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virgindade
Sites oferecem certificados de virgindade por U$ 5.| Foto: Divulgação

Em setembro deste ano foi apresentada uma proposta de resolução ao Parlamento Europeu para proibir os testes médicos com a finalidade de emissão de ‘certificados de virgindade’. Na França, o governo anunciou no início deste mês que pretende introduzir na legislação pena de prisão e multas para médicos que forneçam “certificados de virgindade”.

As ações para acabar com os testes de virgindade não se restringem ao continente europeu e vem crescendo em todo o mundo desde que a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) se uniram em uma campanha contra a referida prática.

Os testes de virgindade são feitos por motivos religiosos, mas também têm sido exigidos em recrutamentos para as forças de segurança e, em muitas culturas, são uma tradição familiar. Apesar de serem mais comuns entre muçulmanos, em comunidades cristãs e judaicas a prática foi registrada por várias organizações, como a ONU e a Human Rights Watch.

O maior número de testes de virgindade é documentado no Norte de África – especialmente nos países do chamado Magreb –, Oriente Médio, Índia, Afeganistão, Bangladesh e África do Sul. Em muitas dessas localidades, o ‘certificado de virgindade’ é a garantia da honra não só da mulher, mas também da família dela, além de ser para a jovem mulher uma segurança de que não sofrerá violência ao casar-se por suspeita do marido de que não era mais virgem. Em países ocidentais, incluindo o Brasil, a prática também é registrada, apesar de ser menos comum.

Em 2014, o regulamento de um concurso para a Secretaria de Educação de São Paulo, estabelecia que as candidatas tinham que comprovar, com atestado médico, que não tinham o hímen rompido, o que levou, na época, a protestos. Ativistas de direitos humanos classificaram a medida de prática "da idade média". Em 2016, um dos exames exigidos no concurso da Brigada de Incêndio em Brasília (DF) era que às mulheres apresentassem o papanicolau ou provassem que não tinham o hímen rompido – ou seja, que ainda eram virgens. A candidata que “possui um hímen intacto está isenta de se submeter ao exame solicitado", informava o regulamento do concurso à época.

A rede de televisão britânica BBC publicou reportagem em seu site, no mês de novembro de 2019, sobre a tradição ainda viva em vários países árabes e muçulmanos, onde espera-se que as mulheres sejam virgens antes de se casarem. A BBC perguntou a 20 homens dessas regiões – com idade entre 20 e 45 anos, casados e solteiros, incluindo acadêmicos, médicos, professores e aqueles que se consideram "mente aberta" –, como eles reagiriam caso se deparassem com "nenhum sinal de virgindade" durante a primeira relação sexual com suas esposas. A maioria dos entrevistados equiparou "manchas de sangue à castidade e prova da virgindade da noiva", que, segundo eles, era o alicerce de uma vida conjugal feliz, baseada na confiança e na compreensão.

Para a ONU, a OMS, várias organizações de defesa dos direitos humanos e das mulheres, além de profissionais de saúde, a virgindade é um termo criado culturalmente, não se trata de um conceito médico ou científico. Por essa razão, os testes e emissão de certificados reforçam estereótipos e favorece a discriminação de gênero.

O movimento em defesa da proibição dos testes e emissão de certificados de virgindade argumentam, entre outros motivos, que não há evidências de que o método comprove se uma mulher já teve ou não relação sexual. O teste tem como finalidade comprovar que a membrana vaginal chamada hímen está intacta, porém, segundo as autoridades médicas, essa frágil membrana pode se romper em circunstâncias que nada tem a ver com o ato sexual (uso de absorventes, acidentes e atividades físicas) e há casos comprovados de meninas que nasceram sem a membrana.

Há ainda a possibilidade de realizar uma himenoplastia, pequena cirurgia realizada para refazer o hímen. Isso fez com que em alguns países surgissem uma onda de mulheres não mais virgem fazendo a cirurgia para “recuperar a virgindade” perdida. Surgiram também sites oferecendo a certificação, a exemplo do “certifiedvirgin.com”, que cobra US$ 5 para emitir o certificado.

Fora a abordagem científica, as organizações engajadas no movimento contra os testes e os certificados de virgindade elencam outras questões. Em um manual intitulado “cuidados com a saúde de mulheres submetidas à violência pelo parceiro íntimo ou violência sexual”, a OMS ressalta que “qualquer exame físico só deve ser conduzido com o consentimento esclarecido da paciente e deve ser focado em determinar a natureza dos cuidados médicos necessários”.

Os defensores do fim dos testes e da emissão de certificados de virgindade argumentam ainda que tais práticas devem ser enquadradas como "tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”, previstos no artigo 7 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o artigo 16 da Convenção contra a Tortura, ambos ratificados por grande parte dos países.

O movimento global diz que a proibição dos testes e certificados de virgindade vai contribuir para o fim da violência contra meninas e mulheres (uma vez que é doloroso, humilhante e traumático), da discriminação de gênero (já que homens não são submetidos a exames correspondentes), do estereótipo de virgindade associado à honra da mulher e com os traumas físicos e psicológicos do teste a curto e longo prazo (tais como ansiedade, depressão e estresse), assim como garantir o princípio fundamental da medicina de “não causar danos” e evitar que, em casos extremos, levem mulheres a cometer suicídio.

Na França, país com grande número de imigrantes do norte da África e de outros países muçulmanos, cerca de 30% dos médicos afirmam ter sido solicitados para emitir um “certificado de virgindade”. Segundo a TV France 3, a maioria recusa.

O projeto de lei do governo francês, que deverá ser apresentado ao parlamento em dezembro, propõe um ano de prisão e uma multa de 15 mil euros (quase R$ 100 mil pela cotação atual) para qualquer profissional médico. O governo também quer punições para quem exigir os “testes”, como os pais ou os noivos.

A proposta não tem apoio unânime na sociedade francesa. A ginecologista Amina Yamgnane, por exemplo, disse em entrevista ao diário 20 Minutes, que o projeto de lei é "simbolicamente interessante" e vai proteger aqueles profissionais que se recusem a realizar o procedimento, mas não será suficiente para acabar com a prática: "O risco é que, em vez de ir ao médico, essas famílias procurem conhecidos a quem atribuirão a responsabilidade”, comentou.

A também ginecologista Ghada Hatem admitiu ao canal de televisão LCI que concede o exame e o certificado quando percebe que sua paciente possa estar em perigo. "Sim, às vezes concedo atestados a mulheres que nem examinei. Se ela precisa de um papel que diga que é virgem para salvar sua vida, para não ser incomodada, eu faço. E explico a ela que sinto muito, que gostaria que ela não tivesse que passar por isso", relatou.

A OMS recomenda que “os profissionais de saúde e suas associações profissionais devem conhecer as consequências para a saúde e para os direitos humanos dos testes de virgindade e nunca realizar ou apoiar a prática”. A organização também recomenda que “os governos devem promulgar e impor leis que proíbam o teste de virgindade”, além da realização de campanhas de conscientização que desafiem os mitos relacionados à virgindade.

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