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Protesto contra o Brexit, em Londres. Foto: Isabel Infantes/AFP
Protesto contra o Brexit, em Londres. Foto: Isabel Infantes/AFP| Foto:

Em 2016, embalados por uma onda populista anti-Europa, os britânicos decidiram em referendo que o Reino Unido deveria sair da União Europeia, o chamado ‘Brexit’. O placar apertado da votação – 51,9%% a 48,1% – retratou a profunda divisão na sociedade britânica e acirrou a disputa entre conservadores e trabalhistas, eurocéticos e moderados. Três anos após a decisão popular, o impasse sobre como fazer o divórcio parece ainda mais complicado. Com os prazos para uma tomada de decisão reduzidos a pouco dias, o que se pergunta hoje é o que vai acontecer. Dúvida essa que praticamente ninguém se arrisca a responder com segurança.

As incertezas sobre a separação do Reino Unido do bloco europeu ficaram expostas logo após o resultado do referendo. O ex-primeiro-ministro David Cameron, do partido conservador e responsável pela convocação da consulta, renunciou pouco tempo depois. Diante das dificuldades de encontrar uma saída menos traumática, a atual primeira-ministra, Theresa May, costurou um acordo com União Europeia no final do ano passado. O problema do “Tratado de Retirada”, negociado por May, é a falta de um consenso mínimo entre os deputados, donos da palavra final.

Desde que os chefes de Estado e de governo do bloco europeu aprovaram o acordo, em novembro de 2018, a proposta foi rejeitada em três ocasiões pela Câmara dos Comuns. Na primeira vez, no dia 15 de janeiro, a primeira-ministra foi derrotada por 230 votos, resultado sem precedentes na história parlamentar britânica. Na segunda, em 12 de março, a desvantagem caiu para 149 votos. Na última votação, dia 29, a diferença ficou em apenas 58 votos.

Na corrida contra o tempo, os deputados tentaram assumir o controle do processo propondo soluções alternativas para superar o imbróglio, mas a tentativa resultou em novo fracasso. Na segunda-feira (01), os parlamentares rejeitaram quatro opções ao acordo concluído por May.

A primeira das propostas, de realização de um referendo sobre qualquer acordo de divórcio concluído com Bruxelas, foi rejeitada por 292 votos contra e 280 a favor. Outra proposição, de estabelecimento de uma união aduaneira com a União Europeia (UE), foi derrubada por 276 votos contra e 273 a favor (uma diferença de apenas três votos). Uma terceira opção, conhecida como “Mercado Comum 2.0”, que previa a manutenção do Reino Unido no mercado único – o que permitiria liberdade de circulação de bens, capitais, serviços e pessoas, mas com exigências de uma união aduaneira, isto é, de uma política aduaneira e comercial comum –, também não obteve maioria entre os deputados. Foram 282 votos contra e 261 a favor. A última proposta, a qual propunha que, em caso de ausência de acordo a dois dias do Brexit, os deputados votassem a favor ou contra uma saída sem acordo (‘no deal’) e, em caso de ganhar o contra, que desistissem de sair da UE, foi igualmente rejeitada na Câmara dos Comuns por 292 votos contra 191 a favor.

Pressão dos prazos

Com todas as alternativas negadas pelos deputados, muitos britânicos se veem na situação de estarem caminhando sob o risco de caírem num precipício. Pelos prazos estabelecidos, o Reino Unido deve deixar o bloco no dia 12 de abril. Esse prazo pode se estender até 22 de maio caso o Parlamento resolva aprovar o acordo costurado por May antes da primeira data.

O Reino Unido está a pouco dias da saída sem saber como vai sair, porque de fato não sabe. A posição jurídica legal é que na sexta-feira da semana que vem (dia 12) o Reino Unido deve sair da União Europeia e hoje isso ocorreria sem acordo.

Kai Enno Lehmann, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP).

No time dos que apostam que o divórcio é irreversível está o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), Kai Enno Lehmann. “Vai haver uma separação, mas de que forma é imprevisível. O Reino Unido está a pouco dias da saída sem saber como vai sair, porque de fato não sabe. A posição jurídica legal é que na sexta-feira da semana que vem (dia 12) o Reino Unido deve sair da União Europeia e hoje isso ocorreria sem acordo”, diz.

