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Foto: Ronaldo Schemidt/AFP
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Assim como as pessoas têm interesses distintos, os governantes dos países também agem em funções de coisas que para eles são importantes. Algumas vezes o interesse de um governante coincide com o do seu país, o que é coisa sumamente louvável; já em outras ele não só não coincide como está atrelado a outras coisas bastante baixas, para desgraça da população. Dentre elas, as mais comuns são o interesse eleitoral do partido daquele governante – que muitas vezes se estende a coalizões partidárias internacionais –, o interesse próprio dele ou mesmo o de outros países a quem sirva informalmente. A horrenda situação da Venezuela é um exemplo clássico disto.

Lá, temos no poder um incompetente que substituiu um palhaço, tendo a soma dos desgovernos de ambos durado já o absurdo de quase 20 anos. Durante este tempo, aquele país teve suas imensíssimas reservas de petróleo postas a serviço de um populismo da pior espécie, com sucesso que variou de acordo com o preço do barril nos mercados internacionais. Aos poucos o sistema foi sendo manejado e corrompido até que o governante atual tenha adquirido poderes ditatoriais bastante claros, mandando prender e arrebentar quem bem lhe dê na telha, de jornalistas a políticos da oposição. Nesta, por estes dias, surgiu do nada um pretendente ao cargo de presidente, hoje reconhecido por dezenas de países. Não lhe adianta muito tal reconhecimento, todavia, na medida em que o poder de fato continua na mão do ditador.

A que interesses servem eles, todavia? Este é o ponto principal se buscamos um reto entendimento da situação. Maduro, o ditador, coloca seus vastos bigodes a serviço das barbas do cadáver de Fidel Castro. Ele subiu na vida, passando de chofer de ônibus a presidente da Venezuela, levado apenas pela sua capacidade de bajular e servir os interesses cubanos (e, como sempre nesse meio, em segundo lugar, o do tráfico internacional de cocaína, em que se especializavam as Farc, um membro do Foro de São Paulo e parceiro do Comando Vermelho brasileiro sediado ali do lado). Aqui, no Brasil, tivemos o desprazer de ter mais de década de desgoverno do PT, partido comprometido até a medula com a ditadura castrista, que ajudou, e muito, a bancar tanto esta quanto a venezuelana. Empréstimos a fundo perdido do BNDES, compras fraudulentas de refinarias e outros negócios escusos fizeram com que o pobre contribuinte brasileiro tenha escorado ambas as ditaduras quando, caindo de podres, não conseguiam nem sequer assegurar a alimentação mais básica para seus povos. Cabe lembrar que, no socialismo que ambas pregam, a responsabilidade de alimentar a população é diretamente do governo. Enquanto no capitalismo – ou em qualquer sistema que não o socialista/comunista – a parte do governo seja basicamente sair da frente e deixar que o mercado assegure a alimentação da população, intervindo apenas no caso de catástrofes ou demais necessidades prementes, no socialismo o pão nosso de cada dia é pedido ao ditador, não ao Criador.

Juan Guaidó, por sua vez, o “presidente” reconhecido pelos EUA e por quem mais os seguirem, é basicamente um pau-mandado dos americanos, ainda que pertença a um partido ligado à Internacional Socialista e – para tentar garantir o apoio dos órfãos de Chávez, o palhaço que iniciou a revolução bolivariana em cujo timão roçariam hoje os bastos bigodes de Maduro – tenha por estandarte a Constituição chavista. Instalado no poder, é quase certo que os interesses americanos estarão sempre em primeiro lugar em sua mente. Mesmo assim, é evidente que é uma alternativa excelente a Maduro. Convenhamos, contudo, que até o Tiririca seria menos ruim que Maduro no poder.

Mal que bem, é praticamente impossível a um país do Caribe fugir à influência americana e, ao mesmo tempo, sobreviver economicamente, que dirá prosperar. Estão simplesmente perto demais. Mais ainda, claro, se este país tem, como é o caso da Venezuela, as maiores reservas de petróleo do mundo.

