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Horrores ideológicos
| Foto: Pixabay

Na semana passada escrevi sobre o que faz da ideologia de gênero uma ideologia, em resposta a um artigo falacioso que infelizmente circulou bastante. Para não alongar desnecessariamente a explicação, deixei para esta semana a exposição de consequências graves do pensamento ideológico, que demonstram cabalmente os horrores perpetrados por qualquer ideologia, inclusive e especialmente a de gênero.

Esta é muito pior que as suas antecessoras do século passado por sua escolha de negar um aspecto absolutamente crucial da natureza humana (e de vários outros seres vivos, aliás), que é a sua divisão em dois sexos. Ideologias, por serem distorções simplificadoras da realidade, sempre negam divisões reais entre as coisas e pessoas, substituindo-as por divisões fantasiosas. O comunismo, por exemplo, divide arbitrariamente os seres humanos a partir de algo que lhes é exterior, a propriedade ou não dos meios de produção (botando no mesmo saco, assim, os donos de uma multinacional automotiva e o pipoqueiro da esquina). O nazismo dividia arbitrariamente os seres humanos a partir de sua ancestralidade. O positivismo, a partir de sua adequação a supostas “eras” de uma suposta evolução social. E por aí vai.

São aspectos quase irrelevantes na vida prática de quem não está sujeito pela força a uma ideologia, mas que se tornam extremamente relevantes quando ela toma o poder, e eles servem até mesmo de causa para genocídio, coisa que quase toda ideologia acaba por fazer. É irrelevante se se é judeu ou não agora, ou se se tem um sitiozinho onde se planta feijão, mas, respectivamente, na Alemanha hitlerista e na União Soviética leninista essas “irrelevâncias” eram uma sentença de morte. Se há ou não na realidade dos fatos – ou seja, se se trata ou não de um construto social, em oposição a algo realmente presente de fato independentemente da organização da sociedade – uma “judaidade” ou uma “burguesidade” é algo que se pode discutir. Negar, todavia, algo tão anterior à sociedade quanto a divisão binária dos seres humanos, com um sexo mais forte fisicamente e outro mais forte intelectualmente, com um sexo que (literalmente, no caso do aparato reprodutivo) “projeta-se para a frente” e outro que acolhe, e por aí vai, é negar algo básico demais. Mutatis mutandis, é algo semelhante ao que ocorreu – pela primeira vez desde a cristianização da sociedade europeia e seu corolário: o reconhecimento da dignidade intrínseca de cada homem – quando o nazismo negou liminarmente a humanidade dos judeus.

Eles mantiveram o “cis”, mas viraram ao contrário o “trans”, apenas para poder dizer que um homem de vestido “é mulher, sim; só que é mulher trans e não mulher cis

Como costuma ser o caso com as ideologias, a ascensão da ideologia de gênero e sua imposição foram algo súbito. Exatamente como descrito por Orwell em 1984, subitamente uma “verdade” nova suplantou instantaneamente a “verdade” anterior, e todos passaram a ter a obrigação de agir como se ela sempre houvesse sido obrigatoriamente aceita. A história é forçosamente reescrita, como os proponentes da ideologia de gênero estão fazendo agora, com suas acusações absurdas contra personagens históricos, sua celebração de “pessoas trans” de tempos idos, que jamais se perceberiam assim etc. Num dia tinha-se uma espécie humana dividida em dois sexos; no dia seguinte, a mera declaração (ou, na pior das hipóteses, o guarda-roupa) de alguém bastava para fazê-lo magicamente pular ao sexo oposto.

Curiosamente, para facilitar a pregação ideológica, cometeu-se (mais) um atentado, este à língua: o “trans” sempre foi o que avança além de algo, enquanto o “cis” permanece aquém. Assim, por exemplo, o Uruguai, para cá do Rio da Prata, foi nossa Província Cisplatina. Houvéssemos conquistado também a Argentina, além do Rio da Prata, ela seria nossa Província Transplatina. Ou seja: do nosso ponto de vista brasileiro, o Uruguai é “cis” por estar aquém do rio, e a Argentina é “trans” por estar além dele. Destarte, o homem que miraculosamente se tornasse mulher não deveria ser “mulher trans”, sim “homem trans”: um homem que se situaria além da fronteira dos sexos, como a Argentina está além do Rio da Prata. Do mesmo modo, a “mulher trans” seria a mulher que irrompe através desta barreira inamovível, e miraculosamente torna-se homem. O “cis”, em ambos os casos, seria a pessoa normal. Pois bem: eles mantiveram o “cis”, mas viraram ao contrário o “trans”, apenas para poder dizer que um homem de vestido “é mulher, sim; só que é mulher trans e não mulher cis”, o que não faz sentido algum quando o que se está tentando afirmar é um pertencimento impossível ao sexo oposto. Era preciso usar a palavra “mulher” para os homens e “homem” para as mulheres. Quando isto subitamente aconteceu, confesso que fiquei confuso, talvez pelo fato de conhecer nosso vernáculo, e só parei de confundir a terminologia subitamente imposta quando me dei conta de que a “trans” estava sendo dado um novel sentido, o de “de mentirinha”. Assim, a mulher trans é uma mulher de mentirinha. Resolvido; passei a entender o vocabulário da nova pseudoverdade.

