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Multas de trânsito renderam quase R$ 9 bilhões ao cofres públicos em 2016. Foto: Andre Rodrigues-Gazeta do Povo
Multas de trânsito renderam quase R$ 9 bilhões ao cofres públicos em 2016. Foto: Andre Rodrigues-Gazeta do Povo| Foto:

Dia 31 de outubro acaba o prazo para a implantação do Renainf, um sistema integrado que promete maior fiscalização e transparência no sistema bilionário de arrecadação de infrações cometidas por motoristas

Agentes de trânsito em Curitiba. A categoria está discutindo o porte de arma. tags: transito, agentes, siretran, cidade

Da canetada do agente trânsito aos registros dos radares, não são poucos os motoristas já penalizados pelo menos uma vez por autoridades nacionais, estaduais e municipais. O sistema de multas de trânsito no Brasil pode ser considerado um dos mais complexos do mundo, arrecada bilhões por ano e apresenta uma série de dificuldades para o usuário saber onde foi empregado o dinheiro pago por ele quando é multado.

Essa rede de arrecadação de multas, no entanto, está próxima de ser centralizada. É que no próximo dia 31 de outubro acaba o prazo para a implantação de Registro Nacional de Infrações de Trânsito (Renainf), um sistema que promete estabelecer o “controle de todas as infrações de trânsito, das suas respectivas penalidades e arrecadação, bem como da pontuação delas decorrentes”.

Para isso, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) estabeleceu um cronograma para os estados, o Distrito Federal e os municípios se integrarem ao Renainf. A maioria das unidades da federação e cidades com sistemas próprios tiveram de cumprir a norma até 31 de maio passado. O Paraná e o Amapá ganharam prazo até 31 de junho e São Paulo será o último estado, tendo de fazer a integração até 31 de outubro.

Sem o Renainf, a contabilidade da montanha de dinheiro arrecadado é impossível. O Ministério das Cidades admite que hoje “não tem como fornecer informação exata acerca do valor total de recursos arrecadados com multas de trânsito ou do número total de multas aplicadas no país, somadas as multas aplicadas por órgãos municipais, estaduais e federais”.

Os números divulgados ao público atualmente são baseados no valor arrecadado com o Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset). É uma estimativa que, para o governo, se aproxima do valor real. O cálculo só é possível graças a uma norma do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), a qual estabelece que 5% do valor das multas de trânsito arrecadadas deverá ser depositado na conta do Funset.

Com base nesse percentual, o Ministério faz uma previsão de arrecadação de multas. E o valor não é de se desprezar. Em 2016 a estimativa é que foram arrecadados R$ 8,85 bilhões por meio de punições a infratores por agentes municipais, estaduais e federais em todo o país.

A arrecadação de recursos oriundos de multas vem crescendo em ritmo acelerado. Nos últimos cinco anos subiu 273% e, para este ano, a previsão é de novo aumento. Até junho, foram arrecadados R$ 4,6 bilhões com multas – estimativa feita com base no repasse do Funset. Mantendo esse ritmo, 2017 deve fechar com mais de R$ 9 bilhões arrecadados

A divisão do dinheiro

Se o controle das multas de trânsito e a transparência no uso dessa verba são difíceis e até hoje ainda não estão totalmente equacionados, a “engenharia” adotada para a repartição dos recursos não é menos complexa. Separando os 5% do valor das multas que vai para o Funset, os outros 95% são utilizados pelos estados, municípios e a federação.

De forma simplificada, o sistema funciona da seguinte forma: 1) quando as autuações forem em rodovias estaduais e forem lavradas por policiais militares, o dinheiro vai para o estado – no caso do Paraná para o Fundo de Reequipamento de Trânsito (Funrestran); 2) quando as autuações versarem sobre infração nas cidades e forem lavradas por agentes municipais, o recurso vai para o município; 3) e as infrações em rodovias federais lavradas por policiais federais vão para a federação.

Mas existe outras divisões. Por exemplo, quando um agente municipal multa alguém numa via estadual o dinheiro é repartido entre estado (60%) e município (40). No caso da autuação feita por policial militar em via municipal, a divisão é inversa: 60% para o município e 40% para o estado.

Além dos 5% do Funset, do valor total da multa também é retirado tarifas de serviços dos operacionais – no caso do Paraná, atualmente são descontados R$ 9,77 para o Detran e R$ 10,09 para a Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná – Celepar.

Com o aumento da frota nas ruas e da violência no trânsito, aumentou também o controle. Foto: Aniele Nascimento-Gazeta do Povo

Desvio de finalidade dos recursos arrecadados

Com o aumento da frota de veículos e a consequente explosão da violência no trânsito, houve também um incremento da fiscalização nas cidades e nas rodovias por meio de radares. Criou-se então o polêmico termo “indústria das multas”. Paralelamente, cresceu a pressão da sociedade por maior fiscalização da aplicação dos recursos arrecadados com as infrações de trânsito.

As ações do Ministério Público é um exemplo de como essa área precisa de maior controle. Apesar das dificuldades do MP de investigar, foi constatada uma série de irregularidades por parte de gestores na aplicação desse dinheiro em todo o país.

Um dos casos mais recentes de denúncias de desvios ocorreu na capital de Goiás. Em fevereiro deste ano, a promotora Alice de Almeida Freire, da 7º Promotoria de Justiça de Goiânia propôs uma ação contra o município pela aplicação ilegal do dinheiro arrecado com multas de trânsito. A promotora constatou que, em 2015, pelo menos R$ 1 milhão foi usado para o pagamento indevido do aluguel de veículos de passeio, custeio de cafés da manhã e de despesas administrativas.

Em agosto do ano passado, a juíza Carmen Cristina Fernandez, da 5ª Vara de Fazenda Pública Prefeitura de São Paulo, deu prazo de até 60 dias para a prefeitura de São Paulo deixar de usar verbas do Fundo Municipal de Trânsito para pagamento de despesas e salários de funcionários da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). A medida foi tomada a pedido do Ministério Público do Estado de São Paulo.

A prefeitura, na época sob gestão do prefeito Fernando Haddad, avaliou como positiva a decisão. “A magistrada reconheceu que as contas bancárias e a movimentação financeira são confiáveis, uma vez que permitiram ao Tribunal de Contas e ao MP determinar onde o dinheiro foi gasto. Ela também reconheceu que não há indício de desvio de dinheiro público”, disse em nota.

O entendimento da prefeitura de São Paulo era que gastos com a folha de pagamento dos funcionários da CET poderiam ser contadas como despesas de ‘engenharia de tráfego’. Esse ponto é o que move muitos gestores municipais a defender que o uso dos recursos das multas deveria ser mais flexível e ter também outras finalidades.

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