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Olavo de Carvalho
Olavo de Carvalho com volumes do Dicionário de Teologia Católica. de Vacant e Mangenot (Paris, 1926).| Foto: Reprodução/Página de Ovalho de Carvalho no Instagram

“Dias sim, dias não

Eu vou sobrevivendo sem um arranhão

Da caridade de quem me detesta”

Os versos acima compõem a letra de ‘O Tempo Não Para’, música de 1988 de autoria de Cazuza e Arnaldo Brandão. Apesar das distâncias que separam os posicionamentos políticos, estéticos e ideológicos de Cazuza e Olavo de Carvalho, o escritor e filósofo conservador parece ter bebido na fonte do cantor para criticar o presidente Jair Bolsonaro.

“Subir na vida e, uma vez lá em cima, livrar-se dos que o ajudaram na escalada. O Bolsonaro aprendeu isso com Maquiavel e vai terminar como Maquiavel terminou: vivendo da caridade de seus inimigos”, escreveu Olavo de Carvalho nas redes sociais, em paráfrase do famoso verso ‘da caridade de quem me detesta’.

O escritor estaria contrariado com os rumos do governo e com o fato de seus aliados estarem perdendo espaço em postos no Executivo. A decisão da ministra Damares Alves de exonerar a secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Sandra Terena, seria um exemplo da insatisfação do filósofo.

A reescrita do verso de Cazuza e Brandão por Olavo de Carvalho é, no mínimo, um paradoxo. A música critica o conservadorismo brasileiro e o preconceito, assim como a corrupção e a ganância dos políticos que resultam na degradação do Brasil. Carvalho, por ser declaradamente um conservador, pode até concordar com o ataque aos políticos, mas deve ficar irritado ao ouvir ou ler, pelo menos, parte da composição.

Essa não é a primeira vez que o filósofo tido como ‘guru’ do bolsonarismo – rótulo que ele rejeita – parte para o ataque contra Bolsonaro. "Se as pessoas não conseguem derrubar o seu governo, eu derrubo. Continue inativo, continue covarde, eu derrubo essa merda desse seu governo", disparou Olavo de Carvalho em um vídeo recheado de palavrões, intitulado "adendo à aula 521", no dia 6 de junho passado.

Na gravação, Olavo reclamou da falta de apoio do presidente para enfrentar os processos judiciais contra ele. Publicações em jornais e nas redes sociais questionaram se o motivo da ‘ira’ do escritor seria uma tentativa de conseguir recursos financeiros para pagar multas de processos judiciais. Em um dos processos, de 2017, Olavo de Carvalho foi condenado a pagar R$ 2,8 milhões ao cantor e compositor Caetano Veloso.

Nesta quarta-feira (23), Olavo de Carvalho obteve uma vitória judicial: ganhou uma ação de indenização por danos morais contra a revista IstoÉ. Em 2019, a revista pulicou uma fotomontagem na capa em que o escritor aparece de chapéu de bobo da corte, com o título de "O Imbecil". O juiz Renato Simões, da 4ª Vara Cível de SP, concluiu que a revista excedeu a "crítica jornalística, caracterizando claro abuso do direito da liberdade de imprensa", e determinou o pagamento de R$ 25 mil, valor considerado baixo pela defesa do escritor. A editora Três, que publica a revista, ainda pode recorrer da decisão.

Olavo de Carvalho-Istó
Olavo de Carvalho anunciou vitória em ação judicial contra a revista IstoÉ.| Reprodução/IstoÉ

Em meio à polêmica, Olavo de Carvalho voltou às redes sociais após a divulgação do vídeo com críticas a Bolsonaro para dizer que ainda estava do lado do presidente. “Ainda estou do lado do Bolsonaro. Lutarei por ele com todas as minhas armas. Mas ele que não espere mais de mim palavras doces que só podem ajudá-lo a errar“, escreveu em postagem do Facebook. O filósofo também refutou as insinuações de que estaria em busca de apoio financeiro para cobrir supostas despesas com processos judiciais.

Depois do episódio de junho, Olavo de Carvalho poupou críticas ao governo até esta semana, quando voltou à tona. “Quanto mais o Bolsonaro tenta se fazer de bonzinho ante a esquerda nacional e internacional, mais ela o difama e achincalha. Acho que ele não tem cultura histórico-política suficiente — como também não a têm seus lindos generais — para entender que acomodação com comunistas é suicídio”, registrou o filósofo. “O Brasil é uma ditadura comunista, com um presidente direitista de fachada”, também escreveu.

Apesar do impacto, as críticas atuais de Olavo de Carvalho a Bolsonaro foram motivo de piada nas redes sociais. Alguns bolsonaristas e grande parte dos opositores do presidente demonstraram não levar a sério as últimas declarações do escritor. “Olavo X Bolsonaro. Briguem!!!!”, “Olavo X Bolsonaro. Não paremmmm!!!”, “Pega fogo legião das hostes infernais” e “Já é a segunda vez que diz que foi traído e continua fiel”, foram algumas das brincadeiras de internautas nas redes sociais em reação às últimas declarações do filósofo.

A caridade, palavra usada por Olavo de Carvalho para prever o futuro de Bolsonaro, tem lugar em praticamente todas as religiões.  No mundo cristão, pode ser definida como amor ao próximo e está relacionada à bondade, benevolência, indulgência, perdão e compaixão. A Igreja Católica tem a caridade como fundamento de outras virtudes. No espiritismo, Allan Kardec diz que caridade é “benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições dos outros, perdão das ofensas."  No islamismo, um dos cinco pilares é o zakat, a maneira mais conhecida de fazer doações para aqueles que necessitam. A umbanda se define como manifestação do espírito para a prática da caridade.

Na filosofia e na literatura, contudo, há conceituação diversa de caridade. Para o escritor, poeta e dramaturgo irlandês Oscar Wilde, a caridade não cura a doença, apenas a prolonga. O filósofo esloveno Slavoj Zizek diz que a caridade preserva o status quo e evita uma reconstrução radical da sociedade.

Resta saber se a profecia de Olavo de Carvalho vai se realizar. Ao mesmo tempo em que cresce a oposição e as críticas, Bolsonaro eleva sua influência mundial. A revista Time acaba de eleger o presidente brasileiro para a sua lista das 100 personalidades mais influentes do mundo, junto com o influenciador digital Felipe Neto, um crítico do governo.

Se é fato que Bolsonaro aprendeu algo com Maquiavel, como afirma Olavo de Carvalho, possivelmente o presidente deve usar a orientação maquiavélica de que "o governante nunca deverá confiar na lealdade dos seus súditos (o que incluiria Olavo). Também deve seguir o mandamento de que "o governante deve supor que todos os homens são potencialmente seus rivais e, por isso, deve tratar de lançar uns contra os outros em proveito próprio".

Debochado por parafrasear um verso de Cazuza, Olavo de Carvalho poderia recorrer a outros versos da letra de ‘O Tempo não Para’ para se defender:

“Mas, se você achar

Que eu tô derrotado

Saiba que ainda estão rolando os dados

Porque o tempo, o tempo não para”.

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