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Desde que foi criado, em 2008, o Fundo Amazônia arrecadou R$ 3,4 bilhões para custear projetos de preservação de florestas, controle e combate ao desmatamento. A quase totalidade desses recursos veio de apenas dois países, a Noruega – maior doador – e a Alemanha. Uma pequena parte, de apenas meio por cento, foi doada pela estatal Petrobras. Mas as doações estrangeiras ao fundo podem ter chegado ao fim. Os governos norueguês e alemão anunciaram neste mês a suspensão dos repasses. Como justificativa, os dois países manifestaram descontentamento com mudanças em estudo na gestão do fundo e, principalmente, com o aumento do desmatamento e das queimadas na região amazônica.

A decisão da Alemanha e da Noruega provocou reações do governo brasileiro, de governadores, do Congresso e, principalmente, de ONGs e ambientalistas que desenvolvem projetos e estudos com recursos do fundo. O presidente Jair Bolsonaro (PSL), retrucou com ironia à decisão dos países doadores. "A Noruega não é aquela que mata baleia lá em cima, no Polo Norte, não? Que explora petróleo também lá? Não tem nada a oferecer para nós. Pega a grana e ajuda a [chanceler alemã] Angela Merkel a reflorestar a Alemanha", declarou. O presidente também afirmou que muitos países não estão de olho na preservação da Amazônia, mas em sua soberania e riqueza.

Independentemente da reação de Bolsonaro, para diversos atores que atuam na questão ambiental da Amazônia, os cortes de recursos do fundo ameaçam paralisar mais de 80 projetos voltados para a sustentabilidade da região. Dirigentes de organização não-governamentais observam que a maior parte dos recursos das doações vai para governos estaduais e o próprio governo federal. Os estados e a União, somados, ficam com 59% do dinheiro arrecadado.

De acordo com o BNDES – responsável pela gestão do Fundo Amazônia –, a maior parte dos projetos dos governos estaduais financiados com o dinheiro das doações é para a inscrição de propriedades no Cadastro Ambiental Rural, que é o registro eletrônico dos imóveis rurais, fundamental para identificar os donos das terras, a extensão das propriedades e as áreas de mata nativa e desmatamento. Outra destinação dos recursos é para projetos estaduais de combate a incêndios florestais, ações de reflorestamento e fortalecimento da gestão ambiental.

As iniciativas tocadas por ONGs são mais numerosas. Ao todo, 60 organizações sem fins lucrativos recebem recursos do Fundo Amazônia. São projetos de geração de renda e de assistência técnica para agricultores em regiões carentes, de estímulo à agroecologia, de assistência técnica para o desenvolvimento de culturas da região, como castanha-do-pará, cacau, açaí e outros produtos, de preservação da biodiversidade (vegetal e animal) e muitos outros.

Processamento de Buriti: um dos projetos  financiados pelo Fundo Amazônia com objetivo de apoiar atividades sustentáveis que sejam alternativas à exploração predatória da floresta e dos recursos naturais.  Foto: ISPN
Processamento de Buriti: um dos projetos financiados pelo Fundo Amazônia com objetivo de apoiar atividades sustentáveis que sejam alternativas à exploração predatória da floresta e dos recursos naturais. Foto: ISPN

Riscos e impactos

Os governadores da Amazônia Legal – bloco composto por Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins –, lamentaram os cortes de recursos estrangeiros. “O bloco amazônico lamenta que as posições do governo brasileiro tenham provocado a suspensão dos recursos. Nós, governadores da Amazônia Legal, somos defensores incondicionais do Fundo Amazônia”, afirmaram em nota, divulgada no último dia 16, os governadores.

O coro dos governadores foi engrossado pelas ONGs que desenvolvem projetos na Amazônia com recursos provenientes de doações internacionais. Para boa parte dessas organizações, a redução de recursos terá impactos diretos e indiretos nas dezenas de projetos que vêm sendo desenvolvidos hoje na região voltados à preservação das florestas e de controle do desmatamento. E também alertam que o aumento do desmatamento e das queimadas nos últimos meses são consequências do congelamento de repasses de recursos durante o ano de 2019.