Na avaliação de Lehmann, não é normal o que está acontecendo. “É completamente fora da normalidade. O Reino Unido está tendo uma psicose coletiva, não há uma situação normal para quem olha de fora”

Independentemente do que acontecer, Lehmann tem uma certeza: a de que a primeira-ministra Theresa May vai cair. “Não há futuro para May no governo. Ela vai sair, pode ser na semana que vem ou no mês que vem. Ela não chega ao fim do ano no cargo”, prevê.

O embaixador Graça Lima (veja entrevista) também reconhece dificuldades para se resolver o impasse, mas ainda vê uma luz no fim do túnel. “Até o dia 12 de abril há uma janela de oportunidades para reverter esse quadro. É muito difícil de isso acontecer depois de três derrotas, mas tecnicamente é possível encontrar opção ao Brexit proposto pela Theresa May”, avalia.

Defensores da saída do Reino Unido da União Europeia, em LOndres. Foto: Tolga Akmen/AFP

Mais tempo

Após as sucessivas derrotas, May anunciou na terça-feira (2) que pedirá à União Europeia uma nova extensão do prazo para o Brexit. A medida é uma jogada da premiê para ganhar tempo e ainda tentar a aprovação do acordo de retirada do bloco. Pela proposta de May, a extensão do prazo deve ser “a mais curta possível” e com uma data-limite anterior a 22 de maio, para que o Reino Unido não tenha de participar das eleições ao Parlamento europeu, marcadas para o período de 23 a 26 de maio.

A premiê também mostrou disposição de se reunir com o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbin, em busca de consenso. Ao mesmo tempo, afirmou que os termos negociados por seu governo para o Brexit, que já foram rejeitados três vezes pelo Parlamento, continuarão a fazer parte do acordo.

A aproximação de May com o trabalhista Corbyn provocou críticas e duas quedas no governo. O conservador Nigel Adams, ministro do País de Gales, e o secretário de estado para o Brexit, Chris Heaton-Harris, renunciaram aos seus cargos por discordâncias. Apesar das resistências, a articulação parece ter surtido efeito imediato. Na quarta-feira (03), os deputados aprovaram a proposta para pedir à UE adiamento do prazo. Foi uma votação mais do que apertada, com apenas um voto de diferença: 313 a favor e 312 contra.

A União Europeu tem posição firme de que o Reino Unido não pode permanecer como membro se não deseja participar das eleições. May se agarra a um parecer jurídico do Parlamento Europeu, o qual diz que não haveria problemas se a nova data-limite fosse até o final de junho, pois a nova legislatura não teria realizado sua primeira sessão até então. Para líderes europeus, no entanto, permitir que o Reino Unido se mantenha no bloco sem realizar eleições seria arriscado demais.

Caso o Parlamento Europeu conceda a May um novo prazo, a medida deverá incluir uma cláusula que permita ao Reino Unido sair da UE antes do fim deste prazo se seu governo conseguir aprovar um acordo entre os parlamentares britânicos. A extensão do prazo também permitiria que fossem realizadas eleições gerais antecipadas no Reino Unido ou mesmo um novo plebiscito sobre o Brexit, o que o governo britânico tem rejeitado até agora. Também há a possibilidade de suspender ou cancelar o Brexit, algo que o Reino Unido pode fazer unilateralmente, mas May tem afirmado repetidamente que não está disposta a fazer isso.

Relações tensas

A relação entre Reino Unido e União Europeia foi marcada por conflitos desde o início do namoro, há quase sessenta anos. Os britânicos tiveram que esperar quase uma década, até a perda de poder e a consequente renúncia de Charles de Gaulle – fundador da Quinta República Francesa –, em 1969, para poder entrar na Comunidade Econômica Europeia (CEE), quatro anos depois, em 1973. O casamento, que prometia abrir o caminho para a terra prometida, logo virou motivo de desentendimentos.

Em meio a disputas políticas entre conservadores e trabalhistas, em 1975 os britânicos foram chamados às urnas para votar pela manutenção, ou não, do Reino Unido na CEE. A vitória pela permanência foi esmagadora, com 67% dos votos. Tudo levava a crer que seria uma união estável e duradora. Seria.

De lá para cá as tensões no casamento aumentaram. Uma difícil equação está no centro da discórdia: sair do bloco europeu e ganhar liberdade para negociar com outros países sem as exigências da União Europeia, mas perder a livre participação no maior mercado consumidor de produtos britânicos ou permanecer na união e ter que seguir as regras do grupo.

Há ainda grandes pontos complicadores, como a questão da fronteira entre a província da Irlanda do Norte e a República da Irlanda. Caso a saída do Reino Unido seja concretizada, será preciso instaurar controles fronteiriços, que não existem hoje. “Não queremos que a Irlanda se torne a porta dos fundos para aceder ao mercado europeu”, afirmou na terça-feira (2) o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, após um encontro com o presidente francês, Emmanuel Macron, em Paris.