Indo para o mundo real, todavia, e tendo o desprazer de vê-lo sem os óculos furta-cor da nova ideologia, o que mais saltam à vista são os crimes e absurdos que dela inexoravelmente derivam. O primeiro deles, e quiçá o mais grave, é o literal envenenamento e mutilação de crianças e demais pessoas. Exatamente como a eugenia nazista considerava – coisa muito na moda, aliás: é a política oficial da Islândia e de vários outros países europeus – que crianças com Síndrome de Down não são humanas e devem ser “eutanizadas” (leia-se assassinadas), a ideologia de gênero resolveu, em sua tresloucada “sapiência” do mundo, que se um menininho de 5 anos diz que é uma menininha, contra o que é evidente a todos, quem tem razão é ele e não a realidade. Vejam bem os senhores: se o mesmo menininho dissesse ser o Super-Homem seria algo engraçadinho, mas ninguém esperaria que ele voasse. Dificilmente seria recomendado a seus pais que o atirassem de uma janela, ou que o mandassem pegar batatas fritas na panela com as mãos nuas.

Já se ele afirma pertencer ao sexo oposto, a regra atual da Sociedade Americana de Pediatria é que os pais devem incentivar esta fantasia. Ora, aos 5 anos é mais que evidente que ninguém sabe de nada. É uma idade em que a fantasia e os fatos misturam-se loucamente. E, mesmo que soubesse, um “saber” contrário à realidade dos fatos (seja ser o Super-Homem ou uma menininha) é simplesmente falso. E assim se torna uma vítima este pobre menininho, cujos próprios pais se veem forçados a tentar enlouquecê-lo mais ainda e a tornar a sua confusão identitária ainda pior pela aceitação ativa de uma fantasia infantil que normalmente seria irrelevante (como a condição judaica seria irrelevante fora da Alemanha nazista, ou a propriedade de um carrinho de pipocas seria irrelevante fora da União Soviética). Quando chegar à puberdade, os carniceiros, digo, os pediatras são agora forçados em muitos lugares (nos EUA, origem desta nefasta ideologia, mais que em outros) a dar-lhe drogas que impedem que cheguem as transformações normais nesta fase. Assim como na Itália de há cento e tantos anos cortava-se fora o saco escrotal de meninos para que permanecessem com voz fina e fizessem (ou não) carreira de cantores, nos EUA atuais envenenam-se outros meninos com o mesmo fim. E se os castram, dos restos de sua genitália tenta-se esculpir pavorosa imitação à moda Frankenstein de uma genitália feminina, seca e infecunda.

Ora, a puberdade é necessária. As crianças vitimadas pela prática da mutilação e envenenamento hormonal tornada mandatória pela ideologia de gênero terão fatalmente outros problemas gravíssimos ao longo de toda a vida. Além do evidente (a castração), eles terão ossos extremamente frágeis, distorções de crescimento e problemas de vários outros tipos. Sem falar, claro, nos imensos problemas psicológicos causados pela fantasia que são obrigados a viver a partir do momento em que tudo – da identidade legal à aparência – passa a depender da manutenção de um programa de envenenamento hormonal sistemático.

Outras vítimas dos mesmos delírios ideológicos que negam a realidade e tentam transformá-la cirurgicamente numa mentira são as pobres pessoas a quem a castração e o envenenamento hormonal são vendidos como “solução”, quiçá “cura”. Falo da condição dita “disforia de gênero”. Ora, uma “disforia” (antônimo de “euforia”) é uma psicopatologia. Segundo o venerável Dicionário Houaiss, trata-se de um “estado caracterizado por ansiedade, depressão e inquietude”. Destarte, é “disfórico de gênero” quem se vê ansioso, deprimido e inquieto e atribui este mal-estar ao seu “gênero” (ou seja, sexo). Ora, existem pessoas com disforias alimentares, que se percebem como obesas mesmo sendo macérrimas. Poder-se-ia perfeitamente dizer que elas estão ansiosas, deprimidas e inquietas por perceber-se obesas. Mas a obesidade delas é tão real quanto o pertencimento ao sexo oposto do disfórico “de gênero”.

Não é o que prega o discurso obrigatório da nova ideologia, contudo. Para ele, a fantasia ideológica deve ter preponderância sobre a realidade e orientá-la na transformação do que é existente no que é desejado. Estas pessoas, assim, são convencidas por carniceiros a fazer-se mutilar cirurgicamente, com os homens literalmente tendo o pênis virado ao avesso para simular uma vagina Frankenstein (evidentemente infértil) e as pobres moças tendo os seios arrancados. Além disso, toneladas de venenos hormonais são derramados sistematicamente em seu corpo, de modo a simular alguns aspectos exteriores do sexo oposto, ao qual, evidentemente, não pertencem, nunca pertenceram e jamais pertencerão, independentemente das fantasias de que sofrem, da mutilação e dos hormônios. O que se faz, na verdade, é um mero disfarce carnavalesco, com a desvantagem da mutilação e envenenamento.