“Dois impactos que precisam ser avaliados nesse processo. Um impacto mais direito é que haverá menos dinheiro para se fazer as atividades. Isso não é só para as ONGs; os estados da região também utilizam esses recursos, tem projetos, inclusive para combater fogo, para atividades de prevenção de desmatamento. Então, o corte de recursos vai afetar um conjunto de organizações, o que reduz a capacidade de reagir ao desmatamento. O segundo impacto é mais indireto, que é o efeito na reputação internacional do Brasil. O Fundo Amazônia é o resultado de uma construção de credibilidade do nosso país, isto é, o Brasil é um dos países que mais tem acordos de cooperação”, diz o agrônomo André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

O engenheiro florestal Mauricio Voivodic, diretor-executivo do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) no Brasil, também vê impactos negativos com o corte de recursos. “O Fundo Amazônia tem sido utilizado por governos estaduais da Amazônia, governos municipais, secretarias de meio ambiente, agências do governo que atuam na fiscalização, muito além do que vai para as ONGs. O uso feito pelas ONGs do fundo é menos de 40%. Então são projetos necessários, sejam governamentais ou não-governamentais, que são tocados com esses recursos, seja para aumentar a fiscalização, para melhorar os métodos de monitoramento, para fortalecer a governança ambiental que se beneficiam do Fundo Amazônia”, avalia.

Projeto para preservação do Peixe-Boi da Amazônia. Foto: Ipê
Projeto para preservação do Peixe-Boi da Amazônia. Foto: Ipê

Interrupção de atividades

Antes mesmo de Alemanha e Noruega terem anunciado a suspensão dos repasses, ONGs já relatavam a paralisação de projetos. O bloqueio de recursos começou em fevereiro, quando funcionários do BNDES informaram que as análises técnicas de novos projetos seriam interrompidas para que fosse feito um "pente-fino" nos contratos anteriores, a pedido do ministro Salles. Paralelamente, houve interrupção das atividades, desde novembro de 2018, do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), órgão responsável por estabelecer critérios para aplicação dos recursos a cada biênio.

Meses depois, em maio, o ministro Salles afirmou que após um "pente-fino" nos contratos do Fundo Amazônia, teriam sido encontrados indícios de irregularidades nos serviços prestados por ONGs parceiras. O ministro, no entanto, não divulgou nomes de ONGs envolvidas nos casos citados nem o teor dos contratos. A fala do ministro provocou o afastamento da chefe do departamento de Meio Ambiente do BNDES, Daniela Baccas, interlocutora do Fundo com o ministério.

Apesar das suspeitas levantadas pelo ministro, a gestão do Fundo Amazônia foi elogiada pela equipe do Tribunal de Contas da União (TCU) após auditoria realizada no final do ano passado. “De início, cumpre ressaltar a transparência no acesso às informações do Fundo, haja vista a existência inclusive de site na Internet no qual são disponibilizados os dados e informações sobre os projetos e ações, com um grande grau de detalhamento”, diz um trecho do relatório.

Governadores querem negociar com europeus

Logo após Noruega e Alemanha terem anunciado a suspensão das doações ao Fundo Amazônia, governadores da Amazônia Legal – que compreende os estados do Amapá, Acre, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins – divulgaram nota em que afirmam estarem buscando diálogo “diretamente com os países financiadores”.

"Os governantes do bloco amazônico desejam participar diretamente das decisões para reformulação das regras do Fundo Amazônia, que estão sendo feitas pelo BNDES. Queremos, ainda, que o Banco da Amazônia passe a ser o gestor financeiro do Fundo, em razão da proximidade da instituição financeira com os estados, já que o Banco da Amazônia possui sede em todas as unidades do bloco", diz o documento.

*A reportagem entrou em contato por telefone com o Ministério do Ambiente, no último dia 16, e foi orientada a enviar questionamentos por e-mail. No mesmo dia as perguntas foram encaminhadas por escrito. Na quarta-feira (21), a reportagem voltou a entrar em contato com o ministério, mas, até o fechamento desta edição, não obteve respostas.

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