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Estudo da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra que parcela da população com renda média vem diminuindo 

Por muitas gerações, pertencer à classe média era a garantia de viver em uma casa confortável e proporcionar um estilo de vida recompensador, graças a um emprego estável com oportunidades de carreira. Era também base a partir da qual as famílias aspiravam a um futuro ainda melhor para seus filhos. A presença de uma classe média forte e próspera sustentou anos a fio economias e sociedades saudáveis. O consumo das pessoas desse estrato social, seu investimento em educação, saúde e moradia, seu apoio a serviços públicos de boa qualidade, sua intolerância à corrupção e sua confiança nas instituições democráticas foram por décadas os pilares para o crescimento inclusivo.

A classe média simbolizava e ainda simboliza o sonho e aspiração da maioria, mas hoje as oportunidades para as famílias de baixa e média renda subirem a escada se tornaram limitadas. Além das barreiras crescentes para ascensão, muitas pessoas de renda média enfrentam atualmente risco de cair para uma renda menor ou um status mais baixo. Esse cenário expõe sinais e muitas evidências de que a base das democracias e do crescimento econômico já não é tão estável quanto no passado. Isso é o que concluiu um estudo divulgado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que representa 36 países ricos em todo o mundo, mas também incluiu Brasil, África do Sul, China e Rússia em sua análise.

Ilustração: Felipe Lima

De acordo com o levantamento, intitulado Under Pressure: The Squeezed Middle Class (Sob Pressão: A Classe Média Comprimida, em tradução livre), a proporção de pessoas em famílias de renda média – aquelas que ganham entre 75% e 200% da renda nacional média – caiu de 64% para 61% entre meados da década de 1980 e meados de 2010. A influência econômica da classe média e seu papel como “centro da gravidade econômica” também enfraqueceu. “A renda agregada de todas as famílias de classe média era quatro vezes a renda agregada das famílias de alta renda há três décadas; hoje, essa proporção é menor que três”, constatou o estudo.

O ‘aperto’ da classe média é consequência, segundo a análise, de uma série de fatores, entre eles o fato de que o custo de partes essenciais do estilo de vida da classe média subiu mais rapidamente do que a inflação enquanto que a renda cresceu menos. Hoje, mais de uma em cada cinco famílias de renda média gastam mais do que ganham. Isso se deu, de acordo com os pesquisadores, no contexto da crescente insegurança no emprego em mercados de trabalho em rápida transformação.

“A classe média parece cada vez mais um barco em águas turbulentas”, disse o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, durante a apresentação do relatório.

Aumento do custo de vida

Por meio de comparações, os pesquisadores verificaram que os preços de alguns dos bens e serviços que compõem o estilo de vida de classe média aumentaram muito mais rapidamente do que a inflação geral. Nas últimas duas décadas, o ensino superior e os preços da habitação, em particular, ultrapassaram a taxa inflacionária e o rendimento mediano dos agregados familiares.

“As despesas das famílias de renda média aumentaram mais rapidamente do que suas rendas antes da crise financeira global, despencaram entre 2007 e 2010, e permaneceram estagnadas desde então. Como outras recessões, a de 2008 teve um declínio acentuado nos gastos de renda média em bens duráveis. E, ao contrário de recessões anteriores, houve também uma queda nos gastos de renda média em bens não duráveis, especialmente serviços”, detalha o estudo.

A pesquisa contatou que quase um terço do orçamento das famílias de renda média vai para habitação, item esse que tem sido o principal impulsionador do aumento das despesas da classe média. A participação do gasto com moradia nos orçamentos aumentou de um quarto para quase um terço entre 1995 e 2015. Além disso, os preços dos imóveis cresceram duas vezes mais rápido que a inflação e uma vez e meia mais rápido do que renda média.

Saúde e educação também estão na liderança dos fatores que pesam na vida da classe média. “Os lares de classe média atribuem uma parcela cada vez maior de seu orçamento a despesas privadas relacionadas à saúde, à medida que gastam mais em planos de saúde particular e privado. Em alguns países, o aumento dos custos do ensino superior ameaça a capacidade da classe de renda média de enviar seus filhos para a universidade, pois eles aumentaram mais rapidamente do que a inflação e a renda média”, enfatiza o relatório.

