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Na América Latina, metade das crianças com 10 anos não sabe ler e entender uma história simples.
Na América Latina, metade das crianças com 10 anos não sabe ler e entender uma história simples.| Foto: Alfredo Srur/World Bank

Todas as crianças devem saber ler e entender histórias simples aos 10 anos de idade. Esse é o entendimento unânime das autoridades educacionais em qualquer país. Mas no mundo real, especialmente nos países pobres, não passa de utopia. Estudo do Banco Mundial, em parceria com a Unesco, revela que nove em cada dez crianças dos países de baixa renda dentro dessa faixa etária têm deficiência em leitura. Uma triste realidade que contrasta com a situação inversa registrada nos países ricos, onde mais de 90% dos estudantes com a mesma idade conseguem ler e entender um livro básico.

Os dados alarmantes atingem também os países em desenvolvimento, grupo que reúne quase toda a América Latina. Quando reunidos os Estados de renda baixa e média, o levantamento do Banco Mundial mostra que mais da metade (53%) das crianças chegam aos dez anos de idade sem ter desenvolvido proficiência em leitura.

O relatório com dados de 110 países coloca a Holanda como a melhor em desempenho de leitura, com apenas 1,6% de crianças com 10 anos que não sabem ler e entender textos não complexos. O pior país é o Níger, onde praticamente todas as crianças (98,7%) estão no nível de aprendizagem pobre. (veja ranking no box)

Governo da Mongólia enfrenta dificuldades para melhorar o ensino primário em zonas rurais.
Governo da Mongólia enfrenta dificuldades para melhorar o ensino primário em zonas rurais.| Khasar Sandag/World Bank

Para os responsáveis pelo estudo, a leitura é uma porta de entrada ao aprendizado à medida que a criança avança na escola – e, inversamente, a incapacidade de ler representa portas fechadas para o futuro. “Quando as crianças não sabem ler, geralmente é uma indicação clara de que os sistemas escolares não estão bem organizados para ajudar os alunos a aprender em outras áreas, como matemática, ciências e ciências humanas”, diz o relatório.

Além das crianças que estão na escola apresentarem deficiência em leitura, há um grande contingente fora das salas de aula. São cerca de 260 milhões de crianças em todo o mundo que não estão em instituições de ensino.

“Essa é a face de uma crise de aprendizado que ameaça os esforços dos países para construir capital humano e alcançar desenvolvimento sustentável. Sem o aprendizado básico, os alunos geralmente não conseguem prosperar mais tarde na escola nem quando ingressam na força de trabalho. Essas crianças não adquirem o capital humano de que precisam para alimentar suas carreiras e economias depois que saem da escola, ou as habilidades que as ajudarão a se tornarem cidadãos engajados e a nutrir famílias saudáveis e prósperas”, enfatizam os pesquisadores.

Pensando para o futuro, se nada for feito, as perspectivas são um tanto desalentadoras, de acordo com as previsões dos pesquisadores. Os responsáveis pelo estudo enfatizam que nas taxas atuais de progresso, eliminar a deficiência de leitura dos alunos do ensino fundamental até 2030 está fora do alcance.

Para mensurar o aprendizado das crianças, os pesquisadores estabeleceram o que chamam de ‘taxa de pobreza na aprendizagem’.  “Quando olhamos para cada um dos países entre 2000 e 2018, descobrimos que a redução média anual na ‘taxa de pobreza na aprendizagem’ é inferior a 1 ponto percentual por ano. Com uma taxa global de pobreza na aprendizagem de 53% em 2015, isso sugere que, a menos que a melhoria acelere dramaticamente a partir de padrões históricos recentes, o mundo ficará aquém da eliminação do aprendizado pobreza até 2030”, prevê o estudo.

Madagascar  está entre os países em que quase todas as crianças de 10 anos não sabem ler e entender textos simples.
Madagascar está entre os países em que quase todas as crianças de 10 anos não sabem ler e entender textos simples.| Mohamad Al-Arief/World Bank

Em que pese a expectativa pessimista, há janelas de esperança. Alguns países e regiões de baixa e média renda, de acordo com os dados compilados no documento, conseguiram recentemente melhorias significativas. Uma geração atrás, o Vietnã estava longe de alcançar até o ensino primário universal. Hoje, felizmente, aquela realidade adversa ficou no passado. Alunos vietnamitas do ensino médio atingem notas no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) no mesmo nível da Alemanha.

Entre os casos de sucesso, o estudo destaca também o município de Sobral, no Ceará, que reformou a carreira de professores e diretores e forneceu materiais básicos a todos. “Dentro de uma década, Sobral subiu do 1.366º lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento da Educação (IDEB) – um indicador da qualidade da educação – para o primeiro do país”, observa o relatório. A cidade do Nordeste tem a nota mais alta de todo o Brasil tanto para os anos iniciais do ensino fundamental quanto para anos finais.

260 anos

Esse é o tempo que o Brasil levará para atingir nível de leitura de países desenvolvidos, segundo estimativa do Banco Mundial feita em 2018. Em matemática, a previsão é que os brasileiros atinjam o mesmo nível em 75 anos. As estimativas tiveram como base o desempenho dos alunos brasileiros em todas as edições do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), prova organizada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O exame é realizado a cada três anos entre os 35 Estados-membros da OCDE e 35 países parceiros, incluindo o Brasil. O teste avalia uma série de questões, como o conhecimento dos estudantes em ciências, leitura e matemática.