Num excurso pela baixa literatura, lembro-me do personagem Arsène Lupin, o Ladrão Cavalheiro, fruto típico daquele auge da modernidade do Entre-Guerras, quando tudo parecia possível para a “Ciência”. Ele sabia disfarçar-se com o auxílio de produtos químicos que ora descoloriam sua pele, ora a empalideciam ou mudavam sua voz, além de sapatos que aumentavam a sua altura, coisas que introduzia nas bochechas e narinas ou a elas pespegava para mudar a fisionomia, além, claro, de roupas de ambos os sexos e demais disfarces fantásticos e elaborados. Ora, é exatamente isso o que se convence a fazer os pobres portadores de uma psicopatologia – ou seja, de um problema que está “na cabeça”, não no corpo. São meros disfarces, que contudo são obtidos pela mutilação e envenenamento. Lupin, creio eu, jamais chegou a mutilar-se, ao contrário das vítimas desta nefanda ideologia. É realmente criminoso o abuso realizado contra pessoas que, justamente por conta da psicopatologia de que sofrem, não são plenamente capazes de dar consentimento a mutilações e envenenamentos.

Não é à toa que o porcentual de suicídios de “pessoas trans” seja muitíssimo superior ao de qualquer outra categoria, incluindo prisioneiros e doentes terminais

Esta ideologia, assim, ao contrário das demais, tocando em algo tão próximo ao cerne do que constitui um ser humano, ataca com violência muito maior. Certamente sofria um menino judeu alemão, ou um filho de kulaks na União Soviética, que era entregue pelos pais preocupados a uma família amiga “ariana” ou “proletária” para que não sofresse a violência mortífera que se derramava sobre sua família. Seu sofrimento, todavia, empalidece com o dos que são forçados – seja em criança, seja durante um período de disforia – à mutilação genital e mamária e ao envenenamento hormonal sistemático. Não é à toa que o porcentual de suicídios de “pessoas trans” seja muitíssimo superior ao de qualquer outra categoria, incluindo prisioneiros e doentes terminais: sua própria identidade como ser humano lhes foi negada. O problema não é um suposto preconceito ou supostos maus-tratos por parte da sociedade, e sim o conflito identitário interno que os violentíssimos meios empregados na negação de sua realidade físico-biológica não têm como não causar.

A ideologia de gênero insere-se dentro do quadro do que alguns chamam “marxismo pós-moderno”. Trata-se de um termo bastante inexato, mais político que científico, mas no caso ele pode nos ajudar a perceber o que está acontecendo. O marxismo clássico pretendia prever o futuro da sociedade, que percebia como consistindo apenas em situações econômicas que determinariam e causariam relações de opressão efetuadas através de uma superestrutura a serviço da classe dominante. Já o marxismo pós-moderno fragmenta a percepção de relações de opressão: em vez de focar no proletariado (que a prática revelou ser extremamente conservador, ao contrário do que previa a teoria marxiana), os pós-modernos buscam classes alternativas de “oprimidos” para incentivá-las a levantar-se contra a superestrutura. Desta, evidentemente, como na visão leninista, faz parte o quadro familiar. Eles não deixam de ter razão, apesar de ser uma razão enlouquecida (bem dizia Chesterton que um louco é alguém que perdeu tudo, menos a razão): é a família que compõe a base da sociedade. Se uma pessoa percebe a sociedade como uma superestrutura maligna que deve ser derrubada, saindo daí necessariamente algo melhor, como é o caso dos marxistas pós-modernos, atacar a família surge como necessário. Sem a família seria possível – creem eles – criar uma sociedade igualitária, verdadeiro paraíso na terra. Todos os males viriam dela, na medida em que a ordenação social seria a causa de todos os males e toda ordenação social ocorre a partir da família.

Ora, a família é composta de um homem e uma mulher, que se unem e assim geram e educam filhos. É por isso que a ideologia de gênero tenta negar o que é ser homem e o que é ser mulher, assim como a Revolução Sexual – oriunda do mesmo quadro de péssima filosofia – atacou e ataca freneticamente a relação natural entre sexo e reprodução, tratando a fertilidade como doença e envenenando hormonalmente as mulheres para que seus ventres definhem e se tornem infecundos. Deste envenenamento hormonal das mulheres, provavelmente, surgiu a ideia do envenenamento associado à mutilação para criar supostos “gêneros” novos, que negariam liminarmente a divisão natural binária da espécie em homem e mulher. Assim puderam eles atacar, usando como bucha de canhão crianças e pessoas com problemas psiquiátricos sérios, a base natural da instituição do matrimônio, que é a diferença radical e essencial entre homem e mulher. Na União Soviética e na Alemanha nazista isso foi tentado por outros meios. Não funcionou. A natureza é mais forte; mesmo que uma ditadura distópica conseguisse separar completamente sexo e reprodução, com crianças criadas em úteros artificiais, como no Admirável Mundo Novo de Huxley, em algum momento um rapaz olharia para uma mocinha, ela o olharia de volta, e, quando menos se esperasse, uma família se constituiria. Isto está na natureza humana. A família é eterna; a família é invencível.

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