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Mais de 60 juízes infratores foram ‘premiados’ com aposentadoria pelo CNJ entre 2007 e 2018
| Foto: Felipe Lima

Após quatro anos do início das investigações, em setembro do ano passado o Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou aposentadoria compulsória para o desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) Carlos Rodrigues Feitosa. A punição ao magistrado, por venda de sentenças em plantões judiciários, é a pena máxima aplicada pelo Judiciário a juízes.

Os agentes da Polícia Federal descobriram que Feitosa cobrava valores entre R$ 50 mil e R$ 500 mil para cada decisão favorável durante os plantões de feriados e fins de semana no TJ-CE para liberar presos, inclusive traficantes. Um dos detalhes da ação criminosa chocou até mesmo os investigadores: a venda de liminares era feita por meio de troca de aplicativo de mensagem WhatsApp e no Facebook. O grupo de WhatsApp, formado em sua maioria por advogados, foi criado pelo filho do desembargador (Fernando Feitosa), que avisava quando o pai estaria no Plantão Judiciário. Entre os clientes dos advogados havia traficantes e outros réus encarcerados.

Mais recentemente, em março deste ano, o CNJ manteve a pena de aposentadoria compulsória do juiz Juracy Jose da Silva, aplicada pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). De acordo com a decisão do tribunal estadual capixaba, o magistrado teria tido condutas incompatíveis com a magistratura, como se valido de “laranjas” para constituir empresas, emitido cheques sem fundo, mantido relacionamento íntimo com autoridades públicas onde atuava como juiz e teria atuado em processos em que seus credores figuravam como parte, sem se auto declarar impedido ou suspeito.

Os casos do desembargador Rodrigues Feitosa e do juiz Juracy Jose da Silva ilustram desvios de membros do poder judiciário punidos pelo CNJ nos últimos anos. Um levantamento do conselho mostra que entre 2007 e 2018, 108 magistrados foram punidos por condutas incompatíveis com a honra, o decoro e a ética da magistratura. Foram 6 advertências, 16 censuras, 7 remoções compulsórias, 14 penas de disponibilidade e 65 aposentadorias compulsórias. Não houve nenhuma demissão e todos continuaram a receber vencimentos provenientes dos cofres públicos.

Os processos e a aplicação de qualquer penalidade a juízes competem ao tribunal a que cada um pertença ou esteja subordinado. As corregedorias nos estados são as responsáveis pela apuração formal das possíveis irregularidades e transgressões. Já a Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça, tem como funções receber as reclamações e denúncias de qualquer interessado, relativas aos magistrados e aos serviços judiciários auxiliares, serventias, órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados e determinar o processamento das reclamações. O magistrado condenado a qualquer pena pode tentar anular a punição no CNJ.

Regra nociva

Em que pese o esforço nos últimos anos dos órgãos de controle para coibir desvios de magistrados, o fato de a punição máxima prevista em lei ser a aposentadoria compulsória tem despertado debates e mobilização no Congresso. Para muitos juristas e parlamentares, a regra não é uma punição e sim um prêmio à conduta infratora.

Durante a tramitação da reforma da Previdência no Congresso, por sugestão do deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), o relator da reforma, Samuel Moreira (PSDB-SP), incluiu no texto uma mudança no artigo 93 da Constituição com a finalidade de vetar a aposentadoria compulsória de magistrados. O texto foi aprovado nas duas casas (Câmara e Senado) e sancionado. Antes da reforma da Previdência a Constituição previa que “o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa”. Com a aprovação da reforma, a palavra ‘aposentadoria’ foi excluída do texto, ficando somente ‘o ato de remoção ou de disponibilidade do magistrado’.

Ao contrário do comum dos mortais, o juiz fica excluído da responsabilidade pelos atos praticados. O servidor público, quando pratica um ato de improbidade, é demitido, mas o juiz não. No máximo ele é aposentado compulsoriamente.

Técio Lins e Silva, ex-conselheiro do CNJ e procurador nacional de defesa das prerrogativas da OAB.

Para que a mudança introduzida na Constituição tenha efeitos práticos, no entanto, é necessária uma alteração na Lei Orgânica da Magistratura (Loman). É a Loman que estabelece as penalidades aplicáveis aos magistrados e, em seu artigo 109, estabelece que juízes podem ser punidos com aposentadoria compulsória.

Para o ex-conselheiro do CNJ e atual procurador nacional de defesa das prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Técio Lins e Silva, essa é uma questão antiga que precisa ser resolvida. “É uma norma que está esculpida na Loman. Essa lei organiza a magistratura e, entre outras coisas, estabelece que a punição máxima de um juiz que pratique alguma infração é a aposentadoria com remuneração proporcional ao tempo de serviço”, explica ao concordar que essa norma não se traduz em punição, mas sim a um prêmio. “Ao contrário do comum dos mortais, o juiz fica excluído da responsabilidade pelos atos praticados. O servidor público, quando pratica um ato de improbidade, é demitido, mas o juiz não. No máximo ele é aposentado compulsoriamente.”