O diretor de Educação do Banco Mundial, Jaime Saavedra, diz que o alto índice de crianças que ao final do ensino primário não sabem ler com fluidez, com certo nível de complexidade e velocidade, e que não conseguem compreender o que estão lendo, é moral e economicamente inaceitável. “Moralmente inaceitável porque milhões de crianças são excluídos de participar de uma economia cada vez mais próspera e rica. Economicamente inaceitável porque, se só nos preocuparmos com a competitividade e o crescimento, não se acumula capital humano, o que torna impossível a um país prosperar na economia global”, explica Saavedra. “Os estudos do Banco Mundial mostram que, nos países ricos, 70% da riqueza se deriva do capital humano acumulado, enquanto que nos países pobres esse índice fica em 40%”, acrescenta.

Escola do ensino fundamental em Gansu, China.
Escola do ensino fundamental em Gansu, China.| Liang Qiang/World Bank

De acordo com o dirigente do Banco Mundial, o foco na eliminação da pobreza na aprendizagem “exigirá que todos os atores do sistema educacional (professores, diretores, administradores locais e nacionais, ministros e muitos outros) internalizem que o principal objetivo de seu trabalho é garantir que cada criança aprenda”.  “Os governos e as sociedades precisam assumir os compromissos financeiros, políticos e recursos humanos necessários para garantir uma educação de qualidade para todas as crianças. Todo mundo merece a alegria de ler. Todos merecem um futuro melhor”, apregoa.

“Aprender a ler é um dos marcos na vida de todas as crianças. Aqueles de nós que somos pais, professores e até mesmo irmãos mais velhos, podemos lembrar com amor a primeira vez que nossa filha, aluna ou irmã pôde ler uma oração e quão orgulhoso e feliz isso nos fez sentir. A leitura é uma habilidade fundamental, necessária para a participação na sociedade. É uma porta de entrada para todas as outras disciplinas de aprendizagem. Está associada à capacidade de aprender outros domínios cognitivos, como ciências, matemática e humanidades. Também é essencial para adquirir habilidades de pensamento criativo e computacional, permite expressar e comunicar ideias através do tempo e do espaço.”

Jaime Saavedra, diretor de educação do Banco Mundial.

Meta global

Banco Mundial propõe três pilares para ajudar os países a melhorar a alfabetização e promover a proficiência dos estudantes:

1 - Um pacote de políticas de alfabetização que consiste em intervenções focadas especificamente na promoção da proficiência em leitura na escola primária:

• compromisso político e técnico com a alfabetização, fundamentado em planos adequadamente financiados;

• ensino eficaz para a alfabetização, através de uma pedagogia rigorosamente estruturada e eficaz;

• professores preparados para ensinar no nível certo;

• treinamento prático para professores na escola;

• acesso a todos de textos e leitores;

• ensinar as crianças na sua língua materna.

2 - Uma abordagem educacional atualizada para fortalecer sistemas educacionais inteiros – para que as melhorias na alfabetização possam ser sustentadas e ampliadas e todos os outros resultados da educação possam ser alcançados. Essa abordagem é composta por cinco pontos:

• alunos preparados e motivados;

• professores efetivos e valorizados;

• salas de aula equipadas para aprendizagem;

• escolas seguras e inclusivas;

• um sistema educacional bem gerenciado.

3 - Uma agenda ambiciosa de mensuração e pesquisa – para fechar as lacunas de dados bem como inovação contínua orientada para a ação sobre como desenvolver habilidades fundamentais.

Nova meta de aprendizagem até 2030

Aluno de escola primária da Costa do Marfim.
Aluno de escola primária da Costa do Marfim.| Ami Vitale/Word Bank

No Dia Internacional pela Erradicação da Pobreza, comemorado em 17 de outubro, O Banco Mundial anunciou uma nova meta que prevê reduzir pela metade a taxa global de crianças de 10 anos de idade que não conseguem ler e entender uma história simples. Para o banco, a alta taxa de estudantes nessas condições está no coração da miséria global.

Segundo os especialistas da instituição, os altos níveis do que eles denominam ‘pobreza na aprendizagem’ são um sinal de alerta de que todas as metas educacionais globais e outras relacionadas ao desenvolvimento sustentável estão em risco. "Levar a zero a pobreza na aprendizagem – garantindo que todas as crianças possam ler – é um objetivo fundamental de desenvolvimento, assim como eliminar a fome ou a pobreza extrema", ressaltam.

Para atingir tal meta, o Banco Mundial faz uma série de recomendações às autoridades educacionais e governantes. Entre elas estão a garantia de compromisso político e técnico com objetivos, meios e medidas claras para a alfabetização; ensino eficaz para a alfabetização; acesso oportuno a mais e melhores textos apropriados para a idade e habilidades; e ensinar as crianças no idioma que elas falam e entendem desde o início.

“O combate à deficiência na aprendizagem exigirá reformas abrangentes para garantir que os recursos domésticos sejam utilizados de maneira eficaz. O objetivo aponta para a urgência de investimentos em melhor ensino e melhor coordenação das prioridades vitais de aprendizagem”, afirmou o presidente do Banco Mundial, David Malpass, ao apresentar as novas metas.

Para levar em frente o desafio, o Banco Mundial e o Instituto de Estatística da UNESCO firmaram uma parceria que ajudará os países a fortalecer seus sistemas de avaliação de aprendizado e melhorar a amplitude e a qualidade dos dados sobre alfabetização. Além disso, uma nova Plataforma de Avaliação de Aprendizagem do Banco Mundial permitirá que os países avaliem a aprendizagem dos alunos com mais eficiência e eficácia.

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