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Manifestação em Santiago, no Chile. Governo anunciou consulta popular para mudar a constituição como forma de conter os protestos.
Manifestação em Santiago, no Chile. Governo anunciou consulta popular para mudar a constituição como forma de conter os protestos.| Foto: Martin Benetti/AFP

Depois de um período de crescimento contínuo na década passada, a economia de boa parte dos países da América Latina começou a patinar a partir de 2010 e, em vários casos, entrou em recessão. O fundo do poço parecia ter chegado em 2015, com expectativa de retomada a partir de 2016. A recuperação – apesar de ínfima e lenta – vinha ocorrendo, mas a turbulência política na região e a desaceleração mundial trouxeram novas incertezas. Analistas e representantes de setores produtivos são unânimes em afirmar que a instabilidade registrada na região, se não for resolvida a curto prazo, tende a afastar investidores e ameaça alongar o período de saída da crise.

As projeções e indicadores apresentados recentemente vêm confirmar que os países latino-americanos precisarão de um esforço grande para evitar uma recaída. Relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) estima que a região crescerá somente 0,5% em 2019, valor inferior a 0,9% observado em 2018. A desaceleração, segundo o estudo, afetará 21 dos 33 países da América Latina e do Caribe. A América do Sul, em que o Brasil está inserido, ficará praticamente estagnada, com meros 0,2% de crescimento.

“Para a economia não pode ter incerteza e o cenário do momento é de incertezas. As manifestações no Chile, a ruptura na Bolívia e um governo de esquerda na Argentina, aos olhos do investidor, é visto como risco. Numa linguagem de mercado, turbulências significam custos de investimentos mais altos, isto é, o risco é maior. A turbulência aumenta a aversão ao risco na região.”

Mauro Rochlin, economista, professor de MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro.

Um dos efeitos da desaceleração é o recuo do comércio dentro da região. A Cepal prevê redução de 10% no movimento comercial entre os países latino-americanos, após dois anos de recuperação. A queda coloca os intercâmbios comerciais regionais no nível mais baixo em uma década e as previsões para 2020, que eram melhores até meados do ano, tornaram-se uma incógnita com o cenário de conflitos políticos.

Evo Morales se asilou no México após renúncia à Presidência da Bolívia; senadora opositora Jeanine Áñez se autoproclamou presidente.
Evo Morales se asilou no México após renúncia à Presidência da Bolívia; senadora opositora Jeanine Áñez se autoproclamou presidente.| Pedro Pardo/AFP

O Indicador de Clima Econômico (ICE) da América Latina caiu pelo terceiro trimestre seguido, passando de 26,4 pontos negativos em julho de 2019 para 28,2 pontos negativos em outubro. O levantamento é feito pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) em parceria com o instituto alemão Ifo. A maior queda foi registrada na Argentina, onde o ICE passou de -21,2 para -55,4.

“Para a economia não pode ter incerteza e o cenário do momento é de incertezas. As manifestações no Chile, a ruptura na Bolívia e um governo de esquerda na Argentina, aos olhos do investidor, é visto como risco. Numa linguagem de mercado, turbulências significam custos de investimentos mais altos, isto é, o risco é maior. A turbulência aumenta a aversão ao risco na região”, diz o economista Mauro Rochlin, professor de MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro.

Avaliação semelhante tem o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. “A instabilidade política afeta diretamente a taxa de câmbio, o dólar vem subindo em vários países, o que acarreta no aumento o custo dos produtos importados. Com produtos importados mais caros, as pessoas perdem a capacidade de consumir esses produtos. Então há uma redução de compras, queda nas exportações. Essa é uma realidade, basta verificar a variação cambial que está ocorrendo, que está cima dos parâmetros de equilíbrio. Não é especulação, apesar de parecer. É um acontecimento político que tem impacto econômico”, afirma Castro.

“A instabilidade política afeta diretamente a taxa de câmbio, o dólar vem subindo em vários países, o que acarreta no aumento o custo dos produtos importados. Com produtos importados mais caros, as pessoas perdem a capacidade de consumir esses produtos. Então há uma redução de compras.”

José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.

Estudioso da política na região, o professor de Relações Internacionais no Instituto Mauá de Tecnologia Rodrigo Gallo concorda que as turbulências são uma barreira para que a economia saia do atoleiro. “Independentemente de pertencer ao Mercosul ou não, os países da região têm muitos acordos de cooperação econômica entre si. Então o impacto econômico é muito grande em decorrência da instabilidade política”, avalia.

Para ilustrar as consequências negativas, Gallo cita a Bolívia e o Chile. “A Bolívia, por exemplo, agora caiu num período de insegurança. Ninguém sabe o que vai ocorrer daqui para a frente. Quanto mais tempo demora para a situação se estabilizar, pior a economia fica. No Chile, com o povo nas ruas, num primeiro momento o governo decidiu reprimir, depois retirou os militares e agora fala em mudar a constituição. Mas isso é um processo demorado, que não se revolve de uma hora para outra. A crise continua, o dólar disparou nas últimas semanas, e isso espanta os investidores; a economia se ressente em todos os setores.”

Situações diferentes

Se, por um lado, existe unanimidade de que as turbulências políticas provocarão impactos negativos para a região como um todo, por outro, há quem avalie que os efeitos serão diferentes em cada país. Isso porque as realidades, tanto em termos políticos como econômicos, não são idênticas.