Essa complexidade levou o Reino Unido a manter-se sempre um pouco à parte das políticas do bloco europeu. O exemplo do distanciamento pode ser observado na consolidação da União Europeia e a posterior criação da moeda comum, o euro. Os britânicos mantiveram sua moeda nacional – a libra – e ainda conseguiram negociar um estatuto especial no que diz respeito às políticas de imigração e de asilo dos refugiados, que continuam em discussão na Europa.

Em 23 de junho de 2016, os britânicos voltaram às urnas para decidir uma vez mais sobre o casamento. E o resultado foi pela separação: 17,4 milhões de eleitores (51,9%) votaram pela saída e 16,1 milhões (48,1%) pela permanência.

Impacto para o Brasil

Enquanto aguarda o desfecho da demorada negociação de um acordo livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia – que já dura 20 anos e continua estagnada –, o governo brasileiro evita emitir opinião sobre o Brexit. Nos bastidores, sabe-se que o Itamaraty trabalha com os dois cenários: com a separação, o país terá de negociar em separado com o Reino Unido, enquanto que no caso de manutenção do Reino Unido no bloco europeu tudo vai ficar na dependência do acordo com o Mercosul.

“Para o Brasil seria melhor se o Reino Unido ficasse na União Europeia. Isso porque representaria menos mudanças, já que o Mercosul e a União Europeia estão em vias de firmar um acordo de livre-comércio. Como o Reino Unido representa uma das maiores economias do bloco, para o Brasil valeria a pena que os britânicos ficassem. Mas isso dificilmente vai acontecer, não vejo um cenário de o Reino Unido ficar. Então, o Brasil vai ter que se preparar para negociar com o Reino Unido daqui para frente”, prevê o professor Lehmann.

Irlandeses protestam contra a possibilidade de fechamento da fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte. Foto: Paul Faith/AFP

Cenários possíveis          

Após sucessivas derrotas do plano de saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) no Parlamento Britânico, as previsões do que pode acontecer são cada vez mais duvidosas. Veja algumas possibilidades:

Brexit sem acordo

A União Europeia (UE) estabeleceu o dia 12 de abril como prazo final para a saída do Reino Unido. O bloco terá uma reunião de emergência dois dias antes para lidar com o pedido britânico de adiamento ou se preparar para um Brexit sem acordo. Sem um novo prazo, o Reino Unido deixará a UE sem um acordo. Para a maioria dos analistas políticos, economistas e representantes empresariais esse cenário seria desastroso, com prejuízo em questões tarifárias e barreiras entre o Reino Unido e seus maiores parceiros comerciais na Europa.

Novo prazo

O pedido para adiar mais uma vez o Brexit, por alguns meses, foi anunciado na terça-feira (2) pela primeira-ministra Theresa May e aprovado no dia seguinte pelos deputados. A União Europeia não descarta atender o pedido, mas é relutante em permitir que o Reino Unido participe das eleições do Parlamento Europeu no fim de maio, o que ocorrerá se o Brexit for adiado. O limite para atender o pedido é a reunião dos membros do bloco no dia 10 de abril.

Aprovação do acordo de May

Essa hipótese voltou a ser cogitada na quarta-feira, mas o ‘Tratado de Retirada’ firmado pela primeira-ministra Theresa May já foi rejeitado pelos deputados em três votações.

Novo referendo

Proposta já recusada pelo parlamento britânico, continua aberta a opção de colocar qualquer acordo sob a dependência de um “referendo confirmatório”. O governo resiste à ideia. Os britânicos votaram duas vezes sobre a participação no bloco europeu: na primeira aprovaram a adesão e, na segunda, a saída. Agora, pesquisas mostram que a opção “ficar na UE” vem ganhando força. O problema é que não há tempo para realizar nova votação popular sem antes conseguir o adiamento dos prazos estabelecidos pela EU.

Queda de May

A oposição aposta que a única forma de fazer o Brexit andar com maior rapidez é antecipar a eleição nacional, prevista para 2020. Para isso, terá que derrubar o governo com um voto de não confiança ou o próprio governo convocar a antecipação da eleição. Essa hipótese também esbarra no tempo curtíssimo para encontrar um acordo.