Os EUA estão ora sendo governados por Trump, que por sua vez é mais ou menos refém de uma corja crapulosa de “guerreiros de sofá” encabeçada por John Bolton (aquele barbudinho do cabelo estranho a quem Bolsonaro deu de comer o iogurte da filha antes de ser empossado). Quanto a este, aliás, cabe observar que, ao contrário de enorme parcela de sua geração, ele jamais ouviu um tiro disparado em combate. Fugiu da Guerra do Vietnã alistando-se na Guarda Nacional, escrevendo na época: “Confesso que não tinha nenhum desejo de morrer em uma plantação de arroz do Sudeste Asiático”. A imensa maioria dos neoconservadores, grupo de que faz parte, tem trajetórias semelhantes, fugindo da guerra quando era-lhes a vez e incentivando-a quando era a de outros. Esta corja neoconservadora que cerca e amarra Trump é originalmente oriunda do pior da esquerda trotskista daquele país, tendo-se convertido a uma modalidade de direitismo que procura espalhar pelo mundo a torta de maçã e os filmes americanos como antes buscava fazer com a Revolução comunista. Para eles, a primeira solução para qualquer problema é bombardear o país de alguém, e a segunda é atirar-lhe uma bomba atômica. Trump foi eleito com uma plataforma de relativo pacifismo, mas sua entourage o impediu quase completamente de cumprir com suas promessas de campanha, atirando-se nervosamente à jugular da Rússia e provocando o máximo possível o governo iraniano. No momento, Bolton – que chegou a cancelar uma viagem à Coreia do Sul para melhor fomentar a agressividade americana contra Maduro – está disparando tuítes e tentando fazer com que os países que ainda apoiam o ditador mudem de lado. Nesta guerra de bigodes entre Bolton e Maduro, é difícil saber quem é mais agressivo. Trump, contudo, parece por enquanto decidido a não deixar a situação escalar, ainda que Bolton tenha já declarado que “todas as opções estão na mesa”, incluindo aí uma intervenção militar direta dos EUA.

O interesse maior dos EUA é sempre petróleo. Desde que Henry Ford deu-lhes a primeira provinha do combustível automobilístico, desde que poços de petróleo passaram a alimentar a calefação das casas no inverno e a geração de energia – e quanta energia! – ao longo do ano, na virada do século retrasado para o passado, os EUA são viciados em petróleo. É um vício tão forte quanto o de um viciado em crack ou heroína; a população americana está acostumada a energia barata, baratíssima para os padrões do resto do mundo, e nenhum presidente seria louco de negar-lhes o que consideram um direito inalienável. O americano não tem direito a uma aspirina que seja do Estado, mas tem direito a sair de casa e deixar o ar condicionado ligado sem se preocupar muito com o tamanho da conta, ou a passear de carro o dia inteiro nos dias de folga (não paga), sem tampouco se ver muito incomodado com a fatura do posto. Cada qual com suas prioridades.

O segundo interesse dos EUA é a manutenção de uma certa hegemonia. Trata-se de um império pós-moderno, que substitui no mais das vezes as tropas estacionadas em países conquistados pela conquista cultural efetuada pelas músicas, filmes, refrigerantes e demais elementos que lhe dão uma certa hegemonia cultural, facilitando-lhe tremendamente os negócios. Nos poucos casos em que o país intervém militarmente, contudo, é quase sempre certo o caos. É o caso, nos últimos tempos, de sua invasão do Iraque, que transformou um país rico numa enorme e caótica terra de ninguém, levando ao surgimento do Estado Islâmico. Este foi ajudado, ainda, pelos fracassados esforços americanos na derrubada do presidente sírio, aliado do Irã e, portanto, inimigo americano e israelense (a defesa de Israel, que poderia ser considerado o 51.º estado americano, é o terceiro interesse americano, mas no caso venezuelano há pouca coisa importante neste sentido, apesar das ligações entre Maduro e o Hezbollah). Também é o caso na longuíssima guerra americana no Afeganistão, onde instalou um governo fantoche, mas jamais conseguiu o controle total do território, estando hoje em negociações com o Talibã para retirar-se de cena (outra promessa de campanha de Trump). É, ainda, o que ocorre na Líbia, em que as ações militares franco-americanas levaram ao assassinato do ditador Kadafi (amigo pessoal de Lula, aliás) e à transformação do rico país norte-africano numa terra de ninguém, aumentando tremendamente o fluxo de refugiados para a Europa, como todas as crises citadas acima.

Ora, a situação da Venezuela – sem prejuízo do que escrevi em artigo anterior sobre a mesma crise, que analisei por outro prisma – a coloca no meio da necessidade americana de hegemonia. Mais ainda por estar em seu quintal, separada que está dos EUA pelo belo Mar do Caribe (onde fica ancorada a ilha-prisão da família Castro). Os EUA fomentaram guerras na Europa Oriental, tratando como se nada fosse a promessa de Reagan de deixar aqueles territórios fora da Otan. Hoje, a maior parte dos países que pertenceram ao antigo Pacto de Varsóvia, encabeçado pela Rússia, está na Otan, criada como instrumento de guerra contra a mesma Rússia. A própria Ucrânia, parte tão próxima culturalmente da Rússia que era tida como uma das “Rússias” do título do czar “Senhor de Todas as Rússias”, sofreu um golpe de Estado fomentado pelos EUA e hoje está nas mãos de um partido abertamente nazifascista, apoiado pelos EUA por ser contra a antiga metrópole. Os mesmos EUA, por meio de simonia, conseguiram até mesmo criar um cisma dentro do cisma, fazendo com que surgisse uma igreja ucraniana autônoma tanto de Moscou quanto de Roma, mas reconhecida pelo Patriarcado de Constantinopla.