“É importante considerar que as condições de cada país são muito diferentes. Por exemplo, a Argentina está atolada em uma crise cambial e o Brasil consegue passar olimpicamente por isso. O Brasil tem 400 bilhões de dólares de reservas e não tem uma dívida externa significativa de curto prazo. Na Argentina a inflação está em 50% ao ano e aqui fica próxima de 3%. Essas diferenças importam no desempenho da economia de cada país. Mas não se pode descartar que todos os países estão numa mesma região”, compara o economista Rochlin.

Representante dos exportadores, Augusto de Castro foca seu olhar sobre o Brasil em meio ao turbilhão político. “Para o Brasil, 2020 é um ano que vai ser similar a 2019 ou até de queda nas commodities (produtos primários). Nos manufaturados este ano está sendo ruim e a perspectiva é que em 2020 vai ser ruim também. Isso porque a Argentina, que é nosso principal mercado de manufaturados, não muda nada em 2020. Os demais países que não tinham problemas políticos passaram a enfrentar distúrbios”, diz, sem abandonar o otimismo para 2021. “Esperamos que em 2021 seja o ano da virada, mesmo que tenhamos uma estagnação mundial. Algumas medidas que estão sendo tomadas agora, como reforma da Previdência e simplificação tributária”, vão ajudar.

“Quando há crise num país da região, o Brasil é atingido diretamente porque ao atingir o comércio afeta também a indústria, os serviços, ou seja, a economia como um todo em todos os países da região. Os distúrbios na região podem anular medidas que o Brasil venha a adotar para estimular a economia, gerar empregos, aumentar renda. Esse cenário é adverso para toda a região.”

Rodrigo Gallo, professor de Relações Internacionais no Instituto Mauá de Tecnologia.

Rodrigo Gallo vê diferenças nas crises políticas, mas diz que os impactos negativos podem ser generalizados na economia. “Quando há crise num país da região, o Brasil é atingido diretamente porque ao atingir o comércio afeta também a indústria, os serviços, ou seja, a economia como um todo em todos os países da região. Os distúrbios na região podem anular medidas que o Brasil venha a adotar para estimular a economia, gerar empregos, aumentar renda. Esse cenário é adverso para toda a região”, analisa.

Presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, exibe símbolo do movimento 'Lula Livre', ato classificado como provocação pelo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro.
Presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, exibe símbolo do movimento 'Lula Livre', ato classificado como provocação pelo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. | Alejandro Pagni/Afp

Contextos distintos

Em que pese as turbulências em vários países da América do Sul terem em comum as mobilizações populares – com multidões nas ruas pressionando por mudanças econômicas, sociais e políticas –, a conjuntura que desencadeou os protestos e mudanças de governo via eleição é distinta em cada país. Nem todos passam por crise econômica e social.

“Quando a gente pega a Bolívia, verifica-se que ocorreu lá uma espécie de milagre econômico, com redução da miséria nos últimos 12 anos e previsão de crescimento de 4% neste ano. O grande problema lá é que a oposição conseguiu mobilizar a população contra o quarto mandato do Evo Morales, que estava no poder fazia 13 anos. No Chile é outro contexto. Lá as reformas propostas foram transmitidas para a população como necessárias para salvar empregos, dar melhores resultados na economia. Mas a população se mostrou desapontada com os resultados dessas medidas. A crise chilena tem semelhança com a situação da Argentina, onde o governo se elegeu com a expectativa de fazer uma grande reforma econômica para tirar o país de uma situação complicada que vinha se arrastando, entretanto, não obteve sucesso”, comenta Gallo.

Para Rochlin, muito do que está acontecendo pode ser explicado por questões internas de cada país. “Uma coisa é a deposição do Morales na Bolívia, outra é o que está acontecendo no Chile. Na Argentina houve eleição, vai haver troca de governo democraticamente. No Chile dizem que a economia cresceu e não distribuiu renda o suficiente, mas na Bolívia houve crescimento e distribuição, redução da pobreza. Já na Argentina não houve crescimento, a crise cambial e inflacionária se agravou.”

Independentemente das motivações em cada país, os acontecimentos recentes demonstram que é preciso ações urgentes para devolver estabilidade e segurança institucional à região. “O que é ruim para a América Latina é péssimo para o Brasil, que é a maior economia”, alerta Rochlin.

Tensão na Bolívia cresce com partidários de Evo Morales nas ruas contra o governo interino e aumento da repressão.
Tensão na Bolívia cresce com partidários de Evo Morales nas ruas contra o governo interino e aumento da repressão. | Aizar Raldes/AFP

Perspectiva para América do Sul é ruim

Em seu relatório ‘Perspectivas do Comércio Internacional da América Latina e do Caribe 2019’, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) diz que o desempenho comercial regional mostra uma significativa heterogeneidade por sub-regiões. A comissão prevê que a América do Sul experimentará uma contração no valor de suas vendas externas de -6,7% neste ano, acima da média regional.

Para a Cepal, o comércio sul-americano é influenciado pela estagnação econômica – com uma projeção de crescimento de apenas 0,2% em 2019, o que afeta negativamente o comércio intra-regional – e o elevado peso dos produtos básicos em sua cesta exportadora, com vários deles registrando quedas em seus preços.

Diferentemente da América do Sul, a Cepal prevê que em 2019 a América Central, o Caribe e o México registrarão aumentos no valor de suas exportações (2,6%, 3,7% e 2,8% respectivamente). “Isso reflete sua menor dependência dos produtos básicos e seu maior vínculo comercial com os Estados Unidos, cuja demanda de importações mostrou uma maior resiliência do que a de outros mercados principais de exportação da região. Em particular, o México beneficiou-se das oportunidades de substituir os produtos chineses no mercado dos Estados Unidos e durante 2019 tornou-se o sócio comercial mais importante desse país”, diz a comissão.

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