumaça pelas ventas, como um dragão. Mas os antitabagistas, satisfeitos, comprazem-se em decretar-lhes a pena de morte. É assustador. O antitabagismo parece liberar as pessoas da mais básica boa educação, da mais essencial gentileza, do mais elementar cuidado para com o próximo. Em casa de enforcado não se fala de corda; mas em casa de tabagista, para eles, é com prazer evidente que fazem do cigarro uma virtual sentença de morte.

Ora, bolas, se o professor Olavo fuma como um caipora há mais de meio século, consumindo dezenas de cigarros por dia, o que isso prova é que, na pior das hipóteses, cigarro não faz tanto mal assim, ou faz mais mal a uns que a outros, estando ele entre os outros. Senhores de 70 anos de idade têm problemas de saúde. Não há como escapar disso; fumantes ou não fumantes, estranho seria não ter uma que outra mazela em idade tão avançada. E se o cigarro fosse assim tão medonho, não teria demorado tanto a perturbar-lhe a existência ao menos ao ponto de fazer com que desejasse parar de fumar. Se continua a fazê-lo, é porque continua a achar que vale a pena. E, se ele acha que vale a pena para ele, quem seria eu para negar-lhe este direito?! O corpo é dele, a casa é dele, o cigarro sai do bolso dele. Não comento seus cigarros como não comentaria sua sexualidade, o tamanho de suas orelhas, seu gosto para sapatos ou qualquer outro detalhe igualmente irrelevante e de foro pessoal.

Mas não. Para os antitabagistas, o cigarro é coisa pública, é algo que justifica qualquer grosseria pública. Assim, a doença do professor torna-se prova pública de que não só o cigarro é monstruoso, como que eles têm o direito de encher publicamente a paciência de todos com a sua insolência desaforada, com seus desejos de morte para todos os que ousem se levantar contra seu bizarro tabu tribal, com sua falta de compostura, com seu desrespeito para com os doentes, os mais velhos, os que têm gosto diverso etc.

Essa preocupação doentia e indelicada até a medula com um elemento, dentre muitos, que pode ou não afetar deleteriamente a saúde dos outros não tem mais nada a ver com preocupação com a saúde, se é que um dia já teve. Trata-se, antes de mais nada, de uma experiência extremamente bem-sucedida de guerra cultural, de ação propositada e organizada de modificação de hábitos de uma cultura inteira. No caso, esta modificação aconteceu primeiro nos Estados Unidos, e de lá foi importada para cá junto com tantas outras porcarias que a hegemonia cultural americana acaba tornando normal até mesmo em lugares mais civilizados. Na fila está a liberação da maconha, em sentido exatamente oposto ao do tabagismo e com a mesma ausência completa de racionalidade no trato com uma substância em si neutra. A maconha, que naquela cultura dualista antes era a erva do demônio, hoje já é nos EUA percebida em muitos meios como panaceia universal. Não duvido que os mesmos histéricos que hoje, imitando os americanos de há algumas décadas, abanam-se e fingem desmaiar quando percebem ao longe o suave odor de um cigarro daqui a alguns anos estejam sempre acompanhados por uma densa nuvem de fumaça de maconha, de fazer inveja a Bob Marley.

São engenharias culturais muito bem feitas, neste caso efetuando uma magistral substituição de uma erva por outra, mostrando ser possível mudar elementos culturais e escravizar mentalmente enormes parcelas da população. Pois é isto o que ocorre com os antitabagistas: são escravos mentais, motivados em relação ao cigarro por uma série irracional de condicionamentos pavlovianos, que os fazem latir imediatamente à vista ou lembrança de um cigarro, sem se dar conta de onde estão, do respeito devido aos demais etc. Nada conta diante do seu condicionamento. A educação, a polidez, a ordem social, tudo vai pela janela diante da histeria provocada por um inocente e inofensivo cigarrinho (já sei que vai haver um monte de antitabagistas, pavlovianamente condicionados, esbravejando contra o “inofensivo” acima. Mantenho-o. Nunca se ouviu falar, em toda a história da humanidade, de uma só pessoa que fosse que tenha tido qualquer problema grave por conta de um solitário cigarro. No máximo queimaram-se ao esbarrar na sua brasa).

É irrelevante para o não fumante se fumar faz ou não mal à saúde, exatamente como é irrelevante para quem não mora em São Paulo o tamanho do poluidíssimo engarrafamento de lá. Não só ninguém é encarregado da saúde do próximo, quanto é uma tremenda falta de educação perturbar as pessoas acerca de suas prioridades e seus hábitos. Viver até os 120, para muita gente, não é de modo algum desejável. E mesmo para os que gostariam, caberia lembrar que já houve uma senhora brasileira que viveu até mais que isso, tendo parado de fumar aos 98 porque queimava a ponta do nariz ao acender a guimba do palheiro.

Não existe, nem por razão de cigarro nem por qualquer outra, o direito de encher a paciência dos demais, de ser grosseiro para com eles, de desejar-lhes ou vaticinar-lhes a morte em público. Fuma quem quer; é um direito de cada um, que cada um pode exercer como bem entender. Antitabagistas têm, sim, o direito de não fumar. Têm, também, o direito de pedir gentilmente aos fumantes que não fumem dentro da propriedade dos antitabagistas. Pedindo desculpas, claro, por causar tamanho incômodo; é um direito do antitabagista não ter fumaça de cigarro dentro de casa, mas não é um direito seu ser incivil ao impor a um fumante um sacrifício que lhe será desagradável.

Mas em breve, imagino, será possível fugir da fúria dessa pobre gente escondendo a fumaça do tabaco no meio da fumaça bem maior da maconha com que em breve, a julgar pelas ações de engenharia social, os antitabagistas encherão permanentemente de alcatrão os pulmões. Quem viver verá. E ainda vão chamar o pobre tabaco de “erva do diabo”. A sério. Tadinhos.

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