Lins e Silva diz que quando integrou o CNJ a reforma da Loman chegou a ser tratada no colegiado, mas a discussão foi interrompida com o argumento de que o Supremo Tribunal Federal (STF), que é um órgão acima do CNJ, estava debatendo o tema. “Quem pode mudar isso é o Congresso. Mas há um argumento usado pelo Poder Judiciário de que a iniciativa de propor mudança da Loman é privativa do Judiciário, por se tratar das regras que estabelecem o funcionamento da justiça. É uma longa discussão”, diz.

Para o procurador, seria simplista dizer que o aprimoramento da magistratura depende apenas da punição de maus juízes. “É um conjunto de coisas. Há uma quantidade grande de ornamentos que têm que ser revisados. Essa é minha visão do ponto de vista jurídico”, defende.

Enquanto a lei não muda, a aposentadoria compulsória de magistrados que cometem irregularidades no cargo tem custado caro aos contribuintes. Um levantamento inédito feito pela revista Piauí, publicado em julho deste ano, revelou que 58 juízes punidos com aposentadoria pelo CNJ desde 2009 receberam vencimentos totais de R$ 137,4 milhões, em valores corrigidos pela inflação. A reportagem apurou que eles foram investigados por denúncias de irregularidades graves, como “venda de sentenças para bicheiros e narcotraficantes, desvio de recursos públicos e estelionato”.

O levantamento feito pela revista se baseou em na folha mensal de pagamentos dos magistrados que consta nos tribunais. O valor médio do benefício pago aos juízes punidos é de R$ 38 mil. Quem mais recebeu até julho, entre os punidos, foi o desembargador Jovaldo dos Santos Aguiar, aposentado compulsoriamente em 2010. O magistrado já havia recebido, até aquela data, R$ 5,27 milhões.

Como funciona

As punições previstas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) que podem ser aplicadas a magistrados são advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, aposentadoria compulsória e demissão. Esta última só pode ser aplicada a juízes ainda não vitaliciados.

Um juiz só pode ser demitido administrativamente antes de completar dois anos no cargo. Após esse período, o magistrado se torna vitalício e só perde o posto por sentença judicial transitada em julgado.

A aposentadoria compulsória é a mais grave das cinco penas disciplinares aplicáveis a juízes vitalícios. Afastado do cargo, o condenado segue com salário proporcional ao tempo de serviço. A segunda mais grave é a disponibilidade, em que o magistrado é afastado. Uma das diferenças entre as duas punições é a chance de volta à função — em ambas, o magistrado mantém ganhos proporcionais. Na disponibilidade, o juiz pode pedir o retorno após dois anos afastado.

Além de crimes como a venda de sentenças, outros comportamentos podem levar o juiz à aposentadoria compulsória.  Negligência, conduta imprópria ao decoro da função (na vida pública ou privada) e trabalho insuficiente estão entre eles, assim como faltas funcionais, atraso excessivo em decisões e despachos, parcialidade e tráfico de influência.

No início deste mês, por exemplo, o CNJ manteve a pena de aposentadoria compulsória aplicada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) ao juiz José Antonio Lavouras Haicki. Ele foi punido por apresentar produtividade insuficiente.

Presidente do TJ da Bahia e mais 5 magistrados são afastados 

Uma operação da Polícia Federal, batizada de ‘Operação Faroeste’, levou ao afastamento do presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), Gesivaldo Britto, e outros cinco magistrados. A ação dos policiais, na terça-feira (19), foi determinada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) com o objetivo de apurar suposto esquema de venda de decisões judiciais, além de corrupção ativa e passiva, lavagem de ativos, evasão de divisas, organização criminosa e tráfico influência.

Além de Britto, foram afastados os desembargadores José Olegário Monção, Maria da Graça Osório e Maria do Socorro Barreto Santiago e os juízes Sérgio Humberto de Quadors Sampaio e Marivalda Moutinho.

No sábado (23), por determinação do STJ, Quadros Sampaio foi preso preventivamente. Segundo o STJ, Sampaio mantinha uma vida de luxo incompatível com o poder aquisitivo de um servidor público.

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), as investigações revelaram "uma teia de corrupção, com organização criminosa formada por desembargadores, magistrados e servidores do TJ-BA, bem como por advogados, produtores rurais e outros atores do estado, em um esquema de venda de decisões para legitimação de terras no oeste baiano, numa roupagem em que se tem em litígio mais de 800 mil hectares". A suspeita é de que o grupo envolvido na dinâmica ilícita movimentou quantias bilionárias.

A desembargadora Maria da Graça Osório Pimentel era candidata à presidência do TJ-BA em eleição marcada para o dia 20.  Após a operação, no entanto, a eleição foi adiada. Relatório de análise preliminar de movimentação bancária, encartado nos autos pela Polícia Federal, mostra que a desembargadora tem 57 contas bancárias.

"Apesar de não ser crime [ter 57 contas bancárias diferentes], quando considerado de forma isolada, ganha foros de suspeição diante do grande volume de transações eletrônicas, cheques e depósitos em dinheiro de origem não identificada, a pontilhar mecanismo típico de lavagem de dinheiro, numa gramatura possivelmente associada à corrupção", afirmou o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Og Fernandes.

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