Com o aumento do custo de vida e as despesas crescendo mais rapidamente do que as rendas, uma parte considerável das famílias de renda média tem dívidas excessivas – uma em cada oito possui dívida que é maior que três quartos de seus ativos, segundo o estudo.

Mercado de trabalho

As mudanças no mercado de trabalho também estão entre as principais causas das dificuldades da classe média, de acordo com o relatório. Para os pesquisadores, há evidência de que a queda no número relativo de empregos de média qualificação tenha contribuído para o declínio da classe média nos países pesquisados.

A rápida inovação em automação e digitalização está alimentando temores de que a tecnologia gerará desemprego massivo no futuro próximo. “Um em cada seis trabalhadores de renda média estão em ocupações com alto risco de automação”, estima o documento.

A pesquisa constatou ainda que os níveis de habilidade não são mais passaportes para a classe de renda, uma vez tradicionalmente associados a eles. Agora, os trabalhadores de habilidades intermediárias estão mais propensos a estar na classe de baixa renda e menos propensos a ter renda média.

Estas tendências pintam um quadro incerto para trabalhadores com rendimentos médios, em particular aqueles com habilidades de baixo e médio porte em trabalhos de rotina. Muitos empregos tradicionais de classe média – especialmente na indústria – estão desaparecendo, sendo substituídos por empregos de baixa qualidade no setor de serviços ou cargos altamente qualificados.

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Em declínio

O documento da OCDE cita o declínio da classe média nos Estados Unidos na década de 1980 para lembrar que, em seguida, a queda ganhou força e se espalhou para outros países após a crise financeira global. Apesar dessa constatação, os pesquisadores concluíram que a maioria das pessoas nos países ricos (61% em média) ainda vive em famílias de classe média. De outro lado, nas economias emergentes, o grupo de renda média é menor, representando entre um terço e metade da população. No Brasil, por exemplo, apenas 44,8% das famílias se enquadram na classe médio.

Apesar do estrato médio de renda representar maioria, o grupo de baixa renda é amplo, isto é, três em cada dez pessoas dos países da OCDE são de baixa renda. Uma média de 30% das pessoas vive em lares com renda inferior a 75% da média nacional. Destes, cerca de um terço são pobres (ganham menos da metade da renda média nacional). Os outros 20% são de renda alta.

A renda média, segundo constatou o estudo, vem crescendo menos em termos reais. Entre 2007 e 2016, portanto após a crise de 2008, o aumento médio foi de 0,3% ao ano. Antes, entre meados da década de 1990 e meados da década de 2000, o crescimento foi mais de cinco vezes maior (1,6%).

As famílias de renda média contribuem mais para as receitas de imposto de renda e recebem a maior parte dos benefícios monetários da previdência social. No entanto, eles pagam um pouco mais em impostos do que recebem em benefícios.

O grupo de renda média contribui mais do que qualquer outro grupo de renda para agregar o consumo na economia. Com quase dois terços do consumo total, as famílias de renda média são, de longe, o grupo de renda que responde pela maior parcela do consumo. As ações variam de 50% ou menos nos Estados Unidos, países do sul da Europa e da América Latina até 70% ou mais nos países nórdicos e na Eslováquia.

O que fazer

Para a OCDE, um plano de ação abrangente é necessário para abordar os riscos identificados no relatório e apoiar a classe média. Este plano, segundo a organização, deve seguir uma abordagem que envolva diferentes áreas políticas, com atenção à prevenção de riscos e à promoção de oportunidades ao longo do ciclo de vida.

A OCDE avalia que os governos têm um grande conjunto de ferramentas de políticas disponíveis para enfrentar esses desafios de injustiça, despesas inacessíveis e vulnerabilidade de emprego. São necessárias reformas orientadas nos domínios do mercado de trabalho, sistemas de educação e formação, bem como políticas fiscais e sociais. A Organização prega ainda que as medidas governamentais devem envolver todas as partes interessadas, incluindo a sociedade civil e os parceiros sociais.