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

ENTREVISTA

José Alfredo Graça Lima, embaixador e membro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais

Com larga experiência em negociações multilaterais, o embaixador Graça Lima vê possibilidade distante de um acordo para a saída do Reino Unido da União Europeia. Em quase 50 anos como diplomata, Lima ocupou diversos cargos do Ministério das Relações Exteriores (MRE) no Brasil e no exterior, representou o Brasil em negociações no Mercosul e do Mercosul com a União Europeia. Também atuou nas relações bilaterais do Brasil com os países da Ásia e Pacífico. Para ele, seja qual for o resultado da separação do Reino Unidos, as relações entre os britânicos e o bloco são uma incógnita.

O divórcio entre Reino Unido e União Europeia é irreversível?

Se nada acontecer até o dia 12 de abril, é evidente que depois dessa data o Reino Unido deixa de pertencer ao bloco europeu e não há não há previsão segura sobre o futuro das relações entre o Reino Unido e União Europeia. Acontece que de agora até o dia 12 de abril ainda há uma janela de oportunidades para reverter esse quadro – é muito difícil de isso acontecer depois de três derrotas –, mas tecnicamente é possível encontrar uma opção ao Brexit proposto pela Theresa May.

A data limite de 12 de abril pode ser revista, como quer a primeira-ministra Theresa May?

Existe uma data que tem que ser levada em conta, que é o dia 10 de abril, dois dias antes da data limite. No dia 10 os conselheiros da União Europeia vão se reunir para deliberar. Pode ser que até a data do dia 12 seja prorrogada, para dar uma última chance ao Parlamento Britânico de aprovar alguma coisa. Mas se nenhuma novidade acontecer, no dia 12 de abril o Reino Unido se separa da União Europeia com todas as consequências que a economia britânica possa ter.

Não há previsão segura sobre o futuro das relações entre o Reino Unido e União Europeia

Diante de uma separação não amigável, quem sai mais prejudicado?

A meu juízo, nesse caso o Reino Unido deve sentir maior impacto. Apesar que o Reino Unido passará a ter mais liberdade para comerciar e com isso, por exemplo, poder comprar produtos agrícolas mais baratos. Há também outras vantagens, como não ter que se sujeitar a determinadas obrigações impostas pela União Europeia, sobretudo em matéria de migração. Em que pese tudo isso, o impacto deve ser grande em matérias que interessam mais à economia britânica. O bloco europeu continua sendo o maior mercado para o Reino Unido e, do momento em que você não tem mais as vantagens de uma união aduaneira, isso tem um impacto ponderável.

Ainda existe possibilidade de conseguir votos suficientes para um acordo no parlamento britânico?

Várias propostas para uma saída ordenada já foram tentadas. É verdade que o número de votos contrários diminuiu sensivelmente da primeira para as últimas votações, mas é difícil. A não ser que que ocorra um milagre, que a União Europeia aprove uma prorrogação na reunião do dia 10. Fora isso, é absolutamente improvável que haja a aprovação de uma saída pelo parlamento britânico. O texto que foi levado ao parlamento previa a multa de 32 bilhões de libras, uma cartilha recíproca de direitos dos cidadãos (cidadãos europeus e britânicos) e ainda de um período de transição. No período de transição o Reino Unido permaneceria no mercado comum, numa união aduaneira, embora sem poder de voto nos colegiados, mas tudo isso foi rejeitado. Então nesse momento, até o dia 12, não há opções.

Um novo referendo é viável?

Há muito pouco tempo útil para convocar e realizar um novo referendo. Mesmo porque existe um parlamento que não está disposto e aprovar um novo referendo. Foram quase três anos que pareciam estar ocorrendo algum progresso, mas hoje vemos que não foi assim.

A União Europeia ficará enfraquecida após esse episódio?

A União Europeia sempre vai estar sujeira a determinadas tensões. Existe tensão entre os conselhos, tensões que surgem em alguns países membros insatisfeitos, como ocorreu no Reino Unido. Mas não acredito que nenhum grande país integrante do bloco vai embarcar nessa agonia. Até porque os países de renda mais baixas, como Portugal e Espanha, não tem como sair. O que seria da Grécia sem a União Europeia? Apesar de todas as condições impostas, para a Grécia a União Europeia é uma salvação. É claro que existem países – como a Alemanha, a França – que exercem liderança e, naturalmente, vão exigir determinadas obrigações, sobretudo em matéria fiscal, mas somando os prós e contras, nenhum país na verdade vai querer se afastar. Alguns deles nunca estarão totalmente satisfeitos, mas serão sempre minoria.

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