Estes últimos ataques são percebidos pela Rússia como extremamente perigosos, e mesmo pessoais. Uma coisa é disputar a África; outra, muito diferente, é arrancar do domínio da Rússia terras que sempre foram suas ou quase suas. McDonald’s tudo bem, mas admitir à Otan e criar cismas dentro do Patriarcado de Moscou já é demais. Mutatis mutandis, seria como se a Rússia afastasse o Canadá dos EUA e o tornasse um país inimigo. É por isso que a Rússia passou a apoiar a ditadura venezuelana, igualmente situada no quintal dos EUA. Não há como saber até que ponto vai esse apoio, mas para os russos trata-se de uma aplicação simples do princípio de Talião de olho por olho e dente por dente. A Venezuela representa para eles a Europa Oriental que lhes foi “tomada” pelos americanos.

A China, por sua vez, entra na brincadeira movida, em primeiro lugar, por interesses comerciais. Além de empréstimos bilionários que fez à ditadura de Maduro, que ela teme não serem pagos por Guaidó se e quando ele assumir o poder, ela é um bom freguês do petróleo venezuelano, que compra barato devido à crise por que passa o país, que teve sua freguesia drasticamente diminuída pelas ações de retaliação comercial americana. A estes somam-se, todavia, interesses políticos semelhantes aos dos russos: a China está fortemente embarcada num projeto de dominação do Mar da China, transformando arrecifes em ilhas militarizadas, com aeroportos e bases de tropas, para garantir na marra a sua soberania sobre partes deste mar que são disputadas com outros países da região (Vietnã e Filipinas, principalmente). Os americanos estão continuamente provocando os chineses com passagem de navios de guera nos mares que estes consideram seus, além de apoiarem a autonomia da ilha de Formosa, que os chineses consideram uma província separatista que deve voltar, mais cedo ou mais tarde, à submissão ao governo continental, como o fizeram Hong Kong e Macau. Assim, apoiar a ditadura venezuelana para os chineses é algo interessante, até certo ponto. É impossível saber que ponto é este, ainda que seja extremamente improvável que tomem qualquer ação armada.

Cuba, ainda, evidentemente, é o maior interessado na manutenção de Maduro. Secaram-se uma a uma suas fontes de receita na América “bolivariana”, à medida que país após país foi se livrando das pesadas correntes do Foro de São Paulo, entidade que unia a esquerda continental e pretendia refazer aqui o que o comunismo perdera na Europa Oriental. O Brasil deu a Cuba até mesmo um porto de um bilhão de dólares, melhor que qualquer porto brasileiro, além de inúmeras outras ajudas. A Argentina idem. O Paraguai também. O Equador igualmente (o atual presidente, Lenine Moreno, apesar do nome, bandeou-se para o lado americano). Sobram-lhe os auxílios da Venezuela, México (que acaba, infelizmente, de eleger um “bolivariano”), Nicarágua, Bolívia e Uruguai. Se juntar tudo, não dá pra comprar um misto-quente na esquina, que dirá alimentar multidões de cubanos famélicos. O petróleo venezuelano, praticamente dado por Maduro, é o que move os belos carrões americanos que a miséria causada pelo comunismo faz que se tenha de manter andando. Para garantir seus interesses, a Venezuela está tomada por “assessores” cubanos, inclusive e especialmente nas Forças Armadas, que na prática obedecem antes a Cuba que ao próprio ditador. Daí, aliás, a dificuldade de Guaidó de fazer com que elas passem para o seu lado. Para complicar ainda mais a situação, Maduro deu generalatos a seus apoiadores nelas como quem dá balinhas de Cosme e Damião, e hoje o ridículo exército bolivariano tem duas vezes mais generais que o gigantesco exército americano, que tem dotações de verba superiores às de todos os demais exércitos do planeta somados.