Esse plano, na proposta da OCDE, deve buscar o aumento gradativo dos salários e a transferência da carga tributária da renda do trabalho para a renda do capital e ganhos de capital, propriedade e herança, bem como tornar os impostos de renda mais progressivos e justos. Abrange também políticas de incentivo ao fornecimento de moradias, investimento nos sistemas de ensino e formação profissional e redução dos custos de habitação, educação e saúde.

Outras propostas defendidas pelos pesquisadores são a ampliação da participação e dos ganhos da força de trabalho feminina, além de e equipar a classe média com as habilidades necessárias para as mudanças no mercado de trabalho e a promoção do aprendizado de adultos no trabalho e fora do trabalho para serem inseridos em um mundo com transformação tecnológica contínua.

Um motor de prosperidade e crescimento econômico

Ao justificar o foco do estudo no estrato de renda média da sociedade, a OCDE ressalta que a presença de uma classe média forte e próspera sustenta economias e sociedades saudáveis. “Através de suas ações e atividades, as pessoas de classe média melhoram não apenas sua própria posição, mas também a dos outros. O investimento da classe média na educação, na saúde e na moradia, seu apoio a serviços públicos de boa qualidade, sua intolerância à corrupção e sua confiança nos outros e nas instituições democráticas são os próprios alicerces do crescimento inclusivo”, diz a organização.

Os responsáveis pela pesquisa também defendem que uma classe média forte é essencial para apoiar o crescimento sustentado da produtividade e para financiar adequadamente a proteção social e tirar milhões de famílias da pobreza. “A classe média contribui para o crescimento econômico e a acumulação de capital como fonte de empreendedorismo e inovação. Em países com mais agregados familiares de rendimento médio, as atividades de empreendedorismo tendem a ter um impacto positivo no crescimento do PIB. Neste sentido, uma classe média forte é considerada um elemento importante para promover as pequenas e médias empresas e para desenvolver um setor empresarial robusto. No geral, as evidências são claras: o crescimento econômico é mais forte em países onde a classe média é forte”, afirma a organização.

Outra contribuição decisiva é a estabilidade política e social. “Sociedades com uma classe média forte também experimentam níveis mais altos de confiança social, menor incidência de crimes e maior satisfação com a vida. As evidências mostram que a classe média contribui decisivamente para a estabilidade política e o bom governo”, diz o documento.

Jovens têm menos estabilidade no emprego que seus pais. Foto: Bigstock

Geração do milênio enfrenta barreiras

Os millennials – da chamada geração do milênio ou geração da internet – ajudaram a revolucionar o modo de produção e consumo das pessoas em todos o mundo nos últimos anos. Mas quando comparados com seus pais e avós, os jovens atuais enfrentam mais problemas para conseguir padrões de vida de classe média.

O estudo da OCDE revela que nos 40 países pesquisados, inclusive o Brasil, os millennials estão sendo expulsos da classe média. De acordo com o levantamento, os jovens entre os 17 e os 35 anos têm mais dificuldade de conseguir um emprego estável do que as gerações precedentes, o que impede de manter um padrão de vida de classe média.

“Tornou-se mais difícil para as gerações mais jovens chegarem à classe média. Isso ocorre porque as gerações mais velhas eram mais bem protegidas de mudanças no mercado de trabalho e de riscos de baixa renda do que as gerações mais novas. A geração baby bommers (1943-1964) teve empregos mais estáveis ​​durante sua vida profissional do que estão tendo as gerações mais jovens, assim como sistemas de pensão bem desenvolvidos”, avalia o estudo.

Um dos motivos que levaram a esse quadro, de acordo com o documento da OCDE, é a mudança do perfil de habilidades necessárias para chegar ao grupo de pessoas de renda média. “Ter apenas habilidades intermediárias não é mais suficiente para pertencer ao grupo de renda média, como costumava ser no passado. Embora a régua de habilidades tenha subido de maneira geral, a elevação foi mais acentuada para a classe média. Hoje, quase metade dos trabalhadores de renda média estão em ocupações de alta qualificação, em comparação com um terço de duas décadas atrás.”

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