Já o nosso Brasil tem interesses bastante claros. O primeiro deles é acabar com uma confusão tremenda justamente no fundo do quintal de casa. A Venezuela faz fronteira com o Brasil em Roraima, estado novo e pobre, que por vicissitudes geográficas é separado do resto do país pela quase impenetrável mata amazônica. A eletricidade de Roraima vem, em sua maior parte, da Venezuela, por exemplo, e o comércio da região de fronteira sempre foi fonte de sobrevivência para muitos brasileiros. A crise humanitária provocada pelo desgoverno comunista de Maduro, que – como sói acontecer quando o comunismo se instala – faz enormes parcelas da população não terem nem sequer o necessário para comer, fez e faz com que multidões desesperadas atravessem a fronteira e entrem no Brasil em busca de pão e remédios, assoberbando a capacidade do governo da pobre Roraima de atendê-los e abrigá-los. Eles são, por um lado, uma riqueza para o Brasil: afinal, são as pessoas mais sagazes e dotadas de força de vontade que conseguem fugir, e a facilidade da língua (o espanhol é mais próximo do português que muitos dialetos do alemão entre eles) os faz excelentes imigrantes. Por outro, é gente demais de uma vez só num lugar pobre e desprovido de meios de transporte para o imenso resto do país. Fica realmente difícil.

Além disso, muito dinheiro do Brasil foi enterrado na Venezuela pelos desgovernos petistas, que escoraram a ditadura chavista o quanto puderam com o dinheiro do contribuinte brasileiro. O Brasil tem a receber bilhões de dólares, e a ditadura de Maduro certamente não tem a menor intenção de pagá-los. Já um governo pró-EUA instalado com ajuda brasileira irá quase certamente acabar pagando o que o Brasil lá enterrou.

Nesta complexa situação geopolítica, o que se pode esperar? É praticamente certo que caia a ditadura Maduro. O que não é nem um pouco certo é como isso há de se operar. Trump não parece disposto, pelo menos enquanto outras opções forem possíveis, a mandar tropas, ainda que Bolton tenha deixado repórteres verem um pedacinho de papel em que prometia colocar 5 mil soldados americanos na Colômbia: ele não representa o governo americano, sendo nele apenas um elemento relativamente influente, que usa esta influência sempre no sentido de mais e mais guerras. É provável que, para a frustração dele, a situação na Venezuela se resolva pela pressão fortíssima que está sendo feita pelo Grupo de Lima, de que fazem parte o Brasil e a Colômbia, os dois únicos países relativamente ricos com que a Venezuela faz fronteira, sob os auspícios do gigante americano que bufa ao seu norte. Se os EUA conseguirem materialmente, com um bloqueio naval e aéreo, cortar o cordão umbilical que liga a Venezuela a Cuba (ou, antes, Maduro a Raúl Castro), enquanto o Brasil e a Colômbia tomam ações semelhantes em suas fronteiras, garantindo que nada entre que ajude a Maduro e muito entre que o prejudique, é possível que, em algum momento, a lealdade das forças armadas venezuelanas vá aos poucos passando para Guaidó ou para quem o substitua se ele for assassinado pela ditadura. Não há de ser fácil: tirar do poder um partido comunista, como estamos vendo no Brasil, é como um exorcismo, em que o mau espírito dá gritos terríveis e se agarra enquanto pode ao corpo que ocupou indevidamente. Isto pode, ainda, trazer como consequência indireta a derrocada final do governo comunista de Cuba, desprovido de financiamento externo que conte.

A guerra aberta, além disso, seria péssimo negócio para a população venezuelana inteira, que serviria na prática de refém ao ditador. Para piorar a situação, ele afirma ter armado muitos milhares de correligionários, coisa que a instalação recente de uma fábrica de fuzis russa em território venezuelano torna plausível. Estes estariam, para citar Mao Tsé-tung, “movendo-se em meio à população como um peixe n’água”, o que faria com que eliminá-los sem eliminar inocentes fosse tão improvável quanto acertar uma lança num peixe sem a molhar. Alguns culpados em uma enorme multidão de inocentes fugiriam para o Brasil e a Colômbia, aumentando ainda mais a crise humanitária em Roraima. Este estado teria, ainda, uma crise na economia formal, ainda que esta possa ser contrabalançada por um boom na economia informal de território contíguo a um em guerra. O tráfico de drogas, uma das fontes que restam de financiamento da ditadura venezuelana, também aumentaria em nosso território, e poderíamos ter ainda atentados cometidos pelas gangues que estão ligadas a ela por este comércio ilícito. Uma guerra, assim, seria uma tragédia que devemos rezar para que não ocorra. Que Nossa Senhora de Coromoto e da Caridade do Cobre, padroeira da Venezuela e de Cuba, liberte esses seus tantos filhos presos por ditaduras comunistas!

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